José Reinaldo Carvalho: “Bush, visitante indesejável”

O secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil, José Reinaldo Carvalho, divulgou nesta quarta-feira (7/3) uma declaração sobre a visita de George W. Bush, chefe da Casa Branca, ao Brasil. No documento, Carvalho sublinha que ''Bush

Bush, visitante indesejável


 


por José Reinaldo Carvalho*


 


O povo brasileiro, sempre hospitaleiro e receptivo com os que nos honram visitando nosso país, tem toda razão de ir às ruas, atendendo a convocação dos partidos de esquerda, entre eles o PCdoB, e das organizações de solidariedade e paz,  sindicais, estudantis e populares, para dizer alto e bom som que  Bush é um  visitante indesejável. Como está muito bem enfatizado na convocação da manifestação, Bush no Brasil é persona non grata. A exceção não resulta de pueril “anti-americanismo”, mas de consciente  e necessário antiimperialismo, questão de ponto de vista e de interesse nacional e popular.



Em outra situação política, como já fizemos no passado, nossa crítica se dirigiria  também ao governo anfitrião, e exigiríamos, como posição de fundo, o cancelamento da visita. Mas o governo do presidente Lula tem muito crédito na condução da política externa e a confiança de que tratará Bush pragmática e protocolarmente, estabelecendo no posto de comando das suas conversações e negociações com o indesejável visitante a defesa dos supremos interesses do Brasil.



Temos noção da correlação de forças, reconhecemos que não há ambiente no mundo nem na sociedade brasileira para uma confrontação direta e aberta do Brasil com a superpotência do norte. Ademais, a esquerda e o movimento popular brasileiro não farão o jogo da direita e da mídia contra o Itamaraty, que, sob o governo do presidente Lula reinaugurou, nas novas condições vigentes no Brasil e no mundo, a “política externa soberana, independente e afirmativa”, política contra a qual a direita neoliberal e entreguista move uma brutal ofensiva política e ideológica. Mas enquanto força com responsabilidades perante o povo e a nação, nós, os comunistas, temos o dever de  dizer com frontalidade e nitidez: nada esperamos de positivo para o Brasil da visita do presidente norte-americano e nenhuma ilusão nutrimos em face da sua proposta de “parceria e cooperação”. Bush nada tem a nos oferecer de bom. Trará na bagagem migalhas, lisonjas e armadilhas.



Não falta quem esteja disposto a aceita-las e até faça pressões sobre o governo nessa direção. Uma das marcas da identidade das classes dominantes brasileiras é sua ligação visceral à dominação imperialista. Essas classes dominantes não concebem outro tipo de relação com os Estados Unidos que não seja caracterizada pela subordinação do nosso país aos desígnios neocolonialistas de Washington. Para elas, mudam-se os tempos, mas não as vontades. Seu projeto de inserção do Brasil no mundo continua sendo a submissão e o alinhamento automático aos Estados Unidos, na melhor das hipóteses, segundo o ponto de vista conservador, situar-nos como país associado.



Por isso, nos dias que antecederam a chegada do indesejável visitante, ouviu-se um coro ensurdecedor, e se ouvirá ainda mais os seus tons estrident nos próximos dias, sobre a “nova fase”, de “parceria e cooperação” nas relações bilaterais Brasil-EUA. Apresenta-se o mercado norte-americano para o etanol brasileiro como o novo eldorado do qual jorrarão rios de divisas provenientes da exportação do biocombustível e a parceria preferencial com os EUA no âmbito do comércio internacional como o único caminho através do qual se estabeleceriam os marcos seguros para a criação do mercado internacional da “nova commodity”. Chega-se a forçar algumas notas acenando-se com a criação da “nova ´opep` do etanol” sob comando dos Estados Unidos e do Brasil.



Atrevemo-nos a dizer que Bush não tem nada ou tem muito pouco a oferecer ao Brasil nesse terreno. E logo se verá que sua visita persegue na verdade outros objetivos.



Em primeiro lugar, porque na cogitada “parceria e cooperação”, o indesejável visitante nada dirá nem oferecerá no que se refere à taxação das nossas exportações de etanol para o mercado norte-americano. O protecionismo é o único princípio orientador dos “campeões do livre-comércio”. Depois do fracasso da ALCA, os Estados Unidos têm priorizado os chamados Tratados de Livre Comércio, mas os seus déficits colossais na balança comercial não lhes dão condições de oferecer qualquer vantagem aos países que se deixam seduzir pelo canto de sereia embutido nos enunciados de tais tratados. Sua lógica segue sendo a da espoliação.



Em segundo lugar, porque não convém ao nosso país, se queremos de fato um desenvolvimento nacional de longo fôlego, harmônico e virtuoso, transformar-nos numa enorme “plantation” de matérias-primas para a produção de biocombustível estruturalmente dependente dos ciclos de demanda dos Estados Unidos. Seria uma insensatez, uma estratégia suicida.



