Metroviários e engenheiros apontam conexão Bird-cratera

Dirigentes das duas categorias denunciam que contrato imposto pelo Banco Mundial privatiza atribuições do poder público. Companhia do Metrô deixa a maior parte da fiscalização da obra a cargo das empreiteiras.
Por Gilberto Maringoni, na Carta Maior

A Carta Maior ouviu Wagner Fajardo, presidente da Federação Nacional dos Metroviários, e Laerte Conceição Oliveira, diretor do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo e engenheiro de segurança da Companhia do Metropolitano de São Paulo. Eles fazem coro em uma coisa: modalidade de contrato deixa Metrô de fora da fiscalização detalhada das obras da Linha 4, onde ocorreu o desastre da semana anterior. A seguir, os principais trechos das entrevistas.



Wagner Fajardo, metroviário: “Há uma relação direta entre privatização e acidentes”



O contrato “turn key”



Chamamos de ‘porteira fechada’. O contrato não é conhecido. Pela Lei de Licitações, isso não poderia acontecer, pois o Metrô de São Paulo é uma empresa pública, que presta conta ao Tribunal de Contas. Teoricamente não haveria problemas para ele ser divulgado. O que deve impedir são questões de ordem política. Tudo indica que o contrato não estipula as regras do poder público para a supervisão geral da obra, pois há um padrão do Banco Mundial para essas situações. Ali não se fala nada sobre questões de segurança, como também não há nada na Lei das Licitações. Só são arroladas questões de ordem fiscal, para se garantir que o erário público não seja lesado”.



O que mudou com a nova modalidade



“Antes da modalidade “turn key”, quem especificava tudo era a Companhia do Metrô. Era uma supervisão detalhada, que definia quanto iria de concreto, como seria a escavação, quais os materiais e os métodos construtivos etc. As empreiteiras têm a tecnologia, mas não podem fiscalizar o que elas próprias fazem. O problema dos governos Covas e Alckmin é terem aberto mão disso. Com o acidente, o que fica em xeque é o nome do Metrô, uma empresa estatal de excelência. As pessoas não dizem que o Consórcio Via Amarela tem problemas, dizem “o Metrô tem problemas’”.



Que contrato é este?“



O contrato foi redigido para se adequar às regras do Banco Mundial e do GBIC, banco japonês. Ambos financiaram a obra, pois o governo do Estado havia esgotado sua capacidade obter empréstimos junto ao BNDES, muito em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com as normas dessas duas instituições financeiras internacionais, houve literalmente uma intervenção na gestão pública estadual para a aceitação deste contrato. A partir dos anos 1990, o Banco Mundial veio com uma série de regras, como a exigência de se realizarem concessões para os projetos financiados por ele. Ou seja, queria a privatização para emprestar dinheiro. Um governo pode aceitar ou não. Aqui se mostra o espírito imperante durante o governo FHC: o Banco Mundial falava e eles acatavam”.



Acidentes e privatização



“Há uma relação muito grande entre acidentes e privatização. A incidência aumentou muito no Rio de Janeiro, após a concessão das operações. Aqui, precisamos desenterrar os subterrâneos da Linha 4. Para isso, pedimos para o Secretário de Transportes paralisar a obra, até que se conclua a vistoria. É preciso ter certeza de que não ocorrerá outro acidente com as obras desse consórcio, que faz tudo, do projeto à fiscalização”.



O que querem os metroviários?



“O Estadão bateu em nós, dizendo que estávamos ideologizando a questão. Nada disso. Estamos defendendo que a empresa pública Metrô é mais eficiente que as empresas privadas. Em 30 anos de trabalhos, o Metrô nunca causou um acidente dessa natureza. Na primeira vez que a empresa privada se responsabiliza, acontecem este e outros acidentes.



Apelo ao governador José Serra para que reveja este processo. O Metrô precisa ser elemento determinante na fiscalização das obras e o principal gerenciador. Este contrato ‘turn key’ lesa o governo do Estado e a Companhia do Metropolitano de São Paulo. É preciso romper com este processo privatizante”.



Laerte Oliveira, engenheiro: “Contrato é exigência do Banco Mundial”



Diferença com obras anteriores



“O diferencial básico entre as linhas anteriores e a Linha 4 do Metrô é a modalidade de contratação da obra e como o corpo técnico da estatal atua. O contrato ‘turn key’ é uma exigência do Banco Mundial, sob a alegação de redução de custos e agilidade nas obras. O corpo técnico do Metrô fiscaliza o cronograma e se responsabiliza pelo projeto básico. Antes, não: o Metrô contratava desde o projeto básico até o final. Às vezes a empresa privada toma determinada decisão e o Metrô só fica sabendo depois. Por um lado, isso de fato agiliza o processo e não faz com que sejam adicionados custos em cada etapa. Mas agora, a empresa reduz os custos sem a devida fiscalização”.



O que querem



“Não defendemos que a obra pare, defendemos que ela seja devidamente fiscalizada. Para isso, o Metrô tem de ser reestruturado. A área de fiscalização foi reduzida ao longo dos últimos anos. Em 2003 houve um Programa de Demissão Voluntária (PDV), no qual saíram 73 engenheiros. Várias áreas sofreram com isso, como a de gerenciamento e construção civil. Estas áreas podem ser reativadas se o governo decidir”.