Depois da derrota de “Toninho Malvadeza”, o desmonte do carlismo

Por Leandro Fortes, de Salvador, para a Carta Capital*
Antonio Carlos Magalhães, ao contrário do que se pensa fora da Bahia, não ganhou o apelido de “Toninho Malvadeza” por ser um político nascido e criado à sombra dos generais, durante a ditadura mili

ACM tornou-se Malvadeza na década de 1950, quando era jovem e, como na canção do conterrâneo Gilberto Gil, “ia procurar porrada na base da vã valentia” no Campo da Pólvora, zona central de Salvador, onde morava.



Retrato da derrota.



Acostumado a bater a torto e a direito, ACM levou uma surra histórica nas eleições deste ano, eternizada na imagem desolada do velho coronel de cabeça branca, flagrado pela câmera de Luciano da Matta, do jornal A Tarde, de Salvador, na noite de 1º de outubro.



A imagem foi captada em um átimo de porta entreaberta no Palácio de Ondina, sede do governo da Bahia, onde ACM acompanhava, cabisbaixo, a apuração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Naquela noite, quase madrugada, os computadores do TSE, em Brasília, tinham contabilizado quase 100% das urnas eletrônicas utilizadas no pleito. Desde cedo, no entanto, a maior surpresa anunciava-se, justamente, no terreiro de Antonio Carlos e da trupe pefelista mais aguerrida da nação. Na Bahia, o candidato Jaques Wagner, do PT, caminhava para uma vitória ainda no primeiro turno das eleições. Concretizada a eleição do petista, o implacável ACM, reconhecido por aliados e adversários como Toninho Malvadeza, cuja liderança política forjou-se em três mandatos de governador, dois deles presenteados pelos generais da ditadura militar, sentou-se em um sofá e, então, caiu no mais puro desalento.



Por quatro décadas, descontados apenas dois anos do conturbado mandato de Waldir Pires no governo da Bahia, entre 1987 e 1989, o carlismo configurou-se como única força política do estado. Para tal, o grupo carlista estabeleceu uma relação privatizante entre a estrutura administrativa estadual e as diversas empresas da família, onde também abrigam-se até hoje parentes, aliados políticos e vassalos de toda ordem. Acima de tudo isso, Antonio Carlos, quando ministro das Comunicações do governo José Sarney (1985-1990), deu-se de presente uma cadeia de televisão, a Rede Bahia, e, a partir dela, condenou a oposição local ao exílio do silêncio. Foi, e ainda é, o mais poderoso coronel eletrônico do País. A vitória do PT poderá lhe render, além de um ostracismo político irreversível, graves danos financeiros.



O fato de Jaques Wagner ter vencido o governador pefelista Paulo Souto nas eleições estaduais deste ano deixou a certeza de duas coisas. A primeira, de que o eleitor baiano seguiu uma tendência nacional de desprezar o furor da mídia contra a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por extensão, relegar ao lixo da história a mesmíssima estratégia usada pelos carlistas na Bahia. A segunda, de que a tentativa de Souto de se descolar do carlismo, foi tímida o suficiente para ser interpretada como falsa pelo eleitorado local. Não é por menos.



O governador pefelista é uma típica criatura do carlismo, um engenheiro alçado da burocracia interna do estado, mas sempre se esforçou para ter melhores modos que os de seu criador. Registre-se como ato de coragem o fato de ele ter retirado do gabinete uma foto gigante de ACM para trocá-la, à guisa de sutil distanciamento, por uma de Luís Eduardo Magalhães. Paulo Souto também livrou o Palácio de Ondina da prática pública e cotidiana de botinadas, tão cara ao seu mentor político, mas, no fim das contas, mantiveram-se em funcionamento todos os esquemas do carlismo. Desmontá-los, portanto, será a duríssima tarefa de Jaques Wagner a partir de 1º de janeiro de 2007.



* Confira a íntegra da reportagem na edição impressa da Carta Capital