Lula x Alckmin no SBT: em debate cordial, venceram os números

O debate realizado nesta quinta-feira pelo SBT com os candidatos à Presidência da República, Geraldo Alckmin (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve um tom menos agressivo e nervoso que o veiculado pela TV Bandeirantes, logo após o primeiro turno. O

Mais à vontade neste segundo debate presidencial, Lula escalou o tema privatização para colocar o tucano em saia justa. Criticou a situação da educação no Estado de São Paulo e disparou números de seu governo para fazer contraste com o de  FHC. Alckmin, por sua vez, priorizou o tema saúde, mas não soube explorar o assunto como poderia. No fritar dos ovos, prevaleceu no debate as comparações entre as realizações de cada candidato e as promessas de como administrar os gastos públicos e fazer o país crescer. Corrupção e segurança, temas que incendiaram o debate da semana passada, desta vez não chegaram nem a fazer fumaça.


 


Lula: ironia fina e números incontestáveis


 


Embora menos tensos e agressivos do que no encontro na Rede Bandeirantes, os candidatos não deixaram de trocar farpas e ironias. E, neste duelo, Lula deu um baile.


 


Diante de um adversário disposto a não subir o tom, Lula pôde exercitar seu talento satírico e, por diversas vezes, deixou Alckmin em situação de constrangimento.


 


Foi assim, por exemplo, quando comentou a resposta de Alckmin sobre segurança. ''Pelo amor de Deus, que o povo de São Paulo não ouça porque vão pensar que vai ter um PCC no Brasil inteiro'', disse Lula.


 


Voltou a repetir a dose quando disse que o governo ofereceu oportunidade para São Paulo ingressar num programa federal voltado para a área de segurança e o governo do PSDB recusou. ''Promovemos um sistema de integração e o único Estado que não quis fazer foi são Paulo. Depois que o [Claudio] Lembo [PFL] entrou, fizemos.''


 


Mais adiante, nova estocada: ''O Alckmin é parte de um tipo de gente que acha que investir em comida pro povo não é investir em saúde''.


 


Contudo, a tirada que mais provocou reações na platéia foi quando Lula chamou Alckmin de ''colonizado'' por causa de citação que o tucano fez de um ranking publicado numa revista estrangeira. ''Alckmin é daqueles brasileiros que, se deu no 'New York Times', vale, se não deu não vale'', ironizou mais uma vez Lula, que desafiou o adversário a perguntar a qualquer economista sobre os dados econômicos do país.


 


Já com o debate terminado, Lula ainda dispatrou mais uma ao avaliar o desempenho do adversário: ''Eu acho que o Alckmin é um pouco eletrônico. De vez em quando eu acho que tem alguém apertando um botão e ele fala as mesmas coisas'', disse Lula a jornalistas na saída do estúdio da emissora em São Paulo.


 


Na troca de dados estatísticos, Alckmin acusou Lula de ter cortado R$ 1,6 bilhão da Saúde, disse que o Brasil pagou R$ 329 bilhões em juros e criticou o crescimento de 2% do país sob Lula. O presidente-candidato afirmou ter aumentado em 26% o salário mínimo, ampliado os programas sociais para 11 milhões de famílias e tirado 8,4 milhões de famílias da miséria.


 



Alckmin: bom de câmera e ruim de papo


 



Em relação à performance dos candidatos diante das câmeras, Alckmin pareceu melhor treinado que Lula. O tucano falou o tempo todo olhando para o telespectador, não leu e disse de cabeça todos os números que citou e também não tropeçou nas palavras. E diferentemente do debate da Band, quando o tucano era cortado o tempo todo por estourar o limite de tempo para expor suas idéias, desta vez Alckmin soube controlar um pouco melhor suas falas para não ultrapassar o tempo. Avançou o sinal por duas ou três vezes e, numa delas, tomou uma baita bronca da apresentadora Ana Paula Padrão.


 



Lula, por sua vez, passou muito tempo lendo, dividiu de forma titubeante sua atenção entre Alckmin e a câmera que fornecia a 'janela'' para o telespectador e, como de praxe, deu algumas escorregadas leves nas palavras. Mas nada muito comprometedor.


