IPT, um centro de excelência vítima do “choque de gestão” tucano
Responsável pela elaboração do laudo técnico do acidente do Metrô paulistano, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas atua entre o interesse público e a lógica do mercado. Direção do órgão refuta interferência políticas e funcionários apontam redução orçame
Publicado 19/02/2007 18:29
Adaptado a atuar nos bastidores do setor produtivo e do suporte às políticas públicas no Estado, o tradicional Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) irá lidar agora com a delicada condição de protagonista político. Ela foi adquirida após o acidente na futura estação Pinheiros do Metrô paulista, que vitimou sete pessoas no último dia 12 de janeiro. Autoridades estaduais consideram que o laudo em elaboração pode ser o principal instrumento para subsidiar futuras iniciativas públicas que identifiquem responsáveis pela tragédia que levou à paralisação das obras na linha 4-Amarela.
O presidente do (IPT), Vahan Agopyan, garante que a execução das análises técnicas não irá admitir pressões políticas por parte do governo do Estado. À Carta Maior, Agopyan declarou que “não há nenhuma possibilidade de interferência política na elaboração do laudo”, e que o contrato só foi assinado “quando obtivemos total autonomia e autoridade para obter os dados e documentos. Temos de preservar a nossa equipe”, sustentou.
O IPT executa, no momento, duas funções paralelas. A primeira diz respeito ao levantamento das causas do desabamento da estação Pinheiros. Inicialmente previsto para o mês de agosto, o término do laudo final deve ser postergado novamente. A segunda se refere à solicitação do Ministério Público para acompanhar os laudos de segurança de outros pontos da linha 4.
“O IPT não é polícia. Ele apenas determina as causas do acidente e tem função exclusivamente técnica. Além disso, o laudo é uma fotografia de um determinado instante. Nossa maior preocupação no momento é conseguir ter acesso ao local da cratera, para obter as amostras do solo, do concreto e do aço. É um processo demorado. A pressão maior vem da imprensa”, pontua Agopyan.
Longe do Estado, perto do mercado
O Instituto, no entanto, irá enfrentar os seus próprios dilemas internos durante as investigações. Vinculado à recém-criada Secretaria de Desenvolvimento, sob o comando do vice-governador Alberto Goldman (PSDB), o IPT foi o laboratório privilegiado de um verdadeiro “choque de gestão”, implementado desde que o PSDB assumiu o governo, em 1994. A gradual diminuição da dotação orçamentária e a intensificação da chamada “fuga de cérebros” são algumas das conseqüências apontadas pela Associação de Funcionários do IPT (ASSIPT). A preocupação dos funcionários é que o Instituto se torne, cada vez mais, um prestador de serviços em vez de um “lócus” de excelência na produção tecnológica.
Ao contrário dos outros 18 institutos do Estado, o IPT é uma empresa de economia mista, em que o governo figura como acionista majoritário. Em 1994, o instituto recebia R$ 80 milhões de reais como dotação orçamentária do Tesouro. O valor representava 80% do orçamento do Instituto. Os outros 20% chegavam através da prestação de serviços no meio externo. De acordo com os dados oficias do Orçamento de 2006, o valor caiu para R$ 47 milhões. Isso representa 41% do orçamento total. A quantia restante, de R$ 67 milhões, foi preenchida pelos clientes: R$ 22 milhões com serviços prestado às empresas do setor público e R$ 45 milhões oriundos do setor privado. Para Agopyan, “o valor da dotação orçamentária é satisfatório, mas se o governo resolver implementar novos projetos, é necessária uma dotação complementar, para manter o nível de qualidade do Instituto”.
O deslocamento rumo à captação de recursos junto à iniciativa privada foi considerado tão ostensivo que levou à sondagem de uma hipotética “auto-sustentação”. “A busca da auto-sustentação não exclui todas as outras iniciativas em curso. Devemos ganhar autonomia para reter quadros próprios e ter fundos de pesquisa, sem depender da dotação do Estado, que é bastante limitada. Isso é apenas uma conseqüência de quem quer sobreviver com as próprias pernas”, afirma Oswaldo Poffo, diretor de Organização e Processos.
Os cinco principais clientes do IPT são a Petrobrás, Vale do Rio Doce, Embraer, o próprio Metrô e a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo). Na lista comercial, também aparecem nomes como a Braskem (Odebrecht), Andrade Gutierrez e a Alstom, empresas que integram o Consórcio Via Amarela, responsável pela linha 4 do Metrô. A relação institucional entre o IPT e o “setor produtivo” se dá de duas formas. A mais comum é quando a empresa que apresenta algum problema a ser superado procura o IPT. É possível também articular o contato por meio da divulgação própria de algum avanço tecnológico que o instituto alcança.
