Preço do pedágio volta ao centro do debate sobre concessões

Arrecadação anual de pedágios chega a R$ 5 bilhões. Reajuste acima da inflação esquenta polêmica sobre o predomínio do interesse privado sobre o interesse público. Queda dos juros pode reduzir a taxa de retorno das empresas.
Por André Barrocal, da

Um grupo de trabalho do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) preparava-se para iniciar uma reunião sobre infra-estrutura (estradas, ferrovias, usinas de energia), nesta quinta-feira (11/1), quando o subprocurador da República Aurélio Veiga Virgílio Rios, que havia sido convidado, comentou com conselheiros, talvez sem saber que alguns jornalistas o ouviam: as empresas que administram rodovias privatizadas têm “lucros exorbitantes” só comparáveis aos do “tráfico internacional de drogas”.



Ele foi estimulado a fazer a comparação pelo anúncio de que o governo decidiu brecar o processo de privatização de sete rodovias federais, cuja licitação para entrega ao setor privado estava prestes a começar. Porta-voz da decisão, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não deu muitos detalhes, mas foi taxativa sobre um ponto. O preço do pedágio nas futuras estradas privatizadas – e, portanto, o lucro das empresas – foi determinante para o recuo.



Tanto a decisão do governo quanto a declaração do subprocurador jogam os holofotes sobre pedágio, rentabilidade das empresas que gerenciam rodovias e até mesmo os contratos de privatização assinados pelo governo federal e por seis estados que entregaram estradas à iniciativa privada.



Depois de quase uma década do início de privatização de estradas, a população parece ter se acostumado com a idéia de pagar tarifas em troca de boas condições. Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a satisfação dos usuários de rodovias privatizadas é bem maior do que com as públicas. As primeiras são consideradas ótimas ou boas por 80% dos motoristas e as outras, só por 17%.



A satisfação não impede, contudo, que técnicos e especialistas apontem o predomínio do interesse das empresas sobre o interesse público nos contratos de privatização. E, principalmente, o abuso na cobrança de pedágio, um negócio de mais de R$ 5 bilhões por ano, o equivalente a dois terços do tributo federal (Cide) destinado a melhorar as estradas.



Os pesquisadores Ricardo Pereira Soares e Carlos Álvares da Silva Campos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fizeram um estudo sobre as cinco rodovias federais privatizadas no governo Fernando Henrique. Segundo eles, de 1995 a 2005, o valor pedágio aumentou 40% acima da inflação oficial (IPCA) em quatro delas e 33% em uma. “É um fato inquestionável: subiu persistentemente além da inflação, o que ao longo do tempo penaliza o consumidor, porque a renda não cresce no mesmo nível”, diz Soares.



Os números da maior empresa gestora de estradas no Brasil, a Companhia de Concessões de Rodovias (CCR), que possui 41% do mercado, reforçam a suspeita de explosão tarifária e de que ter praças de pedágio é um negócio bastante rentável.



No fim de 1999, a CCR tinha cobrado de pedágio, em média, R$ 3 de cada veículo que circulou em seus domínios. No fim de 2005, foram R$ 6,6, 120% a mais. De 2000 a 2005, a inflação medida pelo índice mais alto (IGP-M) foi de 71% – a oficial (IPCA) ficou em 49%. No mesmo período, a economia cresceu 15 pontos percentuais. Ou seja, o faturamento da CCR com pedágio cresceu mais do que o Brasil e a inflação juntos.



Apesar dos números, a Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR) contesta o estudo do IPEA e nega que haja exorbitância na cobrança das tarifas. Diz que se cobra o justo, como previsto em contrato. E cita um outro estudo, feito há dois anos pela Fundação Instituto de Administração, que afirma que a sociedade tem um retorno financeiro 80% acima do que gasta com pedágio.



Mas o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) fez uma conta que relativiza as vantagens financeiras do pedágio. Numa viagem de São Paulo ao Guarujá (são 87 km), uma das principais cidades do litoral paulista, feita num carro a álcool, o gasto com pedágio e combustível quase empata – 45% a 55%. “Não dá para concluir que as privatizações trouxeram prejuízos ao consumidor, mas também não quer dizer que elas não têm problemas e que só o que foi privatizado é bom”, diz o gerente jurídico do IDEC, Marcos Diegues.



E mesmo quem não trafega pelas estradas sente os efeitos do pedágio. “Até o brasileiro que não tem carro e não viaja pelas rodovias acaba pagando pedágio, cujo valor fica embutido no feijão e no arroz que ele compra para alimentar a família”, afirma o vice-presidente regional da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, Valmor Weiss, no Paraná, segundo a agência de noticias do governo do Paraná.



Lei e contratos privilegiam empresas
A disparada do pedágio acima da inflação, dizem os estudiosos do IPEA, tem relação direta com os contratos e a forma com que a privatização ocorreu. Haveria problema no reajuste das tarifas ser feito com base na inflação mais alta (IGP-M), na falta de controle do fluxo de veículos pelo governo e no longo prazo dos contratos (25 anos), entre outras razões.



Em suma, dizem os pesquisadores, há uma aplicação desbalanceada da lei de concessões, base das privatizações e dos contratos. A lei tem dois capítulos que, em tese, deveriam equilibrar interesse público e privado. O primeiro diz respeito à “modicidade tarifária”, o que pode ser entendido como condições suportáveis pelos usuários. O segundo trata do “equilíbrio econômico-financeiro” das empresas, que pode ser traduzido por garantia de lucro. “Na prática, identificamos que os conceitos não estão no mesmo nível. Mas deveriam, têm a mesma importância”, afirma Soares.



O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que ajuda o Congresso e vigiar o governo federal, tem a mesma impressão. Técnicos do tribunal falam reservadamente sobre o assunto pois suas considerações poderiam ser interpretadas como tentativa de “quebra de contratos”, mas eles dizem que é preciso exatamente o contrário: cumprir a lei e observar o interesse dos consumidores tanto do setor privado.



Foi por este motivo que o TCU demorou para aprovar o modelo de privatização de rodovias proposto pelo governo Lula. O tribunal travou uma dura disputa com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), autora da proposta, porque queria reduzir ao máximo valor do pedágio. A idéia do governo era entregar a estrada para a empresa que oferecesse a menor tarifa de pedágio. No governo FHC, levou a rodovia quem pagou a maior quantia.



A mudança no critério de escolha do vencedor tornou o tema “pedágio” ainda mais importante na discussão sobre a segunda etapa de privatização de rodovias, agora paralisada. O valor inicial oferecido pelas empresas participantes do leilão serviria de ponto de partida para todos os reajustes futuros. Quanto maior agora, maior lá na frente.



Para calcular a tarifa que ofereceriam, as empresas usariam um percentual fixo de lucro que desejam, chamado de “taxa interna de retorno”, TIR. A TIR está prevista na lei de concessões e é calibrada em função do juro do Banco Central (BC). O governo FHC, que aprovou a atual lei de concessões, aceitou a TIR porque, com o juro alto do BC, só atrairia empresas para administrar estradas se assegurasse ganho parecido com o da especulação financeira.



Mas, com a queda do juro desde setembro de 2005 e a tendência de que continue a cair nos próximos, o governo decidiu rever a TIR prevista na privatização que suspendeu. “A queda da taxa de juros pode propiciar uma queda na taxa interna de retorno”, disse a ministra Dilma.



O presidente da ABCR, Moacyr Duarte, disse que concorda com a revisão da TIR, já que o juro está em queda, mas avisa: “Se não houver um retorno adequado, ninguém vai aplicar num projeto de risco, vai todo mundo para o mercado financeiro”.