 


A diferença, a favor de Lula, é que mesmo não seguindo os padrões globais de apresentação diante das câmeras, o presidente, ainda assim, conseguiu ser mais simpático e mais palatável para seu público.


 


Alckmin, mesmo treinado para aparecer bem na telinha, continua usando uma retórica típica de palestrante acadêmico. O tucano abusa do economês, dá exemplos e aborda temas que não fazem parte do cotidiano da maioria dos brasileiros. Em suma: fala bem, mas fala para poucos.


 



Ética e corrupção: depois do trauma, Alckmin pega leve


 


Ao contrário do que havia sido noticiado como sua estratégia, Alckmin pouco tocou no caso do dossiê e não repetiu, como fez várias vezes no debate anterior, a pergunta sobre a origem do dinheiro que seria usado na compra dos documentos.


 


Pressionado pelos conselheiros que viram na postura agressiva do debate anterior um erro na estratégia tucana, Alckmin desta vez resolveu vestir novamente o modelito ''chuchu'' e, mesmo quando teve a sorte de ser sorteado para perguntar a Lula sobre o tema corrupção, o tucano foi ameno. Alckmin usou a pergunta sobre corrupção para enumerar os vários escândalos que atingiram o governo Lula. ''O governo precisa dar exemplo para a sociedade. Precisa dar exemplo para a criança e para jovem. O que vimos não foram fatos isolados. Vimos uma questão endêmica. Desde o Waldomiro Diniz até CPI dos Correios, mensalão, GDK, vimos o escândalo da Gtech, da Visanet maculando a imagem do Banco do Brasil, da Secom, onde milhões e milhões de reais desapareceram culminando com a questão do dossiê. Foram presos dirigentes do PT. Agora o presidente da CPI diz que é dinheiro da corrupção, do crime. A sociedade merece explicações.''


 


Em sua resposta, Lula voltou a usar os argumentos de que no atual governo a sujeira não é jogada para debaixo do tapete como acontecia nos governos anteriores e que a Polícia Federal tem trabalhado com independência e muita eficácia.


 


Saúde: tema estratégico que tucano não soube explorar


 



O tucano preferiu o tema saúde para fazer críticas a Lula, chegando a questionar por três vezes o atual presidente sobre os investimentos do governo federal no setor.


Seria uma boa estratégia para o tucano conquistar eleitores, afinal, Alckmin é médico e a saúde pública continua sendo um grande problema no país. Nem a dupla FHC/Serra nem o governo Lula conseguiram, durante seus mandatos, encontrar soluções duradouras para as mazelas do serviço público de saúde. Porém, apesar de falso, o discurso de que Serra ''foi o melhor ministro da saúde que o país já teve'', de tanto ser repetido e não contestado em campanhas anteriores, acabou colando e isso dá aos tucanos a oportunidade de explorar o tema.


 


Acontece que a campanha de Alckmin não sabe tratar do assunto e isto ficou claro durante o debate. No terreno das propostas para a saúde, o máximo que o tucano conseguiu no debate do SBT foi afirmar que ''investir em saúde, recuperar os hospitais, criar os centros de especialidades. Levar água…''. Pífio.


 


Além de não oferecer soluções e projetos que empolguem os eleitores interessados neste tema, Alckmin erra também ao tentar apresentar sua gestão na área da saúde em São Paulo como modelo a ser seguido. Esta estratégia pode até ludibriar incautos que nunca precisaram usar a rede pública de saúde de São Paulo, mas para os paulistas que dependem dela, certamente a gestão de Alckmin não serve de exemplo. A rede pública de saúde do estado é composta, basicamente, unidades hospitalares sob comando do governo estadual e as mazelas nestas unidades são muitas: filas enormes, atendimento precário, ambientes desconfortáveis, falta de equipamentos, terceirização exagerada, funcionários mal remunerados são apenas alguns dos problemas encontrados em praticamente todos os hospitais e postos de sáude. Os raros centros de excelência existentes na rede pública são pouco acessíveis à maioria dos usuários do SUS. Para conseguir fazer uma consulta, internação ou cirurgia no Hospital das Clínicas, por exemplo, a espera pode durar anos.