Em terceiro lugar, porque até onde a vista alcança, as potencialidades do Brasil no setor são imensas e isso lhe confere maior posição de força e maior poder de negociação, possibilitando-nos múltiplas parcerias e múltiplos mercados. Quanto a Bush, no que se refere estritamente ao biocombustível, não percamos de vista que o próprio, em discurso sobre o Estado da União no Congresso norte-americano, reconheceu que o país é “adito ao petróleo”, admitindo, mesmo a contragosto, o parasitismo daquela sociedade e daquela economia, onde são evidentes, entre outras crises de caráter estrutural, os sinais de crise energética. Cativar a produção brasileira é um dos meios pelos quais tenta enfrentar tal crise.



O outro meio, aliás o principal, pelo qual os Estados Unidos pretendem enfrentar sua crise energética,  é a guerra, estratégia que no momento tem como palco um pântano e um cadafalso chamado Oriente Médio. E nisto reside uma importante razão da contrariedade do povo brasileiro por estar hospedando o indesejável visitante. George W. Bush está à frente da mais dura e abrangente ofensiva do imperialismo norte-americano contra a paz mundial e a segurança da humanidade. Executa uma política em cujo centro encontram-se a guerra e a militarização.



À frente do governo estadunidense, Bush transformou em pó e cinza o direito internacional e achincalhou as Nações Unidas, considerando a organização multilateral “irrelevante”. Sepultou as normas de convivência internacional, demonstrando que na política externa norte-americana a razão maior reside na segurança das posições colonialistas e hegemônicas dos EUA enquanto superpotência. Em nome do combate ao terrorismo, entronizou o terrorismo de Estado, revelando-se como um tirano, um criminoso de guerra. O caráter pacífico e solidário do povo brasileiro não pode considerar Bush senão como o maior inimigo da humanidade e, portanto, nosso inimigo também.


 


Por isso, não honra nem envaidece o nosso país que o indesejável visitante tenha dito, antes de sua partida, que dedicará sua vilegiatura em terras latino-americanas aos “países amigos”. A Casa Branca e o Departamento de Estado inscrevem a viagem do indesejável visitante nos marcos do “ano do engajamento com a América Latina”. A razão de fundo para tal engajamento é a percepção que tem o governo norte-americano de que tem sofrido sérias derrotas políticas na região que considera o seu quintal, resultantes de um extenso e profundo movimento objetivamente antiimperialista, que se expressa na eleição de diversos governos progressistas, na rejeição à ALCA, nos progressos da integração continental, na solidariedade renovada entre os povos através da ALBA. É para frear esse processo e sobretudo para isolar e golpear sua manifestação mais avançada – a revolução bolivariana dirigida pela principal liderança antiimperialista da região, Hugo Chavez – que o chefe do imperialismo visita a região.



É esse o sentido das suas promessas de “parceria”, “cooperação” e “ajuda”, que em relação ao Brasil vêm acompanhadas de interesseiras lisonjas —  “país amigo” e “líder” no subcontinente —, cujos interesses e valores fundamentais seriam os mesmos da auto-proclamada “maior democracia do Ocidente”. As migalhas e lisonjas que  o candidato a tirano do mundo, inimigo da humanidade, indesejável visitante no Brasil traz em sua bagagem, serão oferecidas como moeda de troca, na tentativa de envolver nosso país em seus esforços para isolar as forças revolucionárias e antiimperialistas latino-americanas.



Na presença do indesejável visitante, o povo brasileiro reafirma sua soberania e a solidariedade aos países e povos irmãos, rejeitando qualquer que seja a insinuação de que o nosso país se prestaria a desempenhar o indigno papel de instrumento do imperialismo estadunidense na sua tentativa de desestabilizar processos revolucionários em curso na América Latina.



Muito ao contrário das pretensões do indesejável visitante e dos seus acólitos internos abrigados nos grandes meios de comunicação, nos partidos das classes dominantes e nas suas entidades corporativas, o povo brasileiro, através das suas organizações representativas e forças políticas progressistas, entre elas o Partido Comunista do Brasil, ao tempo em que repudia a presença do maior inimigo da humanidade em solo brasileiro, reafirma seu compromisso com a luta pela paz, contra a guerra imperialista,  a irrestrita solidariedade aos povos agredidos pelos Estados Unidos, o apoio irrestrito à revolução bolivariana dirigida por Hugo Chavez, à revolução cubana, submetida há mais de quatro décadas a cruel bloqueio econômico e a todos os processos de luta antiimperialistas na América Latina, estes sim convergentes com os interesses mais profundos do povo brasileiro. 


 


*José Reinaldo Carvalho é secretário de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)