Em entrevista a Dirceu, Raimundo Pereira defende imprensa popular

Raimundo Pereira é um dos maiores jornalistas do Brasil. Especialista nas áreas financeiras e da Ciência, é também um grande analista político. Em entrevista publicada no blog do ex-ministro José Dirceu, ele fala como criar, no Brasil, novos veículos,

Confira abaixo a íntegra da entrevista:


 


A sua reportagem, publicada na Carta Capital, sobre o comportamento da mídia, mais especificamente da Folha, Estadão e TV Globo no caso Dossiê Vedoin, vem sendo considerada como elemento decisivo para mostrar a derrocada do jornalismo tradicional do país. O que a apuração dos fatos demonstrou? Qual a sua avaliação da mídia nessa campanha eleitoral?


 


[ Raimundo Pereira ] Foi uma seqüência do episódio do mensalão. A ação da mídia, a longo prazo, não chega a ter um papel determinante, mas como o longo prazo não interessa muito, ela consegue ter um papel episódico, dar um susto e influir o resultado da campanha. O mensalão tinha passado e aí veio o caso do dossiê. A melhor crítica à imprensa seria contar a história direito. O que foi essa história do dossiê do PT? É uma coisa interessante.


 


O (Darci) Vedoin (dono da Planam, responsável pelo esquema de superfaturamento de ambulâncias, que passou a ser conhecido como “máfia dos sanguessugas”) foi solto em julho. A conexão entre o Vedoin e o PT, pelo que apurei, começa com uma denúncia, de parte do PT de Mato Grosso, contra o empresário Valdebran Padilha. De que ele estava ali, aparentemente, tentando pagar uma dívida que tinha com o Vedoin. Ele era uma pessoa negociando em interesse próprio e em interesse do PT. Começaram a grampear de novo o Vedoin, por alguma razão que eu não sei qual é (devo ir ao Mato Grosso esta noite, para completar essa investigação).


 


Os passos exatos de como isso se voltou contra o PT ainda não estão claros. A Polícia Federal faz uma prisão arbitrária em São Paulo (prendeu Valdebran Padilha e Gedimar Passos, ex-agente da PF que trabalha na área de informação da campanha do presidente Lula), dá um flagrante onde não havia nenhum crime – não é crime comprar informações, não é crime estar de posse de dinheiro em espécie. Um delegado como o Edmilson Bruno, uma pessoa letrada, deve ter conhecimento pleno de que estava cometendo uma arbitrariedade. Deve ter sido em nome dele próprio, ou em nome de um delegado da Polícia Federal. O procurador Avelar disse que não foi em nome dele, que ele não pediu essa prisão. Eu ainda não tenho os documentos certos.


 


Houve também uma articulação para vazar isso para os jornais. Primeiro, para o comando das campanhas do Serra e do Alckmin. Esse fato, o procurador Avelar (encarregado do caso em Cuiabá) tentou contestar, quando o entrevistei. Eu tenho até um filme sobre isso, um filme sigiloso que mostra que quando chega a reportagem da Globo, já estão lá os carros do pessoal da campanha do Alckmin e do Serra. Dizem que souberam pelo blog do Cláudio Humberto, que a informação já circulava na Internet. A partir daí, a oposição e a mídia passam a cobrar a foto do dinheiro apreendido com Valdebran e Gedimar. O dinheiro supostamente seria usado para pagar o dossiê de Vedoin, que incriminava os tucanos. Ás vésperas do primeiro turno, a foto do dinheiro, feita de forma ilegal pelo delegado Bruno, é vazada para os jornais Folha e Estadão, para rádio Jovem Pan e para a TV Globo. O delegado pede aos repórteres para divulgar que as fotos foram roubadas. Isso está gravado em áudio. E os jornalistas aceitam.


 


Por que fizeram isso? Os jornalistas se escoram numa idéia de liberdade de imprensa que é um desastre. Depois que eles divulgam uma coisa que corresponde a um monte de interesses, eles dizem que aquilo é um fato, que todo o fato tem que ser divulgado por si, como se os fatos se apresentassem nas páginas de jornais por si. Aí se montou a campanha. Como ela foi derrotada pela opinião pública, talvez até deva se fazer um inventário mais preciso. Porque os grandes responsáveis são o grande patronato da mídia que banca isso, mas os próprios jornalistas também são responsáveis.


