Diretor do Diap destaca “legado positivo” da atual legislatura
Escondida sob a névoa produzida pelos escândalos que detonaram o atual Congresso, uma série de matérias aprovadas pelos parlamentares nos últimos quatro anos revela que, apesar da crise ética, a atual legislatura não deixou apenas um legado negativo. E
Publicado 02/01/2007 20:34
Além do saldo legislativo, Toninho acredita que escândalos como o do mensalão e dos sanguessugas e o aumento abusivo dos salários dos parlamentares também produziram outros dois fatores positivos: aumentaram a vigilância da sociedade sobre o parlamento e criaram, em conseqüência, um ambiente menos favorável para a repetição dessas práticas na próxima legislatura. Nesta entrevista ao site “Congresso em Foco”, o analista político afirma que acabou o apoio popular aos políticos do slogan “rouba, mas faz”.
“É uma legislatura que termina com a pior avaliação possível. Essa avaliação não se dá em função das políticas públicas votadas, mas em razão da percepção da população sobre o parlamento, que teve mais de 20% dos seus integrantes envolvidos com algum tipo de ilegalidade. A próxima legislatura, embora tenha algum parlamentar com esse perfil ético, não terá ambiente para tal. Quem tentar vai se dar mal. A população não aceita mais isso.”
Além de produzir escândalos em larga escala, a atual legislatura também deve ser reconhecida por ter aprovado medidas que podem fortalecer setores essenciais do país, observa Toninho. “O Congresso não foi julgado pela produção legislativa que fez, apesar da crise, mas pela percepção que a população teve dos desvios de condutas. Foram aprovadas nesta legislatura leis da maior importância”, diz.
Entre elas, o diretor do Diap cita a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, a reforma do Judiciário, o fundo para a educação básica (Fundeb), a nova Lei de Falências, o marco regulatório do saneamento, as parcerias público-privadas (PPPs).
Governadores em alta
A crise que invadiu o Congresso deverá mudar o cenário político nos próximos anos. Para Toninho, os governadores ganharam muito mais prestígio e importância nas articulações para aprovação da agenda do governo.
“Com a crise política no Congresso, os governadores que antes se apresentavam como atores secundários, ganham uma posição muito grande. O Congresso está muito desgastado e tem que ter alguém para fazer essa interlocução”, avalia. Segundo ele, a proximidade do presidente Lula com os governadores deverá facilitar a governabilidade, pelo menos nos dois primeiros anos do segundo mandato.
Na avaliação do analista, Lula terá um cenário muito favorável para iniciar a próxima gestão. Uma das vantagens é a construção do governo de coalizão com partidos que foram, no passado, da oposição. A conquista do apoio do PMDB é um dos principais trunfos do presidente. A legenda será fundamental para aprovação de importantes reformas.
Fatores decisivos
Para Toninho, Lula conseguirá governar com mais tranqüilidade, “desde que ele acerte três coisas: monte uma equipe ministerial que seja tecnicamente preparada, politicamente respaldada e eticamente inatacável; forme uma coalizão consistente que envolva os governadores, e eleja os presidentes da Câmara e do Senado. Se errar em qualquer um desses três pontos, vai ter dificuldades na aprovação da agenda do governo e problemas gerenciais”.
Na disputa pela presidência das Casas, Toninho acredita que o Senado deverá ficar realmente com o PMDB. Mas a Câmara possivelmente será comandada por um deputado de outro partido da base aliada. “Da base, o nome mais consistente é mesmo do [Arlindo] Chinaglia (PT). No PCdoB o nome de peso é do Aldo. Só um desses vai disputar em Plenário. Não se sabe ainda qual. Vai depender do entendimento com o PMDB, que é o partido que vai bater o martelo”, arrisca.
Leia abaixo, trechos da entrevista:
Este ano foi atípico no Congresso por causa das eleições, uma vez que os parlamentares fizeram o chamado “recesso branco”. Apesar dos escândalos, os parlamentares aprovaram projetos importantes como o Fundeb e a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. Como você avalia o Congresso em 2006?
