Lula: redução da maioridade não resolve problema

Lula considerou uma 'barbaridade' a morte de menino no Rio de Janeiro.
Para ele, problema é familiar e de valores.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta sexta-feira (9) que considera uma ''barbaridade'' a morte do menino João Hélio Vietes, de seis anos, arrastado por um carro por quinze minutos no Rio de Janeiro e que não acredita que a redução da maioridade penal possa resolver o problema do crime no país.


 


Segundo o presidente, não adianta reduzir a maioridade penal – embora pelo menos um menor é suspeito de participar do crime – porque, para ele, o problema se refere a valores pessoais. ''Isso (redução da maioridade) não resolve o problema. É preciso rediscutir valores humanos para saber onde erramos, em que momento erramos e o que precisamos fazer'', disse Lula durante cerimônia sobre o combate à exploração infantil em Salvador.


 


''Nós corremos (com a redução) o risco de absolver o estado que, ao longo das últimas décadas, é responsável por essa geração de jovens empobrecidos e desesperançados. Corremos o risco de absolver o estado e condenar os jovens por culpa do estado brasileiro'', ressaltou.


 


Para Lula, a forma como morreu o menino é incompreensível. ''Todos nós estamos barbarizados, indignados com a cena que assistimos. Do ponto de vista da reação do ser humano, não há outra percepção de que isso não seja um gesto de barbaridade. Não cabe na compreensão da mente'', afirmou.


 


Na avaliação dele, um crime como esse não ocorre apenas por problemas sociais, mas, principalmente, familiares. ''No Brasil, reduzimos a violência à pobreza. Será que é só questão social o tamanho de tanta barbaridade? Esse conjunto de barbaridades, não'', disse.


 


''Não é um problema de classe social, mas da humanidade. Se a gente não recuperar uma instituição chamada familia brasileira, esse tipo de comportamento adentra a classe pobre, média e rica. Adentra aos letrados e aos não letrados. Aos religiosos e aos não religiosos. Aos cristãos e aos ateus. É um problema que o estado sozinho jamais vai resolver se não houver compromisso da sociedade brasileira'', afirmou Lula.


 


O presidente disse ainda que o estado precisa ter ''equilíbrio'' para tratar o tema. ''O estado não pode agir emocionalmente. Tem que ter equilíbrio, de não permitir que as distorções prejudiquem A ou B. A sociedade brasileira só acertará na decisão se tiver prudência na discussão desse assunto''.


 


Fonte: G1


 


Confira abaixo a íntegra do pronunciamento do presidente:


 


Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na cerimônia de lançamento da campanha “Unidos contra a exploração sexual de crianças e adolescentes – Entre para este bloco”
Salvador – BA, 09 de fevereiro de 2007


 




Meu querido companheiro Jaques Wagner, governador do estado da Bahia, e sua companheira, Maria de Fátima Mendonça,
 Minha querida companheira Marisa,
 Nossa ministra Dilma Rousseff, ministra de Estado chefe da Casa Civil da Presidência da República,
 Meu companheiro Walfrido dos Mares Guia, ministro de Estado do Turismo,
 Nosso querido companheiro Paulo Vannuchi, secretário especial dos Direitos Humanos,
 Meus queridos companheiros ministros: Waldir Pires, da Defesa; Celso Amorim, das Relações Exteriores; Paulo Sérgio Passos, dos Transportes; Silas Rondeau, de Minas e Energia; e Paulo Bernardo, do Planejamento que, como não veio de gravata, está lá atrás; porque não veio de gravata, então vai sentar na segunda fila,
 Minha companheira Nilcéa Freire, secretária especial de Políticas para as Mulheres,
 Nosso querido companheiro Tarso Genro, da Secretaria de Relações Institucionais,
 Nossa querida Matilde Ribeiro, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial,
 Nosso querido companheiro Dulci, secretário-geral da Presidência da República,
 Nossos queridos governadores Wellington Dias, do Piauí,
 Ana Júlia Carepa, do Pará,
 Marcelo Déda, de Sergipe,
 Nosso companheiro Binho Marques, do Acre,
 Nossa querida senadora Ideli Salvatti, líder do PT,
 Senador Eduardo Suplicy,
 Meus queridos companheiros deputados federais e deputadas: Maria do Rosário, Lídice da Mata, Luiz Bassuma, Nelson Pelegrino, Alice Portugal, Luiz Alberto, Geraldo Magela, Virgílio Guimarães,
 Nosso querido João Henrique Carneiro, prefeito de Salvaldor, por meio de quem quero cumprimentar todas as lideranças políticas locais,
 Meu querido companheiro Fernando Pimentel, prefeito de Belo Horizonte,
 Nossa querida Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo,
 Nosso queiro companheiro Waldemar Oliveira, coordenador do Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual Contra as Crianças  e Adolescentes,
 Meus amigos,
 Minhas amigas,


