Cláusula de barreira não amplia governabilidade, diz Flávio Dino

Por Priscila Lobregatte

Flávio Dino é jovem. Aos 38 anos, foi o quarto deputado federal mais votado no Maranhão, com mais de 123 mil votos. E por um partido pequeno, de esquerda, o PCdoB. Hoje, o advogado recém-eleito já trabalha junto a nomes trad

Dino nasceu no ano em que o AI-5 foi decretado. Formou-se, em 1990, na cadeira de Direito. Advogou para sindicatos e, alguns anos mais tarde, tomou posse como juiz federal, cargo que assumiu por mais de uma década. Nesse período, foi também juiz do Tribunal Regional Eleitoral no Maranhão e presidente da Associação Nacional dos Juizes Federais. Finalmente, tornou-se secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça. Sua trajetória, que também o fez passar pelas lutas estudantis no movimento Viração – que antecedeu a UJS –ajudou a forjar o caráter do parlamentar estreante. Dino é, hoje, um dos principais defensores de uma reforma política democrática. “Optei pelo PCdoB pela história que o partido tem, pelo programa que defende, pela tática política-eleitoral acertada e por considerá-lo um instrumento de intervenção política na conjuntura do Maranhão e do Brasil”, explicou Dino, num breve bate-papo com o Vermelho, durante a reunião do Comitê Central do PCdoB, no último final de semana, onde esteve como convidado.




Na ocasião, o jurista falou sobre a cláusula de barreira e os malefícios que sua introdução nas regras políticas brasileiras podem trazer à democracia nacional. Dino alerta para o fato de que  medida “acaba por violar a possibilidade de haver uma concorrência leal e legítima entre os partidos, de forma que os minoritários de hoje possam ser os majoritários de amanhã”. Acompanhe, abaixo, os principais trechos dessa conversa.





Efeitos da cláusula de barreira no sistema político brasileiro



“Do modo como ela foi feita e levando em conta a realidade de nosso país, a cláusula de barreira pode resultar numa brutal deslegitimação do nosso sistema político. O Brasil é um país de democracia recente. A continuidade das eleições, infelizmente, é exceção na vida republicana do país, interrompida por excessivos golpes e rupturas institucionais, de forma que a atual conformação do sistema de representação política do pensamento da sociedade é bastante recente. Temos aí 15 anos de eleições contínuas e de consolidação do mundo partidário. O Brasil é um país assimétrico, de desigualdades regionais e sociais, geograficamente grande e com imensas diferenças no que se refere às culturas regionais, às demandas econômicas e sócio-políticas de cada uma das porções do território brasileiro. Essas características, somadas ao fato de não termos uma coesão social alta – porque não temos a pré-condição para isso, que seria uma distribuição mais equânime das riquezas socialmente produzidas – fazem com que, ao alijar as minorias, o sistema de representação política acabe por se deslegitimar. E, portanto, se enfraquece a própria idéia de democracia política e a idéia de aproximação entre o que se passa no mundo da sociedade política – no mundo do Estado em sentido estrito – e aquilo que a sociedade vivencia”.




Importação do sistema alemão



“A qualificação de um resultado como bom ou ruim não pode ser feita de maneira descontextualizada porque aquilo que pode ser bom para o sistema político de um determinado país pode não ser bom para o nosso. Em países de democracia consolidada, em que o nível de consenso social é mais alto e o nível de dissenso é mais baixo, estreitar o quadro partidário não produz resultados tão ruins quanto produzirá no Brasil. O efeito na cláusula de barreira é esse: o estreitamento do quadro partidário. Tenho a convicção de que na Alemanha, a cláusula produziu esse estreitamento, mas isso certamente foi positivo sob a perspectiva da sociedade alemã, mas seria, no momento presente, negativa para o Brasil”.