Congresso em Foco – O ano de 2006 foi absolutamente atípico porque o primeiro semestre foi todo tomado pela crise política. Além disso, houve uma eleição no segundo semestre, que praticamente paralisou o processo legislativo no Congresso Nacional. Apesar disso, a Câmara e o Senado, nas poucas vezes que se reuniram, conseguiram aprovar as principais pendências da legislatura anterior. Aprovaram a LDO, o orçamento, a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, o Fundeb, a lei geral do saneamento, e outras matérias menos relevantes que bloquearam a pauta nesse período. Ficaram pendentes para o próximo ano muito poucas matérias desta legislatura, como a Super-Receita – porque não houve acordo na Câmara para concluir a votação – e a Lei do Gás. No mais, em quase todos os outros pontos houve votação conclusiva.
Apesar da crise política e da eleição, este foi um ano produtivo?
É, apesar dessas coisas, foi o ano que se conseguiu aprovar algumas matérias muito relevantes da atual legislatura. Foi um ano também de muita articulação política para as bases do segundo mandato. Nós viemos de uma eleição presidencial que, do ponto de vista econômico, não há precedente na história do país. Um presidente vai assumir com relativa tranqüilidade. Mesmo o Fernando Henrique, no segundo mandato, teve um problema de crise cambial gravíssimo, tanto que, antes mesmo da posse, teve de tomar medidas drásticas. No caso do presidente Lula, ele tem dois desafios pela frente. O primeiro é de natureza gerencial. Há gargalos ainda pendentes e, se não conseguir destravar esses gargalos, dificilmente vai conseguir fazer com que o país cresça na dimensão esperada.
Esses gargalos estão na área econômica ou na área política?
Estão basicamente na gerência de infra-estrutura do país. Há uma série de pendências que têm relação com outras políticas que envolvem a equipe econômica, mas o ponto central é de natureza gerencial e está vinculado às questões da área de infra-estrutura. Por exemplo, há uma série de matérias na área de meio ambiente com pendências que não têm uma relação direta com a legislação ambiental. Mas há incapacidade ou falta de unidade do governo para decidir a respeito. Se isso vai ser possível ou não, é outra questão, mas tem pelo menos que decidir e não ficar segurando eternamente. Houve agora recentemente a aprovação de uma matéria extremamente polêmica nessa área, que foi a questão dos transgênicos. É uma MP que tem problemas graves. Mas houve avanço significativo. A lei das florestas foi aprovada, uma série de outras medidas importantes caminhou, mas a área ambiental tem esse problema de agilidade na tomada de decisão. Isso tem, em grande medida, atrasado alguns investimentos.
Qual o outro desafio de Lula?
O segundo aspecto é de natureza política. Da base de sustentação. Para isso, o governo vai precisar ter uma interlocução muito forte com os partidos da base e uma participação significativa dos governadores nesse processo.
O presidente está tentando atrair diversos partidos como PDT e PMDB. Como vai ficar o governo de coalizão?
Se, de um lado, o governo de coalizão dá tranqüilidade para aquilo que houver acordo andar, de outro, é um processo muito penoso, que exige muita negociação, muita capacidade de articulação e coordenação. De qualquer maneira, existe a garantia de que aquilo que for acordado será respeitado pela base de sustentação. Um outro dado relevante nesse processo, que facilita a vida do governo, é o fato de que na eleição presidencial não houve muita divergência entre oposição e situação. Os dois principais candidatos tinham concordância em relação ao crescimento econômico e à necessidade de se fazer algumas mudanças. A população referendou isso. A manutenção e ampliação dos programas de distribuição de renda, a redução da carga tributária e a responsabilidade fiscal para que os três pilares permaneçam conduzindo a orientação econômica.
Quais são esses pilares?
São as três condições para o crescimento sustentável: a inflação sob controle; câmbio com bandas, mas trabalhando na perspectiva do equilíbrio; e redução da carga tributária. Além de continuidade da redução dos juros. Isso a população parece ter referendado durante a campanha. Não houve debate sobre reforma da previdência; portanto, acho muito difícil que essa matéria faça parte da pauta do governo. As reformas estariam limitadas a três: a política, a sindical – com um aspecto ou outro da trabalhista –, e a fiscal, com perda da receita e da despesa. A parte tributária, na minha avaliação, é o ponto mais difícil para o governo operacionalizar, apesar de que ele terá condições favoráveis na nova legislatura. Uma vez que os governadores vão ter um papel decisivo nesse processo.
