Novo filme mostra sexo e política na relação Norte/Sul

Último lançamento do ano, Em Direção ao Sul põe Charlotte Rampling na pele de mulher madura que busca prazer no Haiti. Leia crítica de Luiz Carlos Merten.

Coroas européias, rejeitadas em seus países de origem, tomam o rumo do Sul e buscam prazeres sexuais com nativos no Haiti. É um filme sobre turismo sexual? Não. Para o próprio diretor Laurent Cantet, Em Direção ao Sul (Vers le Sud), que estréia hoje (29/12), é sobre solidão. O repórter insiste. Não será sobre a luta de classes? Ele sorri e admite que quis fazer uma leitura política das relações entre Norte e Sul tomando por base o corpo humano.


 


Laurent Cantet esteve no Brasil, no ano passado. Veio mostrar Em Direção ao Sul no Festival do Rio. Em 1999, também esteve no Rio mostrando Sanguinaires, seu filme da série 2000 Vu par…, na qual diretores de todos os mundo projetaram visões pessimistas sobre o futuro da humanidade, no limiar do terceiro milênio. O Primeiro Dia, de Walter Salles e Daniela Thomas, e O Buraco, de Tsai Ming-liang, integravam o mesmo projeto. Cantet confessava-se 'atordoado' com a beleza da cidade que é chamada de maravilhosa, mas também com a desigualdade social. Mesmo sem saber, dava razão ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que num velho sucesso cantava – “O Haiti/é aqui.”


 


Em Direção ao Sul é um exemplo de cinema político à européia. O cinema francês teve uma tradição, neste gênero de cinema, por volta de 1970, com os filmes de Costa-Gavras, por exemplo. A praia de Cantet é outra. Sua política passa pela cama. Não há nada de inocente nas imagens de uma mão branca de mulher percorrendo o corpo negro de um homem, ou na mão negra de um homem pousada sobre as nádegas brancas de uma mulher. Na história de Em Direção ao Sul, Charlotte Rampling – tinha de ser ela – integra esse grupo de coroas que busca um alívio para a solidão no Sul paradisíaco. O problema é que, desde a Bíblia, não existe paraíso sem serpente e a do filme chama-se violência social.


 


Charlotte interessa-se por este homem, negro, jovem e belo. Em princípio, ela parece cínica, em oposição a uma amiga de viagem, mais sensível à causa dos excluídos. Mas há uma inversão no filme e a cínica, afinal, será muito mais tocada pelos acontecimentos na ilha. É um tema recorrente no cinema de Cantet. Em Sanguinários, um grupo foge para passar o réveillon em outra ilha, na qual o prazer vira tragédia. Charlotte pode desfrutar os prazeres da carne na cabana, mas quando tenta levar o rapaz para o salão de jantar do hotel esbarra na intransigência das regras da casa. O gerente negro veta a entrada do amante, negro como ele. “Mas como eles são racistas!”, Charlotte observa. Do ponto de vista do gerente, há outra observação, igualmente interessante – “Meu avô tinha razão. Ele sempre dizia que os brancos são piores que macacos.”


 


Pode ser que a crítica social e política de Em Direção ao Sul seja tumultuada ou comprometida, pela beleza da paisagem e dos próprios corpos – como o desta menina, que a mãe oferece ao turista, ao chegar no aeroporto. A idéia do filme sobre turismo sexual pode vir daí. Mas o ponto de vista de Cantet não pode ser ignorado. Em Ressources Humaines, ele já falou de pai e filho, um velho ativista do movimento sindical e o garoto que não lhe segue os passos e só pensa nas benesses do consumo na sociedade globalizada. Cantet sabe que a verdadeira discussão política de hoje se refere à alienação. No fundo, mais do que de solidão e luta de classes, é disso que Em Direção ao Sul fala.