Grande mídia descobre trabalho desumano nos canaviais

Por Bernardo Joffily
A grande imprensa brasileira descobriu, com 425 anos de atraso, o drama dos cortadores de cana brasileiros, não raro obrigados a trabalhar até a morte, literalmente. No domingo (18), O Globo estampou que “ainda se morre co

A Folha assume mais claramente o tom crítico: publica, em contraste com a sua denúncia, uma frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta terça-feira,  inauguração de uma fábrica de alimentos em Goiás: “Os usineiros, que até seis anos atrás eram tidos como se fossem os bandidos do agronegócio neste país, estão virando heróis nacionais e mundiais porque todo mundo está de olho no álcool”.



“Mortes por excesso de esforço”



O texto principal diz que. “no momento em que a produção de álcool combustível no Brasil é vista como modelo de alternativa energética global, fiscais do Ministério Público do Trabalho encontraram ontem em uma fazenda em Ibirarema (390 km a oeste de São Paulo) ao menos 90 trabalhadores rurais atuando no plantio da cana em condições consideradas 'degradantes'. Desde 2004, 17 bóias-frias morreram no interior do Estado. A suspeita é que as mortes ocorreram por excesso de esforço no corte da cana.”



A reportagem do Globo, ocupando duas páginas, aponta que, “apesar de usar tecnologias sofisticadas, a produção do álcool é marcada por condições desumanas de trabalho”. E descreve em tom vivo estas condições: “Uma peregrinação de 300 mil imigrantes, todos os anos, percorre os caminhos da cana-de-açúcar, à espera de emprego, submetida a uma carga de trabalho muitas vezes desumana. Para sobreviver ao teste de resistência, muitos recorrem às drogas [crack], num caminho sem volta. A degradação leva a doenças e até à morte. E ainda há resquícios de trabalho escravo.”



O Estado de S. Paulo também pautou o tema, ouvindo hoje o deputado (PDT-SP) e presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva: “Pelas contas da Universidade de São Carlos, um trabalhador rural canavieiro dá 36 mil golpes de facão e percorre 8.800 metros carregando cana por dia. É uma loucura! Em qualquer lugar do mundo essa denúncia vira água e ninguém mais vai querer comprar o álcool brasileiro”, disse o Paulinho da Força.



José Gomes, 47, morreu de trabalhar



Ao que parece, o súbito interesse da mídia pelo tema foi despertado acordo sinalizado ao fim da visita do presidente norte-americano, George W. Bush, no último dia 9. Nada como um negócio desse tamanho, da ordem dos muitos bilhões de dólares, para sacudir os editores e pauteiros.



Não é de hoje que se morre de trabalhar nos canaviais brasileiros. Em outubro de 2005, o caso do canavieiro José Mário Alves Gomes, 47 anos, que morreu na usina Santa Helena (Piracicaba, SP), após cortar 25 toneladas de cana em uma jornada.



A morte trágica mal apareceu em algumas páginas internas. A deputada estadual Ana Martins (PCdoB) pediu uma CPI na Assembléia Paulista, mas ela ficou entre os 72 pedidos engavetados na administração Geraldo Alckmin. O Vermelho dedicou duas matérias ao tema, sob o título Quem está matando os cortadores de cana? (clique aqui para ver o primeiro; clique aqui para ver o segundo).



Oportunidade para os trabalhadores



A perspectiva de um boom do etanol pode criar uma oportunidade para o avanço da luta dos canavieiros visando mudar essa realidade tenebrosa. Não por generosidade dos usineiros, mas porque aumentará bastante o poder de pressão da categoria.



Da mesma forma, o sucesso do PAC (Projeto de aceleração do Crescimento) também pode, por tabela, impulsionar as lutas operárias e de outros segmentos assalariados. Depois do auge dos anos 80, estas enfrentam um relativo descenso, em que o fator número um é a ameaça do desemprego, especialmente no setor privado. Com o PIB brasileiro crescendo 2,9%, como em 2006 (ou algo em torno de 3,4%, pela nova metodologia do IBGE), o espectro das demissões tira grande parte da capacidade de mobilização dos trabalhadores. Uma fase de bons negócios para os donos do capital sempre foi, na história das lutas dos assalariados de diferentes países, uma oportunidade para fazer valer os direitos e reivindicações dos que vivem do trabalho.



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