Qual será a participação dos governadores?
Eles estão interessados em pelo menos cinco medidas que partam do governo federal. E dessas cinco, o governo vai ter condições de atender duas ou três. A primeira é para renovar a DRU (Desvinculação de Receitas da União). Os governos estaduais querem criar uma espécie de DRE (Desvinculação de Receitas Estaduais) para permitir a livre movimentação das parcelas dos recursos. O segundo aspecto é a redução da margem de endividamento dos estados, que o mínimo hoje é de 13% e o máximo, se não me engano, de 22%. É uma margem muito grande que os governadores trabalham para reduzir. O terceiro aspecto diz respeito ao aumento da participação dos recursos federais nos fundos de participação dos estados e municípios. O quarto seria a ampliação da participação dos estados nos recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Se não me engano, hoje é partilhado com os estados em torno de 29%. Uma outra reivindicação dos governadores, especialmente dos estados exportadores, é a ampliação dos recursos ou dos fundos vinculados à Lei Kandir – compensação pela perda de receitas em função das exportações. Por último, uma outra possibilidade que se cogita, mas acho essa muito remota, seria uma espécie de participação dos estados na CPMF. Isso, se houver, não será diretamente na receita da CPMF, mas seria na ampliação do fundo de participação dos estados.
Quais são as vantagens do governo ao atender as reivindicações dos governadores?
As vantagens são basicamente as seguintes: o governo vai contar com a coalizão que certamente lhe dará apoio para aprovar a agenda. Em segundo lugar, os governadores da oposição que vão pesar mesmo são os do PSDB. O PFL elegeu só um governador, no Distrito Federal, que depende excessivamente do governo federal e não vai criar maiores problemas, além de não ter vínculos históricos com o PFL, que é o deputado José Roberto Arruda. Com os tucanos sim, o governo poderia ter problema. Mas quando a gente decompõe a situação do PSDB no plano dos governos estaduais, percebe que os dois principais estados, São Paulo e Minas Gerais, são governados por dois políticos que querem que o país esteja saneado em 2010. Até porque aspiram a disputar a presidência da República. Além disso, são pessoas de diálogo e não vão fazer oposição ostensiva, pelo menos nos dois primeiros anos. Dos outros quatro estados, dos seis do PSDB, um fica na região Norte, sem nenhuma influência na composição estadual, que é Roraima. Os outros três, que poderiam fazer oposição ostensiva, são Rio Grande do Sul, Alagoas e Paraíba. Coincidentemente são os três estados mais endividados do país. Eles vão precisar muito do governo para renegociar as dívidas e repactuar uma série de medidas do governo federal, no modo que possam ter êxito nos seus governos. Então o presidente, do ponto de vista dos governadores, terá uma posição razoavelmente confortável.
Existem outras vantagens?
Outras vantagens são os apoios nas reformas que dependem de emenda da constituição: política, sindical e fiscal. O mais complicado de todos vais ser a tributária e fiscal. A CPMF e a DRU vencem no final do ano que vem e sem esses dois mecanismos – um significa receita concreta com entrada de recursos, e o outro significa possibilidade de governança – ninguém governaria o país.
Essa importância dos governadores na articulação política não era tão forte no passado. Por qual razão eles estão ganhando tanta força?
É verdade. O grande problema é que com a crise política no Congresso, os governadores que antes se apresentavam como atores secundários, ganham uma posição muito grande. O Congresso está muito desgastado e tem que ter alguém para fazer essa interlocução. O segundo aspecto é que a agenda de reforma vai passar pelo diálogo com os governos estaduais na medida em que muitos deles estão numa situação pré-fragmentar. Ou o governo revê e repactua as dívidas ou cria mecanismos de compensação. Então há esses dois aspectos: a deslegitimação do Congresso, e a agenda direta com os governos estaduais. Toda a interlocução política está com o presidente da República e ele vai preferir fazer diretamente com os principais partidos e, quando isso não for possível, envolver os governadores.