Máquina enxuta
Logo que o PSDB estreou no governo, o IPT possuía um quadro que totalizava 1.700 profissionais. Hoje restaram 769 funcionários. Deste total, 336 são pesquisadores de nível universitário, 55 de nível operacional, 181 de nível médio e 197 administrativos. Além disso, complementam o quadro 440 terceirizados ou cooperativados.
De acordo com Régis Carvalho, presidente da Assipt (Associação dos Funcionários do IPT), a maior número de baixas está localizado na faixa de pesquisadores qualificados. “Cerca de 60% das saídas foram de pesquisadores de nível universitário, 20% de nível técnico e 20% do setor administrativo. Muitos saem desgastados e descontentes. Não há política de valorização salarial”, critica. Em um dos mais recentes cortes, em julho de 2005, 71 funcionários foram demitidos sem aviso prévio. O enxugamento da máquina pública, no entanto, não é obra exclusiva das últimas gestões tucanas. No início da década de 1980, o IPT chegou a possuir 2.500 funcionários.
A migração de pesquisadores conceituados para a iniciativa privada ou universidades se tornou uma preocupação cada vez mais constante no IPT. Oswaldo Poffo se refere ao assédio externo como uma “sangria perigosa para manter a competência e trajetória de crescimento”. Ele explica como se dá o processo. “O mercado absorve estes profissionais já treinados, sem gastar nada em formação. Já na universidade, há um campo de trabalho que permite realizar consultorias. Além disso, por termos um quadro de maturidade elevada, perdemos muitos profissionais por aposentadoria. Mas é um pouco forçado imaginar que o quadro de pesquisadores é deficitário”, justifica.
Disputas de rumo
Ary Plonki, ex-diretor do IPT, saiu do cargo em abril de 2006, quando foi sucedido por Agopyan. Quadro político do PSDB, Plonki reclama da forma como os correligionários conduziram a transmissão do posto. “A condução do processo de mudança estatutária, realizado em março de 2006, do qual resultou, entre outros, a criação do Conselho de Administração, foi incompetente e profundamente desrespeitosa para com o IPT”.
Para ele, o “atropelo” não poderia terminar pior. “O que começa mal geralmente termina mal. Assim, cabe registrar que todos os membros do primeiro Conselho de Administração do Instituto, exceto um, saíram antes do fim do mandato. Pelo menos uma das personalidades então formalmente indicadas para o Conselho preferiu nem tomar posse”, provoca.
Para solucionar os problemas administrativos do IPT, Plonski só enxerga uma alternativa. “A solução, que nenhum governo até agora teve a coragem de tomar, tem um primeiro passo simples: regulamentar e fazer valer de fato o parágrafo 2º. do artigo 207 da Constituição Federal, que estabelece a autonomia das instituições de pesquisa científica e tecnológica”.
Já Carvalho, da ASSIPT, atribui as dificuldades à falta de um projeto político da administração estadual. “Não conseguimos enxergar o que o governo do Estado quer do IPT. Não há política de Estado para a área de ciência e tecnologia”. Segundo essa teoria, a crise de identidade externa refletiria nos problemas internos. Sintoma disso é o aumento das reclamações sobre dificuldades em aprovar projetos criados pelos próprios pesquisadores da casa. “Hoje é preferível vender um trabalho para uma indústria do que fazer um projeto próprio”, diz Carvalho.
Superávit
Não é o que pensa Oswaldo Poffo. Para o diretor de Organização e Processos, é verdade que agora há mais rigor na análise de cada projeto, mas isso simboliza um “avanço” administrativo importante. “Não temos mais pesquisa pelo puro interesse do pesquisador. A pesquisa precisa estar dentro do plano de negócios da unidade. Deve ser coerente com a iniciativa de sobrevivência no mercado”, pondera.
A direção do instituto refuta a acusação de incrementar a lógica meramente empresarial dos novos negócios. Os diretores citam como exemplo os programa direcionados para pequenas e médias empresas, que são deficitários. Argumentam que, como se trata de um projeto público do governo, o IPT tem a missão de levar adiante. Em 2005, o Instituto teve R$ 4 milhões e 600 mil de superávit financeiro. O balanço de 2006 ainda não foi concluído. Poffo afirma que o suposto “lucro” é necessário para contrabalancear déficits anteriores e abater antigas dívidas.