 



O enfrentamento de todo e qualquer tipo de violência sexual contra crianças e adolescentes sempre foi e continuará sendo uma prioridade deste governo, definida já na primeira reunião ministerial, no nosso primeiro mandato, em janeiro de 2003.
A partir da definição dessa prioridade foi criada a Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, integrada por representantes do governo federal, Parlamento, sociedade civil e organismos internacionais, entre outros.


 



Assim fizemos porque esta não é e não pode ser a luta apenas deste ou daquele governo, deste ou daquele setor. É a luta de um país inteiro, que não tolera mais ter parte de sua infância perdida e de seu futuro roubado. Trata-se de um problema complexo, de difícil enfrentamento, acobertado muitas vezes pelo silêncio das vítimas. Mas isso não nos faz desanimar. Governo e sociedade como um todo precisam ser, cada vez mais, a voz dessas crianças que a violência busca calar.


 



Nesses últimos anos, registramos muitas conquistas e avanços, como o fortalecimento de redes de combate à exploração sexual nos estados e municípios. Mas os desafios ainda são enormes e precisam ser enfrentados com a união de todas as forças.
Estudos realizados pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos identificaram mais de 90 municípios brasileiros onde esse crime é praticado. Esse estudo é utilizado para subsidiar a elaboração de políticas públicas, que englobam ações dos Ministérios da Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Justiça, Turismo e Transportes, além da nossa sempre combativa Secretaria Especial dos Direitos Humanos.


 



O Disque-Denúncia, coordenado pela Secretaria e patrocinado pela Petrobras, também sinaliza a gravidade do problema. De 2003, quando o serviço passou a ser coordenado pelo governo federal, até janeiro deste ano, foram recebidas quase 29 mil denúncias em todo o País.


 



Em 2006, o Disque-Denúncia foi transferido para um número de utilidade pública, o número 100, de fácil acesso e memorização. Com isso, o volume de denúncias triplicou, chegando à média de 44 denúncias por dia.


 



A Polícia Rodoviária Federal também realizou um mapeamento dos pontos vulneráveis à exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias federais. O primeiro levantamento de 2005 detectou cerca de 800 pontos. A versão revisada, de 2006, diagnosticou 1.200 pontos, entre postos de gasolina, hotéis, bares e casas noturnas, entre outros. Desde então, a Polícia Rodoviária Federal vem realizando constantes ações de fiscalização nesses pontos vulneráveis, além de blitzs-cidadãs, com o objetivo de sensibilizar e mobilizar motoristas para a importância de proteger crianças e adolescentes contra a exploração sexual.


 



Meus companheiros e minhas companheiras.


 



Repito que esta luta é de todos. E o governo federal está e continuará fazendo a sua parte. Implantamos o projeto “Escola que Protege”, que capacita profissionais de educação para abordagem adequada em casos de violência física e psicológica, negligência, abandono, abuso sexual, exploração do trabalho infantil e exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. O “Escola que Protege” está implantado em 84 municípios de 17 unidades da Federação. No módulo à distância, foram capacitados 4.500 professores e conselheiros tutelares.


 



Criamos, também, a Ficha de Notificação Compulsória de Violência. Profissionais de Saúde do SUS foram capacitados e mobilizados para o enfrentamento do problema, e estão obrigados a informar à polícia toda vez que atenderem uma criança ou adolescente vítima de violência sexual.