O PMDB sempre teve muita importância devido o tamanho da sua bancada e sua história. Apesar disso, carrega a fama de ser um partido dividido. Uma parte geralmente apóia o governo e outra a oposição. Você acha que desta vez o PMDB se une?
Esse é um dado interessante a ser identificado. Mesmo com a postura de independência em relação ao governo no período anterior à sua entrada na base de sustentação, foi o PMDB que garantiu a aprovação das reformas do presidente Lula. Fica a impressão de que o PMDB sempre foi profundamente dividido, mas o índice de divergência dentro do partido ficou no patamar de 20% em relação à orientação da liderança. O que significa dizer que ele agiu mais ou menos unido em torno das matérias programáticas sob as quais houve negociação. Desta vez, a tendência é que haja uma maior unidade porque o setor que faria oposição ao governo participou de um processo de aproximação muito grande. Por exemplo, o [deputado] Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) era um dos líderes da ala oposicionista e hoje está mais próximo do governo do que nunca. O [senador eleito] Jarbas Vasconcelos (PE), que fez oposição, é um político que sempre se pautou pela ética da responsabilidade e não vai entrar em nenhuma aventura para inviabilizar o governo do presidente Lula. A disposição de efetivamente fazer um governo de coalizão, em que se entregue de porteira fechada a responsabilidade em relação ao resultado, dá a segurança para que a margem de divergência de 20% se reduza. Acho que a entrada do PMDB no governo com a negociação feita desde cedo vai ser com unidade. O custo disso provavelmente será elevado, mas este é o preço que o presidente vai ter que pagar para contar com um grande partido na sua base de sustentação.
Qual é o custo do apoio peemedebista?
Esse custo passa necessariamente por compromissos em relação a cargos, entregar os ministérios com porteira fechada. Naturalmente o presidente vai exigir qualidade técnica para que se cumpra a coalizão programada. Também vai passar pela negociação do conteúdo da política pública. O presidente, que antes não dava satisfação a ninguém, vai ter de conversar previamente antes de encaminhar as matérias. A liberação dos recursos do orçamento vai precisar estar em sintonia com o programa de governo e também não há mais ambiente político para distribuir cargos sem a devida capacitação dos seus ocupantes. Não dá para distribuir recursos de forma desordenada porque ficou evidente que isso levou a desvio de conduta, levou a roubalheira mesmo e a crises de razão de incompetências e vaidades. Agora vai ter que lidar com muita responsabilidade com esses temas porque a sociedade vai fiscalizar e não vai permitir que se repitam as bandalheiras que aconteceram na legislatura passada.
Você acredita que a união do PMDB com o governo irá viabilizar as reformas? Há muito se fala na importância de aprová-las, principalmente a reforma política, que foi tão divulgada durante as campanhas eleitorais. Havia um consenso sobre essa necessidade, mas depois da eleição parece que o tema foi esquecido.
É verdade. A reforma política é um tema sempre recorrente e muito polêmico. Há um consenso sobre a necessidade da reforma, porque as pessoas identificam nela a solução para os problemas, mas não há nenhum acordo sobre o conteúdo. Ela prejudica os interesses de médios e pequenos partidos. Qualquer que seja o formato desenhado, os grandes vão querer um tratamento diferenciado em relação aos pequenos. Especialmente no que diz respeito ao direito de antena, ou seja, ao espaço no horário eleitoral gratuito, e em relação aos recursos do fundo partidário. Isso vai ser uma polêmica eterna. Muito provavelmente a reforma vai sair porque. ao contrário do que se imagina, a derrubada pelo Supremo [Tribunal Federal] da cláusula de barreira não é um elemento que desestimula a reforma, mas dá gás porque os grandes poderiam se acomodar em razão do fato de já ter se beneficiado por essas regras de antena e fundo partidário. Como isso, voltou-se à estaca zero. As lideranças vão ter que fazer um esforço muito grande. E dessa vez conta com a ação do governo federal, que nunca entrou nessa disputa. Uma possibilidade concreta é que haja o fim das coligações nas eleições proporcionais, mas que se admita em contrapartida a federação dos partidos, como uma forma de preservar os ideológicos. Como a federação de partidos tem como pressuposto a vinculação orgânica de pelo menos três anos, você elimina aquele inconveniente próprio dos partidos de aluguéis que fazem um acordo só para ganhar a eleição, depois já se vende para outro. Também deve vir a lista fechada, mas com a possibilidade da federalização. Ainda pode ser que seja aprovado o financiamento público de campanha…
Que foi um dos grandes temas da última eleição.
