Flávio Aguiar comenta os confrontos no Rio
Nova situação criada no Rio de Janeiro, surgida diante da expectativa de alteração na área de segurança, levanta uma discussão crucial para o futuro desta questão na sociedade brasileira – e de seu futuro como um todo.
Publicado 29/12/2006 17:03 | Editado 04/03/2020 17:06
Flávio Aguiar / Carta Maior
A nova situação criada no Rio de Janeiro levanta uma discussão crucial para o futuro da segurança na sociedade brasileira e de seu futuro como um todo.
De alguma forma essas irrupções de violência, aparentemente descontroladas mas motivadas, tendem a ocorrer em momentos de troca de situação (mais do que de comando) nas condições de presídio e de segurança nos estados.
Este foi o caso em São Paulo, quando da primeira irrupção desse tipo de
violência – ataques a postos de polícia, ônibus (no Rio com a gravidade maior de vítimas fatais), delegacias – em torno do dia das Mães, em maio de 2006.
A situação de recolhimento maciço de prisioneiros de todos os tipos, réus
primários ou não, em presídios de massa, desprovidos de defensoria pública ou de qualquer outro apoio por parte dos poderes constituídos, criara uma “rede estável” de relacionamento naqueles estabelecimentos.
As organizações internas ou externas aos presídios passaram a contar com uma espécie de “exército industrial de reserva”. Isso, mais a conivência de setores policiais ou carcerários, criara uma “acomodação”, um “modus vivendi” peculiar, sob a forma de proteções, subornos, favores, enfim, uma extensa cadeia de “relacionamento produtivo” (!!!) que punha no seu topo líderes de facções criminosos e à sua sombra um contingente que chegava até aos familiares dos presidiários mais simples (e mais desprotegidos) e seus vizinhos.
A remoção de setecentos presos, naquela época, para um presídio em Presidente Venceslau, no interior, desbalanceou essa situação “acomodada”, ou de uma espécie de “acordo” tácito e no mínimo implícito, pois a situação era de conhecimento geral (assim como os depósitos de bebida na Chicago dos anos 20 e 30).
Houve uma revolta imediata, cujas conseqüências até hoje não se mediram por completo, não se sabendo ao certo a natureza de muitas das mortes que se seguiram, se de fato em confrontos, ou se assassinatos por vingança ou queima de arquivo, posto que os sinais de execução foram evidentes em muitos casos.
Agora no Rio, os motivos ainda estão por serem determinados com toda a clareza, mas a situação é análoga: a expectativa de alteração na área de segurança provoca uma situação de “desbalanço”, de “desequilíbrio”, e as reações se seguem como a demandar novas concessões, numa espécie de aviso prévio, aos ocupantes da linha de frente nas equipes de segurança.
Estas situações pôem na pauta:
1) a necessidade da unificação dos comandos das forças de segurança nos
estados;
2) idem, de uma unificação de políticas públicas de segurança em nível nacional, com a cooperação da Polícia Federal e com a liderança do Ministério da Justiça.
3) a imediata implementação ou ampliação da presença das defensorias públicas e outras assistências, que são dever do Estado, a todos os presidiários, que é o que pode ajudar a quebrar as “cadeias de relacionamento” que unem o interior e o exterior dos presídios.
4) uma definição e implementação de políticas nacionais para os menores
infratores, sem essa discussão de índole algo fascista em torno de estender
mais ainda a responsabilidade criminal como panacéia universal, o que só vai fornecer mais “mão de obra” barata para o interior das organizações criminosas, numa espécie de “vestibular qualificado para o crime”.
Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior