PC Português: Recuperar o tempo perdido em relação ao aborto

Em nota divulgada no último domingo, o Partido Comunista Português apela à Assembléia da República, o parlamento do país, que seja dada uma “rápida concretização” ao processo legislativo que deverá adotar as decisões “que respeitem integralmente o sent

“Com a compreensível satisfação de quem como nós, o PCP, se bate há mais anos por esta relevante causa e tem dado uma contribuição decisiva para o êxito desta luta, quero saudar esta importante vitória do Sim e o seu profundo significado.


 


A vitória do Sim constitui uma afirmação de valores progressistas e civilizacionais, uma manifestação de tolerância e de respeito pela convicção de cada um e de todos os portugueses, uma importante vitória da mulher e do direito à defesa da sua dignidade e saúde. A vitória do Sim afirma-se como um iniludível ato democrático e de liberdade, que honra os valores e patrimônio de Abril.


 


É agora tempo de, sem mais demoras, fazer respeitar e cumprir os resultados do referendo e a opinião expressa pelos portugueses e portuguesas. É tempo de todos e de cada um, daqueles que se pronunciaram e defenderam o Sim, assumirem sem hesitações as responsabilidades que decorrem deste resultado e de honrarem os compromissos assumidos.


 


Num momento em que o respeito pelos resultados obtidos se traduz na imperiosa e urgente necessidade de se concluir o processo legislativo iniciado na Assembleia da República, o PCP chama a atenção para as manobras e pressões que os partidários do Não, a pretexto do caráter não vinculativo do referendo (e contraditoriamente com tudo o que, em sentido inverso, argumentaram em 1998 para recusar a plena legitimidade do Parlamento na aprovação de uma lei de descriminalização) não deixarão de desenvolver, animados pelo longo percurso de cedências e vacilações, que o processo de descriminalização da interrupção voluntária da gravidez tem encontrado no campo dos que se pronunciam em sua defesa.


 



O PCP pronuncia-se assim pela rápida concretização do processo legislativo, que contribua para não prolongar o tempo perdido e para adoptar as decisões que respeitem integralmente o sentido e conteúdos do referendo e do seu resultado.


 



Num quadro em que a figura do referendo foi sucessivamente usada como instrumento para impedir e adiar a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, a vitória do Sim põe termo a um prolongado processo dilatório, e deixa sem pretextos o campo dos que, sempre com recurso a manobras artificiais, a tentaram impedir.


 



É assim absolutamente claro e inquestionável, e os cidadãos eleitores quiseram afirmá-lo, o poder que a Assembleia da República sempre teve para a resolução da questão e que a partir de agora sem rodeios deve assumir.


 



Alcançado que foi um resultado para o qual o PCP, em coerência com a sua luta de sempre se empenhou ativamente, é necessário deixar registada a comprovada inadequação do recurso à figura do referendo em matéria que a Assembleia da Republica não só podia, como devia, ter assumido.


 



Uma decisão que se traduziu não só em tempo perdido como numa oportunidade dada à direita para retomar, com um fôlego que havia perdido, o cortejo dos mais retrógrados argumentos e a exploração sem escrúpulos dos sentimentos morais e religiosos, que animaram na sociedade portuguesa clivagens e valores conservadores e reacionários, que a direita não deixará de utilizar no quadro da luta mais geral em torno dos direitos, das liberdades e do regime democrático.


 



Os expressivos resultados obtidos em zonas de maior influência do PCP, que neste momento já é possível conhecer, são expressão do empenhamento e da contribuição decisivos dados pela acção e campanha de informação e esclarecimento que o Partido desenvolveu.


 


Às organizações, aos militantes, simpatizantes e amigos do Partido, aos nossos aliados da CDU e a todos os que, genuína e sinceramente, se empenharam nesta luta, pondo acima dos seus interesses individuais ou de grupo o valor maior do respeito pela dignidade da mulher, quero deixar uma palavra de saudação e firme compromisso do PCP de prosseguir, sem hesitações, o percurso até à aprovação de um regime legal, compatível com os valores de democracia e liberdade, que defendemos e pelos quais lutamos.


 


A luta continua


 


Apesar da significativa diferença de votos que o “sim” obteve relativamente ao “não”, no referendo de domingo, a luta pela despenalização da IVG não pode ser dada como terminada.


 



Prova disso é o primeiro comentário do “não”, na própria noite do referendo, aos resultados que iam sendo divulgados e que apontavam já para a vitória clara do “sim”: davam continuidade à mentira e à manipulação, atribuindo a vitória à “liberalização do aborto”!


 



Aliás, a campanha desenvolvida pelos adeptos do “não” foi só uma pequena amostra do nível a que pode chegar a desinformação, manipulação e desvergonha (chame-se-lhe assim), dos que, afirmando respeitar a vida, todos os dias a desrespeitam. Dos meios a que vão seguramente continuar a recorrer para impedir, adiar, dificultar a concretização da vontade popular expressa no referendo, que apresentado até aqui como expoente máximo da democracia passará agora a ser desvalorizado.


 



A verdade é que essa gente, capaz de recorrer a métodos verdadeiramente “terroristas”, não está disposta a desarmar e vai continuar hipocritamente a acenar a bandeira da “vida”, indiferente à morte ou humilhação das mulheres. Particularmente se continuarem a contar com a conivência dos sectores mais retrógrados da nossa sociedade e com a política de direita do PS, que no Sector da Saúde se tem traduzido pelo encerramento de maternidades, urgências de hospitais e SAPs, pela privatização dos cuidados primários da saúde e a sua entrega paulatina na mão dos privados.


 


É certo que o primeiro-ministro, enquanto secretário-geral do PS, participou na campanha pelo “sim”, mas também é verdade – e não se pode esquecer – que, podendo ter feito aprovar com toda a legitimidade a lei na Assembleia da República, optou por sujeitá-la a referendo, contando para isso com a cumplicidade do Bloco de Esquerda. Felizmente, o referendo teve o resultado que teve. Porém, a campanha do “não” foi tão baixa, tão insultuosa, tão repugnante – até para apoiantes seus – que o resultado poderia bem ser outro. Valeu a campanha serena e esclarecedora dos defensores do “sim”, nomeadamente do PCP. E a razão estar do seu lado.