Nova York, entre a opulência e a miséria

Mais de 20% de seus habitantes vivem na pobreza e diariamente são obrigados a peregrinar por alimentos; número de sem-teto bate recorde e chega a 33 mil pessoas, sendo 13 mil crianças. Por David Brooks, para o La Jornada.

Percebe-se mais nos invernos: homens e mulheres em roupas esfarrapadas dormindo no Metrô, cobertos com mantas para esconder-se do vento impiedoso, filas ante albergues e organizações de caridades que oferecem alimento. Numa das cidades mais opulentas do mundo, mais de uma quinta parte de seus cidadãos vive abaixo do nível de pobreza – 10 mil dólares anuais.



De fato, 1,2 milhões dos pouco mais de 8 milhões de habitantes têm que escolher entre pagar o aluguel ou os alimentos, reportou recentemente a agência Reuters. Outros estimam que 1,8 milhões de novaiorquinos vivem na pobreza. A quarta parte dos 1,9 milhões de crianças de Nova York estaria nessa condição e 40% das famílias com menores de idade teria dificuldade para comprar alimentos, segundo um informe realizado pelo Food Bank de Nova York, organização que distribui 65 milhões de libras de comida a cada ano para programas de caridades na cidade.



Para os agentes financeiros de Wall Street, 2006 foi um ano muito bom, e como recompensa por seu grande talento receberam 24 bilhões de dólares em bônus – ou seja, além de seus salarios, já bastante expressivos. Nesse ano, quase um de cada seis residentes da cidade vivia em lugares que não contavam com suficientes recursos para comprar comida, informou a Coalizão contra a Fome da Cidade de Nova York, uma articulação de 1200 armazéns e cozinhas caritativas que oferece alimentos para os que não conseguem comprá-los.



O número de pessoas que recebe apoio destas agrupações aumentou 11% durante 2006, depois de um aumento de 6% no ano anterior. Durante os anos recentes houve um auge nos imóveis desta cidade, tema de conversação quase permanente entre aqueles que os têm para viver bem. A construção de novos edifícios residenciais de luxo se pode ver em quase todas as colônias de Nova York e partes do Brooklyn, anunciando “clubes de saúde”, piscinas, vistas panorâmicas e mais.



Alguns não têm vergonha em anunciar que há ''unidades'' disponíveis com preços que vão de 3 a 12 milhões de dólares (se referem a apartamentos). Os aluguéis estão em níveis astronômicos numa das cidades mais caras, enquanto que há pouca ou nula construção de moradias para gente com salários moderados ou baixos.



Crescimento da pobreza



Menos visível é o fato de que a população sem-teto tem chegado ao seu nível mais alto da história, ao incrementar-se nos 56% entre 1998 e 2006, informa a Coalizão em favor dos Sem-Teto, a principal organização dedicada ao problema nesta cidade, a qual registra que cerca de 33 mil pessoas residem em albergues para os sem-teto, incluindo 13 mil crianças. Outros milhares – 3800 segundo números oficiais da cidade – viveram nas ruas durante 2006.



O prefeito Michael Bloomberg tem anunciado vários novos programas para abordar estes temas e disse que a prioridade para seu segundo mandato é o combate à pobreza. Sem dúvida, para muitos é difícil compreender como há tantos benefícios oferecidos pela cidade para o desenvolvimento de moradia e comércio para os ricos, e tão pouco, em termos relativos, para os pobres.



“Estou enojada que ainda tenhamos que nos dedicar a este assunto”, comentou Lucy Cardenas, presidente do Food Bank, citada pela Reuters. Se os 24 bilhões de dólares em bônus oferecidos aos de Wall Street fossem distribuídos entre os que vivem abaixo da linha da pobreza nesta cidade, cada pobre receberia mais de 12 mil dólares – 2 mil dólares além da chamada linha da pobreza oficial, de 10 mil dólares anuais. Os de Wall Street não morreriam de fome pelo sacrifício.



No momento, os pobres de Nova York só podem esperar que os donativos de caridade sejam suficientes este ano para não passar fome numa das cidades mais ricas do mundo. O ricos, no entanto, terão que tomar cuidado para não pisar em mantas e papelões nas ruas; poderá ser um ser humano. Que sorte que o inverno está quase no fim. Tudo isto será menos visível com a primavera. (La Jornada)