Cláusula de barreira e governabilidade



“A cláusula de barreira não amplia a governabilidade. Isso é uma falácia porque a governabilidade não é determinada pela existência das legendas de aluguel. É evidente que as legendas de aluguel têm que ser refutadas porque são uma anomalia do sistema político. E, como tal, devem ser combatidas, mas pela via da política, através da qualificação da manifestação da vontade do eleitorado, pela qualificação da compreensão da opinião pública acerca das várias propostas políticas existentes. Acredito nessa possibilidade. No entanto, essas legendas não podem ser apontadas como responsáveis por crises parlamentares ou pela paralisia no processo decisório no Parlamento, uma vez que as causas são outras”.




Hegemonia política



“Não temos uma hegemonia política clara no Brasil. Desde o fim da ditadura militar, não temos nenhum partido majoritário. Mesmo os que se consideram majoritários, são, na realidade, minoritários. O PSDB, no governo Fernando Henrique Cardoso, não tinha 30% do Parlamento. O mesmo ocorre com o PT de hoje. Nenhum dos partidos representados na Câmara chega a ter 20% da Casa. E essa ausência de hegemonia política faz com que não seja possível apontar as minorias parlamentares como responsáveis pela paralisia do processo decisório. Temos ausência de hegemonia na sociedade e no Parlamento, que não pode ser atribuída aos partidos menores. Por outro lado, há fatores que paralisam sim a agenda parlamentar. São exemplos a sectarização do debate e a existência de Medidas Provisórias que,  da forma como existem, acabam por dificultar a formação de uma agenda parlamentar dentro do Congresso, sendo a agenda parlamentar  definida de fora para dentro. Então, há outros fatores estruturais que deveriam ser enfrentados  ao invés de se deslocar o centro do debate para a existência de legendas menores do que as outras”.




Bloqueio de partidos ideológicos x restrição aos recursos do fundo partidário



“Acho que (o que está por trás da cláusula) é a soma dessas duas variáveis. De fato, o estreitamento do quadro partidário interessa porque assim é possível concentrar os recursos do fundo. Por outro lado, se reforça a direção dos partidos que restarem, possibilitando, por parte dessas direções, o controle do conjunto do processo político na medida em que menos pessoas vão controlar a totalidade dos canais de expressão da vontade partidária. Ao mesmo tempo, creio que haja também essa perspectiva de aniquilamento da diferença, numa contradição com a própria história recente do país. Afinal, partidos que hoje dominam a arena política foram minoritários e puderam crescer. Um exemplo é o PT, que em 1982 elegeu somente oito deputados federais e o próprio PSDB, que nasceu de uma divisão do PMDB numa posição claramente minoritária e que só depois se tornou uma legenda de expressão. Então, essa visão do passado recente da vida partidária do país demonstra que a cláusula de barreira impediria que a própria realidade existente  tivesse se conformado. Ela acaba por violar a possibilidade haver uma concorrência leal e legítima entre os partidos, de forma que os minoritários de hoje possam ser os majoritários de amanhã”.




Os próximos passos da bancada comunista contra a cláusula



“Há batalhas imediatas e batalhas de longo curso. Imediatamente, temos a discussão no Supremo Tribunal Federal (a decisão poderá sair no dia 7 de dezembro). Acho que a tendência é que tenhamos que discutir mais o assunto em outras arenas. A não ser que o Supremo – e é o que nós esperamos – declare a lei totalmente inconstitucional e isso nos remeteria apenas a um cenário de reelaboração de um novo sistema legal. Há, ainda, o debate interno no próprio Parlamento, na medida em que nem o regimento interno, nem a própria lei diz como deve ser o funcionamento parlamentar. Este, portanto, é um terreno em que podemos avançar mais. E em terceiro lugar, dentro da perspectiva de uma reforma política democrática, vamos lutar para que consigamos, ao contrário dos efeitos da cláusula de barreira, fortalecer a legitimidade do sistema político, do conjunto dos partidos e garantir a igualdade nas regras do jogo, de modo que o povo sim seja soberano e que a vontade por ele manifestada seja espelhada na representação parlamentar”.