 


[ José Dirceu ] Em sua reportagem, você estranha o fato de a TV Globo não ter dado, no Jornal Nacional do dia 30 de setembro o desastre do avião da Gol, no qual morreram 154 pessoas, concentrando sua cobertura nas fotos do dinheiro vazadas pelo delegado Bruno. A reportagem mereceu uma carta, publicada como matéria paga, assinada pelo diretor executivo de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel. As explicações dele o convenceram?


 


[ Raimundo Pereira ] Nós tínhamos encaminhado as questões por escrito, que não foram respondidas sob a alegação posterior que as premissas eram falsas. Mas provamos que não eram. Dissemos que a Globo, como o resto da imprensa, só estava investigando uma ponta do caso, a do PT, ignorando a ponta tucana, que optou por não publicar duas reportagens feitas sobre o envolvimento dos tucanos, que a Bandeirantes divulgou a notícia da queda do avião antes de o Jornal Nacional entrar no ar. A maior crítica que fizemos a Kamel foi de que ouviu o áudio relativo ao vazamento das fotos e preferiu ignorá-lo. Ele agora fez um truque, que é por os grandes jornalistas da Rede Globo para fazer um abaixo-assinado que, no fundo, é contra nós. Mas o Kamel sabe que, ao não ter desmentido aquela frase fatal — “Não nos interessa ter essa fita. Para todos os efeitos, não a temos”, referindo-se ao teor do áudio com a gravação da conversa do delegado Bruno com os jornalistas–, fez, no meu entendimento, confissão de culpa, ou de irresponsabilidade.


 


Nós dizemos; também cometemos erros, peguem a nossa matéria, investiguem, peçam abertura do sigilo bancário, telefônico, o nosso está a disposição, porque também gostaríamos de ver o dos outros, os telefonemas que eles deram. É uma questão que diz respeito aos interesses supremos do país, uma eleição presidencial. Num regime de ampla liberdade, as coisas têm que ser esclarecidas direito. Eles estão achando que jornalista está acima do bem e do mal? A Carta Capital diz: jornalista também tem que ser responsabilizado. Não vi os nomes dos que subscreveram o abaixo-assinado, mas sei que são 176 pessoas. Os colegas às vezes, agem por compadrio, por esse preconceito de que jornalismo é uma coisa acima do bem e do mal, e o essencial é você divulgar fatos. Mas fiquei feliz de ver que alguns profissionais da Globo como o Caco Barcellos, o Luiz Carlos Azenha não assinaram o abaixo assinado. Me disseram também que o Tonico [Ferreira] não assinou.


 


[ José Dirceu ] Depois da redemocratização, talvez este seja o momento, na verdade desde a crise do chamado mensalão até a campanha presidencial, em que a mídia mais tomou partido abertamente, com opinião saindo nas páginas dos editoriais e colunas e avançando sobre o noticiário. O que aconteceu? A mídia perdeu a capacidade de fazer jornalismo, de analisar os fatos, confrontar o contraditório? Por quê?


 


[ Raimundo Pereira ] Tenho uma visão muito crítica da imprensa, dos monopólios de informação, dos oligopólios. Como esse conceito sobre o fato do qual falei antes é disseminado também na categoria, por quinhentas razões, às vezes, a situação é grave. Vou citar uma pessoa que respeito, o Elio Gaspari. Sempre tivemos relações muito boas, tivemos algumas brigas também. Eu o cito porque ele é mais do que um jornalista, é um historiador, ele fez lá uma referência ao caso do dossiê e eu entendi nitidamente. O Mino comentou com mais ironia que o Gaspari fala por pontos finais: “O importante é a origem do dinheiro e ponto”. Eu cito isso de novo, porque acho um erro. O jornalismo é escolha de fatos para serem divulgados, claro que apuração precisa dos fatos, os fatos existem concretamente. Tem gente que é muito niilista e acha que tudo pode ser feito na imaginação, eu sou dos que acreditam que a verdade é concreta. Se você prende alguém, ou você tinha um mandado do juiz, ou não tinha. No caso da prisão de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, ou o mandato era de Cuiabá ou do delegado Edmilson Bruno. E aí, concretamente, você pode esclarecer esse fato.


