Everaldo Augusto: “As múltiplas atualidades de Castro Alves”

O Vermelho encerra nesta sexta-feira (16) a série sobre os 160 anos de nascimento de Castro Alves, o “Poeta dos Escravos”. No último artigo, o vereador de Salvador pelo PCdoB e mestre em Literatura, Everaldo Augusto, analisa como a obra e

Quando nas praças s´eleva
Do povo a sublime voz,
Um raio ilumina a treva…
(O Povo ao Poder, Castro Alves)


 


As múltiplas atualidades de Castro Alves


 


Por Everaldo Augusto*


 


Irmãos da terra da América,
Filhos do solo da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz…
Lançai um protesto, é povo,
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações.
(O Povo ao Poder, Castro Alves)


 


Na semana que a América Latina ainda se encontra conflagrada pelos protestos contra Bush, e de alma lavada pelos comícios de Hugo Chávez, comemoram-se 160 anos do nascimento do poeta baiano Castro Alves. Com apenas um livro publicado em seus 24 anos de vida, ele construiu, em menos de uma década, uma obra que marca a literatura brasileira pela temática, pela estética e pelo engajamento do autor. Poeta das praças, dos saraus e dos protestos populares, ele se tornou um símbolo da luta pela liberdade no Brasil.


 


Vem em boa hora esta comemoração. Quando está diante de nós o obscurantismo, o terrorismo de Estado, a guerra infinita, a fome e os massacres de nações, é hora de falar de Castro Alves e saudar a juventude, que ocupa as ruas, e falar das multidões, que se levantam para dizer que outro mundo é possível. Esta é a hora certa para falar deste que foi o poeta rebelde, a favor das grandes causas do povo brasileiro no passado. É bom lembrar que muitas destas causas ainda estão em aberto.


 


Caso fosse possível ouvir o poeta sobre esta luta dos moços e das moças contra a tirania, nas ruas das capitais brasileiras, em Buenos Aires, Bolívia, Bogotá e outros tantos lugares, o poeta poderia dizer, como disse em 1868 no poema Ode ao Dous de Julho:


 


Não! Não eram dous povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado…
Era o porvir – em frente ao passado,
A liberdade – em frente à Escravidão,
Era a luta das águias – e do abutre,
A revolta do pulso – contra os ferros,
O pugilato da razão – com os erros,
O duelo da treva – e do clarão!…


 


Jorge Amado, no ABC de Castro Alves, narrativa no estilo dos abcês de feira do nordeste brasileiro, fala das proezas do jovem poeta baiano ao lado de Tobias Barreto, Rui Barbosa e outros próceres. Jorge Amado nos mostra um jovem no burburinho das ruas, apaixonado pela causa da abolição da escravatura, pelos direitos do povo e por liberdades, numa coragem desmedida: “As balas silvam, homens caem feridos, mas ninguém pensa em fugir, em se afastar dali. Da sua tribuna, a longa cabeleira negra, o poeta clama: A palavra, vós roubai-la / Dos lábios da multidão”.


 


A poesia de Castro Alves é um testemunho, o melhor que se pode ter, do seu engajamento entusiasmado naquilo que acreditava. Este é o retrato pintado por Jorge Amado no mesmo livro, no episódio da declamação do poema O Povo ao Poder: “O poeta parte na frente do povo. Assim o vemos, amiga, magnífico de coragem, enobrecido pelo ódio aos tiranos e o amor ao povo, partindo na frente da multidão”:


 


A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor,
Senhor!… pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu…
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos…
Deixai a terra ao Anteu


 


E assim, reivindicando direitos, Castro Alves nos apresenta sua noção de pátria. A nação na poética de Castro Alves é um conceito voltado para o futuro, a ser construído com a participação direta do povo, com a mais ampla liberdade e que necessita se firmar diante do concerto das nações mais poderosas, personificadas às vezes na alusão a Portugal e às vezes à Europa. Orgulhoso da participação popular na luta pela independência da Bahia, vitoriosa no dia 2 de julho de 1823, na qual seu avô, Major Silva Castro, foi um dos heróis, ele escreve diversos poemas dedicados ao fato histórico nos quais fica expressa sua visão de nação livre, como nesse aqui:


 


Ao Dia 2 de Julho
Parte Terceira
Saudação


 


Senhores, a glória de um povo é ser livre…
O nome de livres é o nosso brasão.
Seja esta a divisa da nossa existência.
E este epitáfio se escreva no chão.


 


O conceito de nacionalidade de Castro Alves passa pelo reconhecimento do negro como integrante da nação. Nada poderia ser mais atual, neste momento em que os negros e todos aqueles interessados na construção de uma nova sociedade lutam por reparação, pelas políticas afirmativas através das cotas, que são, no atual contexto, a continuidade da luta de Castro Alves. A permanência do negro na condição de escravo é uma negação da nação, como ele afirma em:


 


Navio Negreiro


 


Existe um povo que a bandeira empresta
P´ra cobrir tanta infâmia e cobardia!…
E deixa-a transformar-se nesta festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus! Meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?


 


Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança…
Tu que da liberdade após a guerra,
Foste hasteada dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…


 


Ao ler Castro Alves com os olhos da segunda metade do século 19, percebemos as múltiplas atualidades da sua obra e da sua figura de tribuno e lutador. Elas estão presentes na temática da sua poesia e no imaginário de liberdade do povo brasileiro, que ele ajudou a construir, sobremaneira, com seus versos e com seu exemplo de ousadia.


 


Parabéns a todos aqueles que são pequenos e fitam os Andes neste 160 anos do poeta.


 


* Everaldo Augusto é mestre em Literatura Brasileira e vereador do PCdoB de Salvador (BA)