A sexta-feira em que a “IstoÉ” derrocou de vez

Por André Cintra, com agências
São fortes as impressões de que um era se encerrou para a IstoÉ nesta sexta-feira (02/03). A terceira maior revista semanal do Brasil, fundada pela Editora Três em 1976, deve passar às mãos do investidor baiano D

As negociações entre o “banqueiro orelhudo” e o empresário Domingo Alzugaray, proprietário da Três, durou três meses. Terminou com o grupo Opportunity, de Dantas propondo a compra de 51% das ações da editora – porcentagem que se refere ao direito de uso da marca. O contrato deve ser assinado na próxima terça-feira e é a primeira investida do banco no setor de mídia.


 


“Se os rumores correspondem à verdade, registramos a perfeita metáfora, a parabula e a parábola das ilusões perdidas”, escreveu, em seu blog, o jornalista Mino Carta, um dos mentores da IstoÉ. Perdida a revista já estava, a ponto de receber apelidos tais quais “QuantoÉ” e “IstoEra”. Negociações de reportagem fartavam na mesa e nos telefones de Alzugaray.


 


As tramóias não foram suficientes para alavancar a editora, que também publica as revistas IstoÉ Dinheiro, Dinheiro Rural e IstoÉ Gente. As dívidas da Três superam a marca de R$ 600 milhões e, segundo uma fonte ligada a Daniel Dantas, continuarão sendo de Alzugaray. São, basicamente, dívidas trabalhistas e tributárias.


 


Disputa entre grupos
Em dois comunicados enviados por e-mail nesta sexta-feira, funcionários da editora expuseram as razões da greve e pediram mais transparência da diretoria. Enquanto os jornalistas da Três estão parados desde as 13 horas, operadores de telemarketing e funcionários administrativos só entram em greve às 18 horas de sábado.


 


Além do Opportunity, mais dois grupos cobiçavam a editora: a CBM (de Nelson Tanure) e Grupo Camargo de Comunicação (ligado ao Bandeirantes). Os funcionários temiam mais que Tanure adquirisse a Três, haja vista o inferno em que ele transformou as redações do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil. Na reta final, a TV Record, do bispo Edir Macedo, também fez propostas de compra.


 


A notícia da venda para Daniel Dantas não tranqüiliza a categoria, que continua sem saber quando vai receber salários atrasados e outros direitos. A expectativa é que o banqueiro arque com esses pagamentos. Funcionários também reclamam que a diretoria da editora não dá dados sobre as negociações, elevando desgaste.


 


As mensagens
O primeiro comunicado dos funcionários informava a greve à sociedade: “Em busca de salários e obrigações trabalhistas não cumpridas pela Editora Três (…); a favor da finalização das negociações que envolvem o controle da companhia; e por informações objetivas que apontem uma solução para as muitas questões trabalhistas pendentes, comunicamos respeitosamente ao público que nós, profissionais da Editora Três, resolvemos entrar em greve – amparada em lei e registrada na Delegacia Regional do Trabalho – a partir desta data”.


 


“Estamos em greve!”, dizia o segundo comunicado, dirigido “aos colegas da Editora Três”. “Tem sido difícil trabalhar nestas condições, mas é o que temos feito até aqui. Nos últimos oito meses, desde que a crise se instalou, cumprimos à risca nossas obrigações com a Editora Três”.


 


Os funcionários dizem ter mantido o “padrão de qualidade” das revistas e o respeito na relação com a diretoria. O grupo promete manter comportamento “civilizado”, mas não abre mão do direito de greve. “Continuamos prontos a atender a qualquer chamado ao diálogo a ser feito pela direção da empresa. A diferença é que o faremos com o trabalho suspenso em todos os setores.”


 


Semanais circulam
O salário de março tem de ser pago na segunda-feira – data também da nova assembléia dos funcionários. Até lá, os grevistas devem abrir um blog sobre a crise e ver a viabilidade de bloquear a entrada da editora durante o encontro. Cerca de 90% dos jornalistas aderiram à paralisação.


 


Apesar disso, as revistas semanais da Três devem ir às bancas normalmente neste sábado. Os redatores-chefe da IstoÉ, Mário Simas, e da IstoÉ Dinheiro, Luis Fernando Sá, não entraram em greve e prometeram fechar as próximas edições. Mesmo a IstoÉ Gente deve circular, já que seu novo número está praticamente finalizado.


 


Mino Carta lembra que a primeira capa de IstoÉ trazia o músico alemão Ludwig van Beethoven, “o grande surdo”, com um aparelho no ouvido. O tema: a surdez e “a vocação brasileira para os ruídos clangorosos”. Quem sabe a próxima capa – a última de uma fase – traga não um surdo, mas o célebre orelhudo que se especializou em escutas telefônicas.