 


Assim, sem propostas atraentes e sem serviço pra mostrar, Alckmin não consegue colocar o tema da saúde na agenda da campanha. Por isso, o esforço feito no debate provavelmente não terá resultados.


 


Por outro lado, também é difícil para Lula convencer os que usam o SUS de que a saúde está ''muito melhor'', como ele tentou argumentar no debate. Porém, ao apresentar números concretos sobre os investimentos na área, vai, aos poucos, construindo um discurso semelhante ao que Serra construiu quando se apresentou como o ''melhor ministro da saúde'' que este país já teve.


 



''Sei como é saúde e estou cuidando dela como não foi cuidada no Estado de São Paulo e quando vocês governaram o país por 8 anos. Dobramos praticamente tudo. Estamos fazendo aquilo que vocês não fizeram. Porque tem gente que corre lá para fora quando precisa operar'', disse o petista.


 


Por mais de uma vez, Lula insinuou que Alckmin não conhece os problemas da saúde pública pois usa convênio médico quando precisa.


 


Assim, apesar de Alckmin ter insistido no tema saúde durante o debate, o eleitor indeciso que prestou atenção na fala dos dois candidatos pode ter ficado com a impressão de que o governo Lula tem mais realizações nesta área do que o ex-governador de São Paulo.


 



Economia: discurso de Lula foi mais convincente


 


Assuntos afeitos à economia como desenvolvimento, corte de gastos e privatizações frquentaram os quatro blocos do debate. E mais uma vez Alckmin patinou nas abordagens pois não conseguiu, em suas declarações, mostrar qual é a mesmo a diferença entre a política econômica do governo Lula e a política que os tucanos propõem.


 


Alckmin tentou enredar Lula numa pergunta mal formulada sobre juros e gastos governamentais. O tucano disse que os gastos do governo federal são elevados e que foram pagos no governo Lula R$ 329 bilhões em juros, R$ 138 bilhões a mais do que o mesmo período do governo FHC, o lucro dos bancos foi o triplo do governo anterior. ''É possível esse grande programa de concentração de renda?''


 


Lula respondeu de forma enfática: ''Imagina o quanto vocês pagaram quando o juros era 50% e não 13%. Eu quero que o banco ganhe dinheiro emprestando mais barato. Não foram apenas os bancos que ganharam.'' Segundo ele, os aumentos salariais foram acima da inflação. ''Acho que o banqueiro quando quebra, o Brasil tem prejuízo.'' Ele afirmou ainda que hoje as pessoas podem comprar um computador por R$ 50 por mês. ''Ainda falta muito para ser feito, mas ninguém fez o que fizemos.'' Ele diz a Alckmin que hoje o aposentado pega dinheiro mais barato do que ''quando vocês governavam''.


 


Geraldo Alckmin disse que a realidade é diferente. ''O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo. Não tem dinheiro para dar aumento para aposentados.''


 


Ao questionar números que vêm sendo repetidos pelo seu adversário na campanha, Lula perguntou como Alckmin pretende cortar gastos num eventual governo. O tucano citou um estudo segundo o qual o governo Lula reduziu o percentual de investimento em áreas como saúde, educação e cultura e prometeu baixar impostos e juros.


 


Em outro momento do debate, Lula citou números positivos dos seu governo, dizendo que baixou impostos de alimentos e material de construção e sustentou que nos oito anos de gestão FHC o Brasil não cresceu tanto quanto em seus quatro anos de governo. “O Brasil já teve 10% de crescimento ao ano mas nunca teve distribuição de renda. Estamos provando que é possível crescer com distribuição de renda”, disse.


 


Privatização e irrigação: perguntas sem resposta


 


Além de segurança, outro tem espinhoso para Alckmin é o debate sobe privatizações, que o fez ficar na defensiva desde o início do segundo turno. No debate, Lula aproveitou para explorar o assunto. Criticou as privatizações feitas no governo FHC, cutucou o adversário dizendo que sabia que ''vocês (tucanos) não gostam de falar sobre este assunto (das privatizações)'' e por fim questionou o ex-governador: “Qual a sua visão realmente sobre privatização?”


