Base de Guantânamo: Cinco anos no limbo

Ativistas, líderes religiosos, acadêmicos, militares e pessoas comuns de todo o mundo exigem o fechamento do centro de detenção de Guantânamo, na data em está completando cinco anos da chegada dos primeiros detidos à essa base militar dos Estados Unidos n


No centro, criado após a guerra do Afeganistão que seguiu aos atentados de 11 de setembro em Nova York e Washington, estão centenas de acusados de pertencerem aos grupos extremistas islâmicos Al Qaeda e Talibã, em um limbo legal. Os primeiros prisioneiros chegaram a Guantânamo no dia 11 de janeiro de 2002.



A grande maioria dos presos não tem acesso a advogados nem contato com suas famílias e carecem de acusação formal, salvo a de comissões militares que a organização de direitos humanos Anistia Internacional denominou de “paródia da justiça”. O ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que renunciou ao cargo em novembro, declarou em várias ocasiões que os presos em Guantânamo são “o pior do pior”. Entretanto, centenas de prisioneiros foram libertados porque o Departamento de Defesa concluiu que já não representavam uma ameaça para a segurança nacional. A prisão chegou a ter 773 detentos, e atualmente tem pouco mais de 400.



“Muitos dos presos afirmam que sofreram tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Três detentos morreram no campo, ao que parece por suicídio. Outros iniciaram prolongadas greves de fome, e continuam vivos porque os militares aplicando dolorosos métodos de alimentação forçada”, denunciou a Anistia, com sede em Londres. “Guantânamo é um símbolo de injustiça e abusos na ‘guerra contra o terror’ empreendida pelo governo norte-americano. Washington deve fechar este centro”, afirmou a organização.



Vítimas
Embora o exército dos Estados Unidos afirme que os presos em Guantânamo foram capturados “no campo de batalha” do Afeganistão e designados pelo governo de George W. Bush como “combatentes inimigos”, existem provas crescentes de que muitos foram vítimas do que se chama de “entrega extraordinária”, isto é, a captura e o envio de uma pessoa para um local onde se pratica a tortura.



O presidente Bush admitiu de forma implícita que alguns prisioneiros, inclusive 14 considerados “de alto valor” que tiveram um papel importante nos atentados de 11 de setembro e em outros atos terroristas, foram enviados a Guantânamo depois de longas detenções em prisões secretas da Agência Central de Inteligência (CIA) no Afeganistão, na Europa oriental e em outros lugares. Nenhum desses 14 foi julgado, embora dez tenham sido acusados.



Mary Shaw, da Anistia Internacional/Estados Unidos, afirmou que Washington “escolheu Guantânamo como sede deste centro de detenção para manter os presos fora do alcance dos direitos nacional e internacional. Os próprios tribunais do governo norte-americano determinaram que mais da metade dos detidos nunca cometeram atos hostis contra os Estados Unidos”, disse Shaw.



“E a maioria não foi capturada nos campos de batalha, mas entregue aos norte-americanos em troca de recompensas em dinheiro. Sem dúvida, esta prática de pagar recompensas pelos prisioneiros levou a erros. Entretanto, durante cinco anos o governo negou que estes homens têm o direito básico de contestar suas detenções”, acrescentou a representante da Anistia.



Divergências
Em janeiro de 2005, o jornal The New York Times informou que houve 350 incidentes de dano auto-infligido em 2003. Desse total, 120 foram tentativas de enforcamento. Além disso, 23 prisioneiros participaram de uma tentativa de suicídio coletivo. Bush declarou que queria fechar o centro de Guantânamo, mas o exército acaba de terminar a construção de novos blocos de celas. Um dos aspectos mais criticados em Guantânamo é o sistema criado pelo governo Bush para resolver casos individuais. O processo começou com a criação dos Tribunais para a Revisão do Estado dos Combatentes, em julho de 2004, mais de dois anos depois da detenção da maioria dos prisioneiros.



Os tribunais libertaram alguns. Em certos casos, concluíram que os presos tinham sido capturados por milícias afegãs ou guardas de fronteira do Paquistão e entregues em troca de recompensas, afirmaram funcionários da área de inteligência. Mas, o processo sofreu graves falhas, segundo especialistas legais civis e militares. Em lugar de advogados, militares de patente média ajudaram os presos a se prepararem para as audiências, e, além disso, os tribunais admitiram como prova informação obtida sob coerção.



Em meio a crescentes críticas internacionais, o governo dos Estados Unidos aprovou em maio de 2004 um sistema anual de liberdade sob palavra pelo qual uma Junta Administrativa de Revisão avaliava se um preso continuava representando uma ameaça ou tinha “valor de inteligência”. Mas, antes que essas audiências começassem, a Suprema Corte ordenou que o governo fizesse uma revisão da situação de todos os prisioneiros usando os grupos de especialistas previstos no regulamento do exército e nas convenções de Genebra.



As audiências de 2006 terminaram no mês passado. Mas, soube-se que a maioria dos presos passíveis de serem escolhidos para comparecer deixou de tentar essa oportunidade devido ao evidente vício no procedimento e à pressa para sua realização. No ano passado, a Suprema Corte também rejeitou a afirmação Bush de que sua autoridade de comandante em chefe lhe dava faculdades inerentes para criar comissões militares para julgar os presos de Guantânamo.



Em resposta a essa decisão do dia 29 de junho, o Congresso aprovou rapidamente a Lei de Comissões Militares dos Estados Unidos, de 2006, assinada por Bush em outubro, cujo propósito declarado é “facilitar o julgamento de terroristas e outros combatentes inimigos mediante julgamentos justos e completos por comissões militares, e para outros fins”. Por essa lei, o governo e o Congresso protegeram da justiça de forma retroativa os envolvidos nas detenções ilegais, torturas e entregas de pessoas. O governo Bush planeja julgar até 70 prisioneiros nessas comissões, mas, esse questionável processo ainda deixa de fora mais de 300 homens que permanecem detidos sem acusação.



Por William Fisher, da IPS