Wagner Gomes: As manipulações da Globo sobre a Previdência

Leia artigo de Wagner Gomes, vice-presidente da CUT, sobre matéria apresentada no programa de televisão Fantástico, da Rede Globo de Televisão, neste domingo (8). A matéria abordou a Previdência Social manipulando dados do Ipea e distorcendo

O Fantástico e a “reforma” da Previdência


 


Por Wagner Gomes *


 


A propaganda conservadora sobre “problemas” na Previdência Social tem várias faces. Agora, é a Globo que investe no assunto, diagnosticando que o sistema de aposentadoria brasileiro tem “distorções” peculiares. Para a poderosa rede de televisão, uma pequena fatia de “privilegiados” consome uma fatia descomunal do bolo previdenciário. 


 


O programa Fantástico, apresentado pela Rede Globo de Televisão no domingo (8), promoveu mais uma das muitas manipulações a respeito da Previdência Social. Utilizando dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento — um organismo ainda infestado de economistas neoliberais —, a matéria discorreu sobre “distorções” no sistema de aposentadoria “que só existem no Brasil”.


 


O Fantástico deixou de lado — pelo menos nesta edição do programa — a sistemática campanha contra a Constituição de 1988 — o principal argumento usado pelos neoliberais para atacar a Previdência Social — e concentrou o ataque na faixa de “ricos” que, de acordo com a Globo, consomem uma parte considerável do bolo arrecadado pelo sistema. Trata-se de mais um argumento falacioso.


 


A questão toda se resume ao conceito de administração da macroeconomia. Sem cortar os benefícios concedidos pelo Estado, o governo terá dificuldades para manter o elevado superávit primário exigido pelos compromissos com o setor financeiro. Para cumprir esses “contratos”, o governo terá de quebrar o contrato social assumido pela sociedade com a Constituição de 1988.


 


Afinal, como o presidente Luis Inácio Lula da Silva costuma dizer, controlar as contas de um país é o mesmo que acertar o caixa de casa: adequar a saída de recursos à entrada. E quando os gastos incham de um mês para outro, como no caso do pagamento de juros à ciranda financeira, é preciso compensar a despesa de alguma forma. É aí que entra a diferença a respeito do papel do Estado entre progressistas e conservadores.


 


Convenção 95 da OIT


 


Uma das maiores vantagens geradas pela mudança no Ministério da Fazenda, com a saída de Antônio Palocci, se refere ao tratamento que está sendo dado aos gastos públicos. Palocci vinha acenando com a intenção de realizar um corte profundo nas despesas sociais, mas pouco conseguiu de concreto. Seu sucessor, Guido Mantega, tem acenado em outra direção. Para ele, os investimentos públicos devem aumentar sem o sacrifício dos direitos sociais.


 


É evidente que o ministro contraria os neoliberais. O aumento do investimento público é uma necessidade indiscutível: desde 1991, quando a “era neoliberal” ganhou impulso, esse investimento — em estradas, portos e aeroportos, por exemplo — caiu de 2,9% do PIB para 1,9%, um dos mais baixos da história. Mas ele não pode implicar em cortes sociais.


 


Parece óbvio, mas no raciocínio dos neoliberais essa lógica cedeu lugar à crença de que os recursos que no futuro pagariam as aposentadorias devem incentivar atividades da economia do país. Além da cantilena sobre aposentadorias “precoces” — o tão falado aumento da idade mínima —, eles querem desobrigar o patronato de parte das contribuições — o que certamente diminuirá os recursos previdenciários consideravelmente.


 


Um dos pleitos do patronato, na “reforma”, é o fim da obrigatoriedade de as empresas recolher ao INSS a contribuição social sobre os valores pagos na forma de benefícios aos trabalhadores, conforme estipula a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em sintonia com a convenção 95 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — ratificada pelo Brasil.


 


A previdência “piada”


 


Esta convenção estabelece o princípio da proteção do salário ao dizer em seu item 3 do artigo 11º que a legislação nacional deve determinar “a relação de prioridade entre o salário, que se constitui em crédito privilegiado, e os demais créditos preferenciais”. Ou seja: a lei permite o pagamento em outras modalidades que não em dinheiro e a CLT determina o recolhimento da contribuição social sobre essa parte indireta de remuneração.


 


Casos bem conhecidos são o do vale-refeição, o do vale-transporte, o da moradia, mas também são aceitos vestuário, cesta básica e outros. Algumas dessas formas a lei isentou de contribuição previdenciária, outras não. Se todas ficassem isentas, a Previdência Social poderia enfrentar problemas financeiros maiores que os que já enfrenta.


 


O problema é que os neoliberais trabalham para um setor da economia interessado no sistema de aposentadoria privado: as seguradoras e os bancos. Se forem vitoriosos, eles terão a tão sonhada previdência privada; e os trabalhadores terão a previdência ''piada''. No Brasil, temos exemplos disso. Atraídos pela possibilidade de ter um complemento de suas aposentadorias, milhares de pessoas recorreram a bancos ou a empresas de pecúlio. Depois de anos de contribuição, muitas pessoas nem sequer viram a cor do dinheiro.


 


Há também casos de pessoas que recebem ninharias que nem sequer pagam um cafezinho. Diante dessa situação, a Previdência Social se inscreve como um ponto crucial da batalha de fundo entre progressistas e conservadoras. Afinal, são as espertas lideranças neoliberais que querem os recursos públicos a serviço exclusivo dos interesses privados.



 


* Wagner Gomes é vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT)