Brasil pode ter Observatório da Tortura a partir de 2007

Promessa do Congresso Nacional, o Protocolo Facultativo da ONU para o Combate à Tortura prevê a criação de um mecanismo nacional para prevenir os maus-tratos e a tortura, que no Brasil será nos moldes de um observatório.

Rafael Sampaio – Carta Maior


 



A tortura nas instituições prisionais de todo o país não é nenhuma novidade. Trata-se de um problema se arrasta há décadas, sem que o Estado brasileiro consiga resolvê-lo. Entretanto, um mecanismo legislativo internacional, se for aprovado pelo Congresso Nacional, poderá contribuir para a prevenção dessa prática.


 


Adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU) há quatro anos, em dezembro de 2002, e assinado pelo Brasil em outubro de 2003, o Protocolo Facultativo da ONU para o Combate à Tortura prevê a criação de mecanismos nacionais para prevenir a prática dos maus-tratos e de tortura. No caso brasileiro, será um instituto nacional de monitoramento, nos moldes de um “Observatório da Tortura”.


 


“Esse instituto poderá entrar em qualquer unidade prisional sem autorização prévia dos governos estaduais”, explica o coordenador da Comissão Permanente de Combate à Tortura do governo federal, Pedro Montenegro. A comissão pertence à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).


 


Com atuação descentralizada, dividida de acordo com as regiões do país, o Observatório emitirá relatórios sigilosos sobre diferentes unidades de internação, sejam elas manicômios, prisões, delegacias ou unidades da Febem (Fundação do Bem-Estar do Menor). O objetivo não é alardear os casos de tortura e maus-tratos, mas sim fazer avaliações internas.


 


O Observatório vai apurar em que condições se dá “a acomodação dos presos, a infra-estrutura do cárcere, as denúncias de maus-tratos e vai exigir que as instituições problemáticas passem por mudanças”, explica Montenegro, que também é ouvidor da SEDH.


 


Nos casos em que a instituição prisional não modifique a prática da tortura, pode haver divulgação dos relatórios à imprensa. Mas a confidencialidade deve ser mantida até o último momento, porque é o que vai garantir o caráter público do órgão de monitoramento, de acordo com Montenegro.


 


O observatório vai ser composto por funcionários públicos contratados, como forma de garantir a dedicação integral. Serão médicos, psicólogos, promotores, enfermeiros e outros profissionais qualificados para lidar com os maus-tratos e as torturas, todos trabalhando em caráter multidisciplinar.


 


Montenegro não se mostra intimidado com uma possível oposição a este instituto de monitoramento. “É esdrúxulo imaginar que algum governo se oponha a um órgão de defesa dos direitos humanos, eu não posso conceber isso”, afirma. Segundo ele, o Observatório visará melhorar a administração penitenciária num âmbito nacional, e não prejudicá-la.


 


À espera do Congresso


 



A ratificação do Protocolo Facultativo para o Combate à Tortura só vai acontecer se houver a votação em plenário do Congresso Nacional, que nunca colocou o tema em sua pauta. O conteúdo do protocolo tem prazo de um ano para ser aplicado após sua ratificação.


 


Tanto o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), quanto o presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), se comprometeram a votar o documento da ONU quando a pauta do Congresso for “destrancada”, ou seja, tão logo sejam avaliadas as medidas provisórias pendentes.


 


O protocolo prevê ainda que, além do órgão nacional de monitoramento à tortura, os países que ratificarem o documento podem ingressar no Sub-Comitê de Prevenção à Tortura da ONU. O Brasil, entretanto, não pode mais participar, pelo menos até 2008.


 


“O Congresso Nacional deveria ter ratificado o documento neste mês de novembro para que o Brasil pudesse ingressar”, explica o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, José Jesus Filho. Ele espera que o Legislativo ratifique o documento até o começo de 2007.


 


Reunidos em assembléia nesta terça-feira (14), os coordenadores da Pastoral Carcerária reforçaram seus compromissos com o combate à tortura e aos maus-tratos nos presídios. “A coordenação da entidade vai procurar pessoalmente os parlamentares para pedir a aprovação do Protocolo Facultativo”, relata Jesus Filho.


 


Se for aprovado, o protocolo terá status de emenda constitucional e virá acompanhado de uma política de Estado para a prevenção e o combate à tortura, de acordo com Montenegro. Na sua opinião, a tortura é um problema tão grave quanto o das doenças para o Ministério da Saúde.


 


Combate à prática


 



A dificuldade em documentar, provar e qualificar a tortura é uma questão problemática em muitas partes do Brasil. “Onde não há denúncias, não significa que não haja tortura. Pode ser que haja o silêncio, o ocultamento”, sentencia Montenegro.


 


O Ouvidor de Polícia do Estado de São Paulo, Antonio Funari Filho, informa que há 44 casos de tortura documentados desde o início de seu mandato, em junho de 2005. Há registros de lesão corporal causada por agentes penitenciários e de violência policial contra suspeitos que podem ser enquadrados como tortura. “A tortura é usada como método de investigação em São Paulo”, afirma Funari.


 


Ele cita o caso de um rapaz, dono de uma oficina mecânica, que foi preso e torturado depois que policiais militares confundiram seu local de trabalho como um ponto de tráfico de drogas. “Queriam uma confissão. Esse caso me deixou preocupado”, diz o ouvidor de São Paulo. “Vejo, ainda, que uma parte da opinião pública considera normal existir tortura nas investigações”, completa.


 


Funari acredita, também, na modernização da tortura. “Hoje existe a tortura psicológica, que não deixa marcas. Há casos de pessoas que ficaram transtornadas depois de serem submetidas à roleta-russa, por exemplo”, diz ele.


 


Há ainda uma falta de preparação dos institutos de perícia, que não trabalham em conjunto com o Instituto Médico-Legal (IML), responsável pelo exame de corpo de delito nas vítimas de violência, maus-tratos e tortura, tornando o processo de documentação ainda mais complexo.


 


Fonte: Carta Maior