 


Na imprensa das grandes empresas no Brasil está acontecendo o seguinte. Você tem uma massa de repórteres, que ganha pouco, fazendo muitos trabalhos, sem entender o que faz. Um caso como esse, tem um bando de meninos que vão para a rua com a pauta seguinte: “faz uma matéria sobre o Hamilton Lacerda”, que evidentemente é para falar mal do Hamilton Lacerda. Não só meninos, eu vi adultos, da minha idade, fazerem matérias de duas páginas em jornais sobre o Hamilton Lacerda. Qual é a pauta deles? A pauta é: ''esse é um dos aloprados. Esse é um dos bandidos. Vai atrás dele para detonar”. Aí, tem matérias para achar os podres do Hamilton Lacerda. Isso você faz com qualquer pessoa, não conheço o santo que você vá atrás dos podres e não ache. Todo mundo tem. Na política, nas questões mais relevantes, a imprensa, nas grandes empresas do Brasil, está fazendo um jornalismo de má qualidade. O jornalismo é a coisa mais próxima da política que existe. Nós estamos pesquisando para fazer um ensaio, propondo um novo projeto de imprensa. Jornalismo vem de jour, dos journaux da revolução francesa. Antes você tinha o édito do rei e, a partir da revolução francesa, começa-se a ter jornais aos montes: journaux de la Révolution Française, o Le Tribun du Peuple do Babeuf; o jornal do Marat, de um monte de correntes. Depois, se criou o jornalismo comercial, cuja tradição é inglesa, o Times de Londres, de 1785; e depois, o grande salto, para piorar, é do Pulitzer (Joseph Pulitzer, húngaro naturalizado americano, que torna editor de jornais no final do século XIX) e do Hearst (William Randolph Hearst, magnata da imprensa norte-americana na primeira metade do século XX), que criam o jornalismo mais escandaloso.


 


[ José Dirceu ] Nitidamente, a partir do governo Lula, se vê uma inflexão do jornalismo brasileiro, no rumo da partidarização. Qual a explicação sociológica desse fenômeno? É única e exclusivamente luta política, decorrente do fato de a maioria da mídia ter se colocado contra o governo? Eu, que participei das lutas políticas do país, como espectador em 61, 62 e 64, e ativamente a partir de 67, acho importante lembrar que essa partidarização já houve no passado. A diferença é que o governo de Getúlio tinha a Última Hora, que sempre apoiou os trabalhistas. Juscelino fortaleceu a dinastia dos Bloch. Digamos que era uma guerra igual, um jornal baixava o nível, o outro revidava. Se um jornal iniciava uma campanha de desestabilização do presidente da República, como ocorreu, o aliado saia em sua defesa. O que aconteceu, agora, é que o PT nem criou sua mídia, nem fez alianças, não buscou sustentação.


 


[ Raimundo Pereira ] E some-se a isso a frase emblemática do Fernando Henrique: “Falta um Carlos Lacerda”. Precisamos ver quando essa frase foi dita, se ela também tem responsabilidade sobre o dossiê, foi nas últimas semanas que ele falou essa frase, incentivando essa campanha de denúncias, um estertor da campanha do mensalão, esse surto final de 15 de setembro a 30 de setembro, até a publicação da foto do dinheiro apreendido, depois estampado nas manchetes de jornais e do Jornal Nacional daquela forma.


 


[ José Dirceu ] Eles publicaram a foto que eles queriam ter conseguido no dia da prisão. Refizeram a imagem que não tiveram. A competência é muito grande, não só teve o efeito que eles queriam que tivesse, como o teve no pior momento. Só teve segundo turno por causa daquela foto.


 


[ Raimundo Pereira ] A capa da Folha, eu tinha prestado atenção na montagem da foto, porque tudo leva a crer, falta investigar algumas coisas, que o próprio delegado trabalhou no sentido da produção ideal daquela foto. Na nossa redação, foi o Armando (Sartori, editor-chefe da Oficina de Informações) que viu que a foto foi tirada de baixo para cima, para cobrir o teto; voltada para frente. Seria interessante se se pudesse reportar como foi nas redações a procura daquela foto. O delegado Bruno, parece que ele está meio desequilibrado. Eu não o conheço pessoalmente, mas os jornalistas, a quem ele entregou as fotos, falam dele como uma pessoa ciclotímica, de muitos altos e baixos. Ele está tomando medicamentos. Há uma matéria muito boa da Tatiana Farah, de O Globo, que foi atrás dele. Criou-se um clima, por parte da oposição e da mídia, de pressão pela foto do dinheiro apreendido. O Bruno foi atrás, e fez um monte de irregularidades para conseguir aquela foto. Imagino como foi a edição, nos jornais, daquela foto, daquela maneira. Deve ter sido um momento de glória para esse povo.


 


[ José Dirceu ] Na verdade o passado condena o PFL e o PSDB em matéria de corrupção, por isso também que não há, em muitos setores da sociedade, ressonância das denúncias que eles fazem. Eles também não tem legitimidade. Por que a mídia não ganhou a eleição com todo o poder que ela tem? A Rede Globo? Um ano e meio de campanha batido. Na verdade, tudo começa em fevereiro de 2004, com o caso Waldomiro Diniz, ali se rompeu o pacto democrático republicano, a oposição decidiu que tinha que derrubar o governo. Se fosse deixar o governo governar, mesmo com oposição parlamentar, sócio-política, o Lula ganharia a eleição, como acabou ganhando.


 


[ Raimundo Pereira ] A influência da mídia tem um limite. Estou absolutamente convencido de que essas coisas não se mudam só nesse plano ideológico. A partir de um certo momento, isso satura e não se vai além. Os interesses materiais, a vida social não é determinada ideologicamente, há uma questão material concreta. Se tivesse se combinado a crise política interna com uma crise da economia internacional, acho que o governo Lula teria enfrentado momentos mais difíceis… Os defeitos do governo Lula foram minimizados por uma conjuntura internacional muito favorável, que permitiu ao Brasil aumentar enormente suas exportações, num momento que estava reorganizando sua política cambial.


 


Outro ponto importante para se analisar é que a campanha da mídia, principalmente da mídia imprensa, tem alcance limitado… Eles escrevem para eles mesmos. Eu já vi algumas pesquisas — e seria bom pesquisar mais – que formaram minha impressão de que Folha, Estado, O Globo, os grandes jornais, têm um público que pensa como eles. O leitor da Folha, veja a pesquisa de intenções de voto do leitor da Folha, é tucano. A Veja tem piorado e crescido a sua circulação porque tem um público que gosta dessa leitura, de Diogo Mainardi e coisas do tipo. Cada vez que eles pioram, a circulação aumenta. Tem certos limites porque eles falam para eles mesmos também. Tem pessoas que compram de vez em quando, quando tem alguma coisa de novidade. Então, tem limite. Assim como a oposição não pode achar que, se fizer uma imprensa só pelo campo ideológico, vai conseguir fazer uma coisa muito melhor.


 


É preciso combinar a luta no campo ideológico com bom jornalismo que interesse ao leitor. É preciso fazer uma imprensa que também de alguma maneira, vá competir no mercado. É preciso fazer uma coisa de que o povo goste. Eu me lembro da Última Hora, era um jornal maravilhoso. Estudantes, universitários, o pessoal adorava. Você tem que, no campo popular, construir uma alternativa de imprensa que dispute o leitor, achar uma forma, mobilizar os recursos para construir alternativas.


 


[ José Dirceu ] O governo Lula praticou a política tradicional de apoio aos meios de comunicação, a grande mídia, etc. Mesmo assim, não foi poupado em nenhum momento, ao contrário. Isso com as isenções tributárias que foram dadas, a reestruturação das dívidas, porque o mercado perguntava “vamos reestruturar a dívida, mas o governo como está?”, com a aprovação do modelo de TV digital defendido pelas emissoras, com o combate ás rádios comunitárias não legalizadas…


 


[ Raimundo Pereira ] O PT tentou governar com um acerto por cima. Mas não dá para você chegar ao poder com uma política só de apaziguamento. Eu escrevi isso algumas vezes. Nesse ponto, eu divirjo de uma avaliação sua, sobre a qual já falamos outras vezes. Você não toma o poder efetivamente, se você eleger o presidente e ele ficar manietado, tendo que fazer pequenas coisas. Estou falando de mudar o país mesmo, mudar o país tem que mudar a cultura política, tem que ter um movimento cultural. Nas condições em que o PT chegou ao poder, representando um movimento de massas com vinte anos de história, de luta, ele tinha uma situação excepcional para mudar o país. O PT chegou ao poder, mas faltou a ele perceber essa mentalidade conservadora que se expressa nessa imprensa, que continua sendo comprada pelo povo, que tem um grande público. O (João Roberto) Marinho, em sua reação à proposta da Ancinav, disse que há duas coisas centrais do Brasil: Jornal Nacional e novela das oito. Essa é a concepção de cultura que ele tem.