 


Ao responder, Alckmin deu uma bela enrolada no início, fugindo do tema e preferindo falar sobre economia em geral. Só no final da argumwentação é que Alckmin tocou no assunto. Ao invés de afirmar que não iria privatizar nada ou acusar o adversário de ''terrorismo eleitoral'', Alckmin destacou avanços da privatização, citando o caso da telefonia. “Quem tinha telefone antes tinha que declarar no imposto de renda. Hoje, 90 milhões de brasileiros têm celular”, afirmou. Segundo ele, se a política estivesse errada, Lula deveria ter reestatizado as empresas de telefonia. Disse que Lula privatizou bancos no Maranhão e no Ceará.


 


Na réplica, Lula disse que não só o governo do seu antecessor privatizou, como não aplicou o dinheiro. ''E onde foi parar esse dinheiro? Porque não foi aplicado em política social, em geração de emprego, em nada… É isso que o povo pergunta'', afirmou, antes de dizer que não trataria mais do tema por falta de respostas.


 



Um bom momento de Alckmin foi quando demonstrou, com dados devidamente memorizados, que o governo Lula ''não irrigou um alqueire'' de terra no atual mandato. O tucano aproveitou seu tempo ao responder sobre o programa Luz para Todos para questionar Lula sobre o porquê do governo federal ter ''abandonado os projetos de irrigação''. Lula não voltou ao assunto na tréplica.


 



Considerações finais


 



No último bloco, dedicado às declarações finais, o presidente Lula quase perdeu a oportunidade de encerrar sua participação de forma positiva ao insitir na leitura de números. Mas no meio do caminho, faltando pouco mais de um minuto para terminar, passou a fazer o que todo candidato precisa fazer em suas considerações finais: tocar a mente e o coração do telespectador.


 


Foi uma consideração final razoável. Certamente não se compara ao emocionante discurso que Heloísa Helena fez ao encerrar o debate da Rede Globo durante o primeio turno. Mas Lula conseguiu dar um toque de sensibilidade em suas palavras finais e terminou a participação no debate do SBT com um saldo positivo. 


 


Lula lembrou que ''de um lado temos um candidato que depois de governar o País por oito anos e o estado por 12 anos, diz muitas coisas que não fez no Estado e que promete fazer no País. Alguns números fluem na boca de alguns com muita facilidade e cada um pode falar o número que quiser. O dado concreto é que o passado condena alguns, absolve outros, e a prática política pode fazer vocês entenderem melhor. Só peço a Deus que no dia 29 o povo reflita e vote naquilo que ele está vendo no Brasil'', finalizou.


 


Em tom mais ameno, Alckmin manteve o discurso de que ''o PT teve a sua oportunidade''. Alckmin aproveitou a oportunidade de ser o último a falar e atacou a corrupção no governo petista. ''O que nós vimos? Sob o ponto de vista ético, um descalabro. Sob o ponto de vista de gestão, um governo que não funciona e sob o ponto de vista de crescimento, o Brasil perdeu oportunidade, deixou passar uma grande oportunidade. Eu quero dizer do que não vou fazer: não vou permitir nas empresas estatais a privatização para partido político como o PT fez. O Brasil tá com a receita errada. Nós vamos trabalhar para pôr a receita certa'', encerrou Alckmin.


 


Audiência: menor que o debate da Bandeirantes


 


Os dados preliminares registrados pelo Ibope na Grande São Paulo durante o debate desta quinta-feira entre os candidatos a presidente Lula e Alckmin, no SBT, apontaram média de 11 pontos porcentuais na Grande São Paulo, ou cerca de 600 mil domicílios. O pico foi de 15 pontos.


 


A audiência, ao menos em São Paulo, única praça onde o Ibope tem medição de audiência instantânea, fica aquém da alcançada pelo embate entre os dois candidatos no último dia 8, na TV Bandeirantes, que somou 16 pontos de audiência na média consolidada.


 


Apesar disso, o resultado duplica a audiência do SBT no horário – nas três quintas-feiras anteriores, a média das 21h às 22h40 foi de 6 pontos. Cada ponto representa 54,4 mil domicílios na Grande São Paulo. 


 


Da redação,
Cláudio Gonzalez