 



 A cobertura do Sentinela – Serviço Especializado e Continuado de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes –, por sua vez, já atinge mais de 1.100 municípios. São ações assistenciais especializadas e multiprofissionais que hoje chegam a mais de 50 mil pessoas, entre crianças, adolescentes e famílias, com atendimento psicossocial e jurídico. Além disso, estabelecemos convênios com 11 universidades de estados para articulação de redes de enfrentamento, envolvendo a sociedade civil organizada, realização de estudos acadêmicos, pesquisas, capacitação de profissionais de diversas áreas e maior sensibilização da mídia para o tema.


 



 O governo federal criou, ainda, o programa Turismo Sustentável e Infância, que trabalha com a sensibilização e capacitação de todo o setor. Mais de 40 mil profissionais de turismo já foram conscientizados para o seguinte fato: o Brasil é um dos mais belos países do mundo e tem uma cultura multirracial rica e diversificada e, por essas e outras razões, está cada vez mais capacitado a recepcionar turistas. Mas, parte de nossas crianças e adolescentes, em especial as mais pobres, não podem continuar vulneráveis. Não são mercadoria e não podem ser tratadas como tal. São, sim, o nosso amanhã.


 



 Minhas amigas e meus amigos.


 



 Esta luta nasceu na sociedade civil e não podemos deixar de reconhecer a bravura com que ela sempre a conduziu, e continua conduzindo, agora em parceria com os três Poderes da República. O combate envolve o Executivo, nos níveis federal, estadual e municipal; o Judiciário, a quem cabe responsabilizar os culpados; e o Legislativo, que precisa providenciar as mudanças necessárias na legislação para que tais crimes não fiquem impunes.


 



Podemos afirmar que esta é hoje uma pauta da nação brasileira, que está unida e decidida a não permitir que a exploração sexual de crianças e adolescentes continue a ser uma chaga no nosso País. Cada vez mais, cidadãos e cidadãs conscientes se indignam e denunciam. Sabem que a responsabilidade pela proteção da nossa infância e do nosso futuro está nas nossas mãos e está nas mãos de todos. Está nas mãos de cada um de nós.


 



 Meus companheiros e minhas companheiras.


 



Eu pensei que fosse economizar tempo lendo o meu discurso porque eu tinha um improviso para fazer, mas o farei agora.


 



 Nós estamos diante de um fato muito mais grave do que a mente humana tem capacidade de perceber. Nós estamos aqui discutindo o abuso sexual contra crianças e adolescentes, mas poderíamos estar discutindo a pedofilia, poderíamos estar discutindo a criminalidade entre os adolescentes, poderíamos estar discutindo o abuso dentro de casa em setores médios da sociedade, que muitas vezes não chega à imprensa, de padastros abusando de enteadas. Poderíamos discutir todos os temas que nós quiséssemos discutir, e iríamos chegar à conclusão de que o problema não é apenas mais uma lei, ou não é apenas mais um aumento de punidade.


 



Todos nós estamos barbarizados, indignados com a cena que assistimos ontem: jovens seqüestraram um carro no Rio de Janeiro, e uma criança foi arrastada amarrada no cinto de segurança e morreu. Do ponto de vista da reação do ser humano, não há outra percepção de que isso não seja um gesto de barbaridade, que não cabe na compreensão da mente de homens e mulheres sadios deste País. É de se perguntar: “o que leva um ser humano a praticar determinada atitude?”


 



Nos Estados Unidos, onde a distribuição de renda não é problema, jovens matam dezenas de jovens em uma escola. Na Rússia, onde a educação não é problema, jovens invadem escolas, seqüestram alunos, matam alunos. No Brasil, gente de classe média entra em cinema, atira e mata pessoas. E, muitas vezes, nós reduzimos toda essa violência apenas à pobreza neste País. Será que é apenas a questão social a razão de tamanha barbaridade? De um adulto praticar um crime sexual contra uma menina de 10 ou 15 anos, de 9 anos?


 



Um dia desses eu vi um documentário. Na Nicarágua, uma menina com menos de 10 anos de idade engravidou. E passou a ter uma discussão, na sociedade da Nicarágua, entre Igreja e sociedade civil, se seria contra ou a favor do aborto. A discussão clara é se uma menina de menos de 10 anos de idade poderia ter um filho, porque alguém achava que ela poderia.