 


Eu entendo que é possível construir uma alternativa a esse jornalismo, desde que se entenda o jornalismo como parte da cultura política. O interessante, neste momento, é que a revolução nos meios de comunicação gerou um novo debate, novas possibilidades de participação popular, de certa maneira, criando uma conjuntura momentânea favorável à mudança. A vitória do presidente Lula, nos termos em que ocorreu, teve alguma relação com o movimento criado na internet, nos blogs, de apoio à sua candidatura, de combate à oposição. Um exemplo interessante do que está acontecendo: os jornais grandes não repercutiram a matéria que fiz para a Carta Capital sobre a imprensa e a crise do dossiê. Ignoraram. A repercussão se deu no âmbito da internet. Tanto que a carta da TV Globo em resposta á matéria foi publicada nos sites na internet, não nos jornais deles. Não querem falar sobre isso para seus leitores, querem falar para os sites.


 


[ José Dirceu ] Você acredita que, depois de todos os episódios, o governo deverá mudar sua política de comunicação? Como?


 


[ Raimundo Pereira ] Já ouvi dizer que se pode acertar essa conflito por cima. O (João Roberto) Marinho já foi lá no Planalto, ouvi dizer que depois do primeiro turno; parece também que o Roberto Civita esteve lá. Esse pessoal procura se acertar… Eu não defendo qualquer represália a esses meios, mas acho que deveria haver um debate público sobre a cobertura da imprensa e uma crítica pública aprofundada desse episódio. Se o sanguessuga, se o Bingo merecem CPI, eu acho que isso mereceria CPI. Para ouvir as pessoas, para discutir.


 


Voltando a pergunta, não sei se o governo vai mudar sua política de comunicação, mas há espaço para iniciativas de construir uma imprensa popular no país. Eu imagino que a principal resposta é do campo dos partidos da esquerda, principalmente, PT, PCdoB, PSB. São partidos que podem e devem ajudar a construir uma imprensa popular. Na nossa empresa, que edita a revista Retratos do Brasil, estamos começando a discutir essa questão.


 


[ José Dirceu ] Você acha possível se construir um sistema público de TV no Brasil, a partir da implantação da TV Digital que terá quatro canais de uso público?


 


[ Raimundo Pereira ] Eu acho que o poder público tem no que contribuir e deve contribuir. Num país subdesenvolvido, acontece com o jornalismo o que acontece em vários outros setores — o Estado tem uma contribuição a dar porque, nesses países, onde existem monopólios, eles não têm compromisso com o país, seja por relações financeiras, econômicas e ideológicas.


 


Para os monopólios de comunicação, o que se coloca hoje é como sobreviver frente ao fenômeno da internet. O debate sobre o fim do jornal que o The Economist propiciou, com uma matéria de capa, e as matérias sobre a Internet são muito interessantes, mostram a saída que eles imaginam: uma imprensa de alta qualidade, cada vez mais voltada para os ricos, que possam pagar um preço alto; e, para o povo, jornais populares, ruins, de novo tipo – antes você tinha o jornal escandaloso, aquele que espremendo sai sangue; hoje ,você faz jornal com manchetes de como aplicar dinheiro, serviços para o aposentado, custando 50 centavos o exemplar. Então, você vai radicalizar as desigualdades. E a desigualdade já é amplíssima, porque no meio intelectual, nas ciências, por exemplo, há milhares de revistas nas quais não se consegue entender nem o título do artigo.


 


Com esse caminho, apontado pelo The Economist, e que ele está indiretamente apoiando, o jornalismo vai aprofundando a distância entre as elites cultas e o povo. No meu modo de ver, para enfrentar isso, temos que achar uma solução socialista para a questão a longo prazo da imprensa.


 


[ José Dirceu ] Como você imagina a articulação de uma imprensa popular no Brasil que possa ter expressão nacional, já que existe uma imprensa popular mas são experiências localizadas geograficamente ou setorialmente?