Enquanto houver financiamento privado no Brasil, vai haver corrupção. Vai haver uma relação promíscua como existe em qualquer lugar do mundo entre quem financia e quem é financiado. Uma decorrência da reforma será a fidelidade. Se houver um fechamento da lista, o mandato passa a ser do partido e não mais do candidato. Embora tenha o inconveniente de entregar a condução efetiva dos partidos aos caciques – caso os dirigentes não abrirem as decisões às convenções com as minorias dos partidos – os grandes partidos vão jogar todo seu peso para viabilizar a reforma e a sociedade está reivindicando isso. Pela primeira vez esse tema foi debatido na campanha eleitoral, e não tem motivo nenhum para ficar de fora das prioridades da agenda política.
Os políticos costumam trabalhar tranqüilamente durante a legislatura devido à falta de participação do eleitor. Mas os parlamentares tomaram um susto neste final de ano com a forte movimentação da população contra o reajuste salarial…
Boa parte dessa crise política e da imagem desgastada do Congresso decorreu em grande medida do erro das lideranças políticas e das direções das Casas. Colocaram algumas matérias em momentos completamente impróprios para o debate. Por exemplo, a idéia de reajustar em 91% a remuneração dos parlamentares, em momento que se buscavam centavos para atualizar o salário mínimo e com a imagem desgastada foi uma imprudência das maiores. Isso causou a indignação da população. O ideal nessa situação seria corrigir o salário dos parlamentares de acordo com a inflação e aí se estabeleceria de forma gradual a equiparação do valor do subsídio do ministro do Supremo, mas ao mesmo tempo reduzindo a verba indenizatória de tal modo que aconteça o mesmo que houve no Supremo, a adoção de uma parcela única.
A legislatura que terminou só fez trapalhada?
Esse Congresso atual, que é tão cobrado em relação a questão ética e moral, tomou algumas medidas importantes. Por exemplo, aprovou uma resolução proibindo que o parlamentar mude de partido tendo como motivação a disputa por determinado colegiado da casa. Se ele mudar, não vai fazer qualquer efeito para a disputa, porque o critério utilizado é o número de parlamentares que os partidos elegeram. Isso foi importante porque vai reduzir muito a migração partidária. Outra medida do atual Congresso foi de acabar com o jeton por ocasião de convocação extraordinária. Terceiro, reduziu o recesso parlamentar de modo significativo. Foram medidas importantes que não tiveram a menor repercussão exatamente em razão do modo pouco cuidadoso que as presidências da Mesa e as lideranças partidárias conduziram o processo. Isso vem lá de trás, da tentativa da reeleição do Sarney e do João Paulo Cunha, da parcela da crise de desorganização da base do governo, da eleição do Severino e da recondução dele na Câmara. Houve o próprio erro dos partidos de negociarem apoio em troca de dinheiro, o chamado mensalão. Agora o Congresso está numa situação complicadíssima. Não conseguiu aprovar o reajuste e o jogou para o ano que vem.
Muita gente diz que essa foi a pior legislatura que já houve no Congresso. Isso é verdade?
O problema é o seguinte. Do ponto de vista da percepção da população em relação ao parlamento, de fato essa foi uma das piores. Ela viu o parlamento de acordo com as informações que são passadas. E aí é importante saber que houve um trabalho importante da Polícia Federal, do Ministério Público e da CGU (Controladoria Geral da União) no sentido de que todas aquelas mazelas, que antes ocorriam por debaixo do pano, passaram a ser passadas para a opinião pública. Outro aspecto foram os erros nas conduções dos partidos com aquelas trapalhadas todas que geraram a crise política. Com isso a população teve essa imagem de trapalhões, mercenários, incompetentes, desvio de condutas e recursos públicos.
