Punks indígenas do México abrem espaço em cidade hostil

Para muitos jovens de grupos indígenas e étnicos que deixaram há poucas semanas ou meses os povoados rurais, a adoção de estilos hiperurbanos de se vestir é uma estratégia de sobrevivência.

Nas tardes de domingo, a versão mexicana do Central Park recebe um exército de punks, góticos, patinadores, uma variedade de piercings labiais, meias rendadas, cintos rebitados e cabelos vermelhos espetados em ângulos impossíveis.


 


Mas há mais neste quadro de urbanismo extremo do que parece.


 


Muitos dos adolescentes em Alameda, no limiar do distrito histórico da Cidade do México, são de origem indígena, que deixaram há poucas semanas ou meses os povoados rurais.


 


Eles fazem parte de um deslocamento imenso da minoria indígena mexicana do interior para a Cidade do México, uma migração dentro das fronteiras do país que está transformando padrões de vida seculares.


 


Para muitos destes jovens de grupos indígenas e étnicos que pré-datam os conquistadores espanhóis, a adoção de estilos hiperurbanos de se vestir é uma estratégia de sobrevivência.


 


“Eles enfrentam tanta discriminação quando chegam à cidade que é o motivo para se transformarem”, disse Pedro Gonzalez, um estudante universitário de 38 anos e um defensor dos migrantes, que trocou Oaxaca pela Cidade do México quando tinha 16 anos. “Eles buscam um tipo de identidade porque dizem, 'por conta própria eu vou morrer'.”


 


Alejo Martinez, 16 anos, de uma pequena aldeia no Estado de San Luis Potosi no norte, chegou à Cidade do México no início deste mês e já está vestindo sua armadura urbana: uma bandana do Slipknot, camiseta preta e cabelo tingido de loiro. Apesar de estar na cidade há apenas uma semana, ele sabia que Alameda era o local onde ir aos domingos.


 


“A gente vem aqui para se divertir – é melhor do que ficar trancado em casa o dia todo”, ele disse. “Sim, (a Cidade do México) é bem grande. Eu ainda não sei muito sobre ela.”


 


Federico Gama, um fotojornalista da Cidade do México, fotografa e estuda o movimento punk e gótico indígena há mais de dois anos. Ele disse que apesar da migração para a Cidade do México não ser novidade -ela ocorre em grandes ondas desde os anos 40- o que mudou é a atitude mais desafiadora entre os adolescentes indígenas.


 


Muitos vêm para trabalhar no setor de construção da cidade, que passa por um boom desde meados dos anos 90, freqüentemente dormindo nas áreas de construção. O primeiro contato com a cidade de 20 milhões, disseram especialistas, é de rejeição, xingamentos e zombarias.


 


“Quando chegam, estes jovens percebem isto e dizem que não querem tal imagem”, disse Gama. “Com estas roupas, eles dizem tudo o que não podem dizer com palavras: 'Eu sou urbano e sou parte desta cidade. Esta cidade não vai me esmagar'.”


 


As autoridades dizem que há cerca de 1 milhão de habitantes indígenas na Cidade do México, ou 5% da população. A maioria dos mexicanos é mestiça – uma mistura de espanhóis e indígenas ou descendentes de indígenas.


 


Apesar de estatísticas oficiais serem raras, os defensores dos migrantes dizem que eles estão chegando em números cada vez maiores, movidos pelos mesmo fatores que promovem a migração em massa para os Estados Unidos.


 


Segundo o censo 2000 do México, a renda média dos trabalhadores indígenas na cidade é mais do que o dobro daquela de seus pares rurais.


 


A decisão de migrar para a Cidade do México e não para os Estados Unidos é determinada pelos padrões habituais de migração, mas também por um cálculo simples: apesar dos Estados Unidos oferecerem salários melhores, também é mais perigoso chegar lá. A Cidade do México é uma alternativa mais segura, apesar da remuneração menor.


 


Nos últimos anos, muitos migrantes na Cidade do México usaram a capital como etapa intermediária antes de se mudarem para os Estados Unidos.


 


A Cidade do México também é lar de quase 100 comunidades indígenas originais, grupos que existem no Vale do México desde que a Cidade do México era o reino asteca de Tenochtitlan.


 


As autoridades municipais reconhecem que a Cidade do México não é um local hospitaleiro para migrantes.


 


“Os indígenas encontram na cidade um ambiente hostil que com freqüência alarmante os discrimina e os considera inferiores e atrasados”, escreveram as autoridades municipais em um recente relatório.


 


No ano passado as autoridades concordaram em criar um departamento para assuntos indígenas, mas defensores dizem que a cidade tem muito o que fazer especialmente em termos da educação de milhares de crianças indígenas que não freqüentam escolas.


 


Especialistas dizem que os adolescentes indígenas que migram para a cidade enfrentam um doloroso dilema de identidade. A visão de mundo que aprendem em suas aldeias – freqüentemente um sistema de coletividade e vida comunal- não tem lugar na agitação da maior cidade do hemisfério.


 


“Para muitos, isto implica em dois caminhos: ou escondem e esquecem sua cultura, ou tentam reforçá-la”, disse Gonzalez.


 


De algumas formas, os punks em Alameda estão combinando valores da cidade e da aldeia. Apesar de se vestirem em estilos altamente individualistas, eles formaram uma espécie de espaço coletivo onde podem compartilhar dicas de sobrevivência e reforçar a confiança uns dos outros.


 


Mas apesar de seus trajes inspirados em punk, gótico ou hip hop, eles não estão ligados às subculturas tradicionais. Aos domingos muitos se reúnem para ir a clubes underground que tocam cumbia e outras músicas regionais mexicanas.


 


Em uma recente tarde de domingo, um clube era um cenário improvável de um trio de punks com cabelo espetado dançando música tradicional com seus pares.


 


E apesar de sua aparência freqüentemente feroz, eles não são cidadãos urbanos empedernidos.


 


Em um recente domingo, um adolescente de Veracruz, vestindo um traje preto ameaçador coberto de rebites de metal, virtualmente se encolheu quando abordado pelo entrevistador, sussurrando respostas e olhando para o chão.


 


Alguns observadores dizem que os novos estilos urbanos podem sinalizar uma ruptura de valores.


 


Gama, o fotógrafo, disse que os novos estilos de se vestir representam uma mudança fundamental -enquanto antes os jovens indígenas costumavam mandar dinheiro para suas aldeias, eles agora estão começando a gastá-lo consigo mesmos.


 


E isto poderá ter grandes conseqüências, disse Guadalupe Martinez, coordenadora da Assembléia de Migrantes Indígenas na Cidade do México.


 


“Quando eles chegam à cidade é um enorme choque e outros garotos da mesma idade lhes dizem: 'Por que está mandando dinheiro para casa?'” ela disse. “Eles correm o risco de esquecerem sua identidade e se incorporarem a esta cidade.”


 


Martinez disse que o ato de mandar dinheiro para a aldeia é fundamental para a experiência migrante indígena. Não fazê-lo poderá significar rejeição quando o migrante retornar.


 


“A comunidade espera que aqueles que partem enviem uma certa quantia de volta”, ela disse. “É a única forma pela qual respeitarão sua casa, suas terras.”


 



Fonte: Cox Newspapers / UOL Mídia Global
Tradução: George El Khouri Andolfato