 



Esse conjunto de barbaridades que envolve o comportamento humano hoje, nós não resolveremos aumentando a punição. Eu, às vezes, fico me perguntando: puxa vida, enquanto ser humano, eu posso reagir emocionalmente e posso fazer qualquer barbaridade contra quem pratica um crime, mas o Estado não pode agir emocionalmente. O Estado tem que agir, o Estado não pode ser emocional. O Estado tem que ter o equilíbrio de não permitir que as distorções emocionais prejudiquem A ou B. Nós estamos discutindo algo mais importante do que isso.


 



Nós estamos discutindo quase a recuperação do ser humano, os valores da família, os valores e as tradições que norteiam as famílias ao longo de séculos e séculos neste mundo, e hoje nós percebemos que é preciso encontrar algo mais do que uma lei, do que um policial ou do que a justiça.


 



É preciso rediscutir os valores humanos para saber em que momento erramos, onde erramos e o que precisamos fazer. Porque nós não podemos incorrer no erro de absolver o Estado brasileiro, tentando entender: “olha, nós poderemos diminuir a pena para os menores e está resolvido o problema”. Não está resolvido o problema.
Nós corremos o risco de absolver o Estado que, ao longo dessas últimas três ou quatro décadas, é responsável por essa geração de jovens empobrecidos, desesperançados. Nós corremos o risco de absolver o Estado e condenar esses jovens, por culpa do Estado brasileiro, por culpa da própria sociedade brasileira.
Não é um tema fácil. É um tema difícil porque envolve paixão e emoção, envolve o sentimento mais profundo da perda dos entes queridos, da perda de pais, mães, filhos, envolve muita coisa. Mas a sociedade brasileira só acertará na sua decisão se ela tiver prudência na discussão desse assunto, se tiver a responsabilidade de estudar, profundamente, o que leva um jovem de 17 anos a praticar uma barbaridade contra uma outra criança; o que leva um pai a fazer abuso sexual contra a filha; o que leva um adulto a pegar uma menina na estrada, num hotel, num motel, antes e depois do carnaval, e fazer o abuso. Isso não está no racional da humanidade e do mundo animal. Isso está no irracional do mundo animal e do mundo humano.


 



Eu não sei se a religião vai resolver. De uma coisa eu tenho certeza: se a gente não recuperar uma instituição chamada família brasileira, e cada pai e cada mãe assumir a responsabilidade primeira pela criação dos seus, pela educação dos seus, nós não teremos soluções fáceis para um assunto como esse. Porque esse comportamento adentra a classe pobre, a classe média e a classe rica. Ele adentra os letrados e os não letrados, os religiosos e os não religiosos, os cristãos e os ateus.


 



Portanto, o problema é muito mais profundo e é um problema que o Estado, sozinho, jamais irá conseguir resolver se não houver o compromisso da sociedade brasileira, de cada homem e de cada mulher, de que tudo começa dentro de casa, passa pela escola, passa pela oportunidade de emprego, passa pela conquista da cidadania e passa pela consolidação das instituições democráticas neste País.


 



Porém, meus companheiros e companheiras, nós não estamos diante de um pequeno problema. Estamos diante de um grande desafio que irá exigir dos grandes juristas, dos grandes políticos, dos homens da sociedade, pobre e rica, a determinação de que nós precisamos, primeiro, nos aprofundar em um diagnóstico para não errarmos na solução que queremos dar a esse problema.


 



Eu vejo, muitas vezes, nas notícias dos jornais: prende um adolescente, leva para a Febem, achando que vai recuperar esse adolescente. E ninguém nunca se preocupa em saber por que aquele adolescente virou delinqüente, como é a família daquele adolescente, como vivem o pai e a mãe, como é a relação dentro de casa, como é a situação da família, qual é a estrutura social daquela família.


 



Se nós não nos aprofundarmos nisso, nós iremos continuar tomando decisões irracionais, emocionais, e os problemas continuarão. E não é um problema do Brasil, não é um problema de um estado brasileiro, não é um problema de uma classe social, é um problema da Humanidade. Portanto, o nosso trabalho será muito maior. Podem ficar certos de que o nosso governo fará a sua parte.


 



Muito obrigado.