Existe uma visão mais positiva do parlamento?
O Congresso não foi julgado pela produção legislativa que fez apesar da crise, mas pela percepção que a população teve dos desvios de condutas. Foram aprovadas nessa legislatura leis da maior importância. Só para citar as emendas da Constituição aprovadas: a reforma do Judiciário, o Fundeb, a desconstitucionalização do sistema financeiro, a emenda da reforma tributária e da previdência do setor público. Matérias relevantes em nível constitucional. Outros pontos importantes que foram aprovados: Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, Lei de Falências, Lei da Parceria Público-privada (PPP), Lei dos Consórcios, Estatuto do Idoso, Lei de Biosegurança, Estatuto do Desarmamento. Há uma quantidade significativa de matérias aprovadas que contribuem para o fortalecimento das instituições, para que o país tenha crescimento sustentável e para fechar alguns ralos de desvio de recursos públicos. Uma série de medidas que não foram consideradas porque o apelo por ética da classe média, que é muito importante, se sobrepõe ao conteúdo das políticas públicas aprovadas. A classe média se indigna corretamente com o desvio de conduta e se tiver que expressar publicamente sua opinião, ela vai chamar atenção ao aspecto ético. Não aprova mais aquele “rouba, mas faz”.
Essa avaliação deve mudar a atuação dos parlamentares?
Acho que houve uma mudança cultural importante nesse período. Ficou evidente que a opinião pública cobra mais. Uma prova disso é que entre os chamados sanguessugas poucos renovaram seus mandatos. Houve mudança na legislação para acelerar os processos contra pessoas que tiveram desvio de conduta. Na próxima legislatura, esses organismos vão funcionar de forma mais consistentes de modo que a tendência é que haja mais fiscalização. O próximo Congresso é pouco diferente do atual do ponto de vista partidário, mas do ponto de vista ideológico é mais conservador. Liberal do ponto de vista econômico, mas conservador no social. Outro dado importante é que o padrão de comportamento da oposição não vai se alterar muito. Ela faz oposição ostensiva quando percebe que a política pública beneficia apenas o governo, com orientação mais populista à esquerda. Libera a bancada quando há coincidência de agenda, mas o custo da decisão é concentrado, ou seja, tem problemas com setores organizados. E apóia de modo ostensivo quando há coincidência plena de agenda. Com o comportamento da oposição se mantendo sempre nesses três tipos de orientação, os governadores serão acionados sempre que houver coincidência de agendas, mas com custos concentrados, para diluir esses custos e quando houver uma oposição mais populista.
O cenário é favorável ao governo Lula, então?
É uma oposição para ser, nos primeiros anos de mandato, confortável ao presidente da República. Desde que ele acerte três coisas: monte uma equipe ministerial que seja tecnicamente preparada, politicamente respaldada e eticamente inatacável; forme uma coalizão consistente que envolva os governadores; e eleja o presidente da Câmara e do Senado. Se errar em qualquer um desses três pontos, vai ter dificuldades na aprovação da agenda do governo e problemas gerenciais.
Dá para arriscar quem leva as presidências das Casas?
O PMDB com certeza não ficará com a presidência das duas. E vai ter que tomar uma decisão importante que é optar pelo Senado. Se fizer isso, tem todas as chances de eleger, mas, se quiser Câmara e Senado, corre o risco de ficar sem nenhuma. A tendência natural é que o PMDB fique com o Senado e, negociadamente, a Câmara fique com outros partidos da base. Por enquanto, tem dois nomes no páreo, do PT e do PCdoB. Não dá para antecipar qual dos dois leva, mas provavelmente ficará com um deles. Só que com o aprendizado que o governo já teve e com os candidatos que tem, leais à orientação de Lula, um apelo do presidente fará que qualquer um deles desista para ter candidato único.
Fonte: Congresso em Foco