 


[ Raimundo Pereira ] Eu acho que tem que ser formado um conselho político onde esses três partidos (PT, PcdoB e PSB) estivessem representados; e que passasse a dar apoio político a uma iniciativa dessas. Imagino que essa iniciativa deve reunir experiências concretas e existentes, trabalhos feitos, por exemplo, Mino Carta é uma figura importante. O pessoal da Caros Amigos tem uma série de iniciativas. Eu falo do campo profissional. Movimentos comunitários e populares têm centenas de publicações, mas não se pode imaginar que coisas muito específicas e não encararam o problema político da informação no país, vão se justapor e criar um coisa de uma nova qualidade. Porque a preocupação política nacional e internacional, da cultura nacional e internacional, da Ciência, deve ser a matéria prima básica de uma publicação que vá ganhar a opinião pública popular. Tem que ser criado um fórum onde os bons jornalistas, os intelectuais, realmente preocupados com a cultura popular, vejam, nessa publicação, uma coisa de qualidade, da qual queiram participar.


 


Eu penso que tem que ser um projeto de junção de forças e deveria começar por essas experiências para ter uma presença maior. Pode fazer quinhentas coisas de outros tipos, outros partidos, entidades que têm suas propostas. Mas eu sugeriria contar com o que já existe, e que nesse período teve uma posição mais comum, não entrou nessa onda da imprensa das grandes empresas contra o governo Lula. O que houve foi uma desinformação muito grande, apresentando o PT como um desastre, a coisa mais corrupta do mundo. Esse tipo de visão é não compreender minimamente o que é a imprensa no país. As publicações que se aliaram com essa visão não têm como participar de um projeto de imprensa popular.


 


[ José Dirceu ] Como uma iniciativa dessas deve se articular com o movimento popular, para não ser uma coisa só de intelectuais?


 


[ Raimundo Pereira ] O jornalismo ainda é o dia-a-dia. Nós fizemos aquela experiência de 84, com o jornal diário Retrato do Brasil. Vendemos 4 mil cotas, o lançamento reuniu figuras de peso do campo democrático. Estavam lá Ulisses Guimarães, do PMDB, Hélio Bicudo, do PT, o Ulrich Hoffman, hoje no PPS, o Sorrentino, do PCdoB. Naquela época praticamente não existia a internet. Hoje, as novas tecnologias e a internet permitem fazer um jornalismo diário de qualidade, com muito menos recursos. Você pode começar com algo menor, mas que você procure conectar com outros núcleos, por meio da rede. Você manda informação para esses núcleos e deles também recebe informação.


 


Se você junta o que já existe num trabalho em rede, cria núcleos, você tem também a informação da política do dia-a-dia. As personalidades políticas e culturais que estão junto do projeto despertam confiança e ajudam a atrair mais leitores. Mas é essencial criar um foco de unidade, porque as milhares de iniciativas individuais, como os blogs, são muito fragmentadas.


 


[ José Dirceu ] Depois da redemocratização, você citou experiências de diários. Lembramos o Jornal da República e Retrato do Brasil . Agora, temos outra experiência de jornal popular, com outro viés, que é o Brasil de Fato. Nenhum vingou no sentido de ter alcançado uma ampla massa de leitores. O que leva você a crer que mudaram as condições objetivas para que uma nova iniciativa tenha mais chances de sucesso?


 


[ Raimundo Pereira ] Eu sou uma pessoa com uma limitação grande que é o fato de não ter uma militância política organizada. Militei enquanto estudante até 64 e um pouco depois. Depois fui ganhar a vida, criar a minha família. Minha experiência é do jornalismo militante, político. Fui aprendendo um pouco. E, agora, tenho vontade de entrar num partido. Estou pensando em fazer uma proposta, primeiro para o PCdoB, porque todo mundo acha que eu sou do PCdoB. Preciso me livrar desse problema – de ter o problema de ser considerado do PCdoB, sem ter as vantagens de ser do PCdoB. Outra alternativa é o PT. Digo isso, porque entendo que a responsabilidade principal por esse projeto de imprensa popular tem que ser dos partidos políticos. Eu os acho partidos com limitações grandes, mas, nesse campo, não adianta ficar de fora.


 


Assim, a primeira questão é os partidos terem uma visão melhor sobre a política de comunicação. Política e jornalismo popular de alta qualidade, e jornal partidário de alta qualidade. A solução possível está aí. Os partidos precisam enfrentar essa questão, fazer essa costura para juntar condições e mobilizar a sociedade. Vai-se ganhando por círculos de pessoas. O sujeito gosta de ler, começa a mostrar o que está lendo, o amigo lê e gosta. É por aí o caminho.


 



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