Historiador cobra paradeiro dos mortos no Araguaia

“Fomos derrotados, mas é com a derrota que acumulamos experiências para outras vitórias”, disse o historiador Augusto Buonicore, do PCdoB. E cobrou: o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está fazendo muito pouco para tentar localizar os mortos e desapa

Em 1966, os comunistas começaram a chegar na região do Araguaia, no Amazonas, para montar uma resistência ao regime militar a partir do campo. Em 12 de abril de 1972, há exatos 35 anos, as Forças Armadas fizeram o primeiro ataque com 20 soldados do Exército, deflagrando a Guerrilha do Araguaia. Naquela época, 69 comunistas estavam na área do Bico do Papagaio, entre Pará, Maranhão e Goiás (na parte em que hoje é o Tocantins), integrados à comunidade, como médicos, comerciantes, enfermeiras. Preparavam os camponeses para a luta armada.


 


Venceram o primeiro ataque, o segundo, mas sucumbiram, por subestimar as forças militares, ao terceiro ataque. O resultado foi 75 mortos (58 guerrilheiros e 17 camponeses). Apenas uma guerrilheira, até agora, teve o corpo localizado e identificado. Os outros 57 estão na listas dos mortos e desaparecidos políticos do Brasil.



Para alguns, a Guerrilha do Araguaia foi um movimento inconseqüente do PCdoB, o partido que comandou a tentativa de revolta camponesa. Para outros, foi o principal movimento de resistência à ditadura, onde os guerrilheiros são vistos como heróis. O historiador Augusto Buonicore, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e membro do Comitê Central do PCdoB, coloca os guerrilheiros na categoria de heróis.


 


Correio Popular – Qual o significado histórico da Guerrilha do Araguaia para o País?



Augusto Buonicore – Foi um fato inédito, foi o principal movimento de contestação ao governo brasileiro desde Canudos. Foi também a maior movimentação de tropas desde a Segunda Guerra Mundial. Foram 10 mil soldados da Marinha, Aeronáutica e Exército que se mobilizaram para derrotar a guerrilha. Foi também a primeira tentativa no Brasil de realizar uma guerra popular prolongada, com uma concepção influenciada pela China. Era uma guerrilha do campo. Ela assumiu o projeto de se vincular ao povo da região, se inserir como camponeses, como pequenos comerciantes, médicos, engenheiros, que acabaram prestando serviços a comunidade. Com isso, houve um enraizamento muito grande do pessoal da guerrilha junto a comunidade. Tanto que a cada dia temos notícias do grande número de camponeses que aderiram à guerrilha.



 


P – Se os guerrilheiros tiveram adesão da comunidade, então por que fracassou militarmente?



 


R – Por várias razões. A guerrilha não foi planejada para eclodir em 12 de abril de 1972. Na verdade, em 12 de abril eles foram descobertos. Eles começaram a ir para a região em 1966. O fluxo maior foi em 1968. Em abril de 72 era ainda uma fase de contato inicial. Quando foram atacados, eles contaram com duas opções: fugir ou resistir. Tanto que a primeira denominação do movimento era Resistência do Araguaia. O fato é que quando foram descobertos não estavam preparados, estavam mal armados, sem equipamentos. Eles mal tinham começado o trabalho político na região.



 


P – Mas os comunistas acharam que conseguiram montar uma força de resistência no campo sem ser descobertos?



 


R – Houve, por parte dos comunistas, uma subestimação da força do regime. O Araguaia ocorre justamente no momento do reverso do milagre econômico. A maior revolta vai de 66 a 69, com grandes manifestações de rua, com a crise econômica, a recessão brava. Foi uma fase muito ruim. Mas a guerrilha foi atingida por três campanhas militares e venceu duas. Na primeira, entre abril e junho, os militares invadiram a região com recrutas inexperientes, com soldados com medo de entrar na selva e que acabaram fugindo. Isso criou um clima de otimismo e muitos camponeses acabaram aderindo à guerrilha. Em setembro de 72, o Exército voltou e novamente é derrotado. Isso criou nos comunistas a ilusão de que eram invencíveis. A terceira campanha demorou um ano e foi fatal.



 


P – Com um numero tão pequeno de guerrilheiros no Araguaia, por que o PCdoB não enviou mais gente para lá?



 


R – Porque o regime tomou duas medidas para segurar a guerrilha. A primeira foi destroçar o PCdoB nas cidades, prendendo e executando os membros do partido. Foi um massacre. O propósito era romper o elo essencial do partido com a guerrilha. Outra coisa foi que o regime articulou a repressão política com assistencialismo. Começaram a fazer assistencialismo para cooptar a população. Tanto que a população era muito favorável ao governo. Outra coisa feita pelo regime foi aumentar a presença de órgãos de informação, infiltrando sargentos e cabos na guerrilha. Disso surgiu um manto de silêncio duro para vetar qualquer informação sobre o Araguaia.



 


P – A China chegou a dar apoio à guerrilha?



 


R – Materialmente, não. O que ela fazia muito, China e Albania, era divulgar mundialmente a guerrilha.



 


P – Com a guerrilha urbana destroçada, como é que as informações do interior da Amazonia chegavam à China?



 


R – Até hoje isso é uma incógnita. Nunca acharam nenhum rádio-transmissor. Tinha uma batalha no Interior do Pará e no dia seguinte a notícia estava sendo veiculada no jornal de Tirana, na Rádio de Pequim. O João Amazonas (líder comunista) nunca contou como era isso.



 


P – Com o distanciamento de 35 anos, a Guerrilha do Araguaia não foi um movimento romântico, ou inconseqüente, de um grupo de comunistas achando que poderia mudar o País a partir do campo?



 


R – Eu não diria inconseqüente, talvez romântico. Mas todos os movimentos, como Canudos, as Sabinadas, a revolta dos marinheiros em 64, tudo esteve envolvo em um certo romantismo. Mas é isso que move a história. Lamarca foi romântico, Marighela foi romântico. Mas se não fosse aquela resistência pequena e desarticulada… E aquilo era uma resposta à truculência urbana.



 


P – A Guerrilha do Araguaia moveu a história do País?



 


R – Acho que moveu. Mas não foi só ela.s um dos movimentos nacionais.



 


P – Há algum empenho do governo Lula em esclarecer essas mortes na Guerrilha do Araguaia?



 


R – O apoio é muito pequeno. Todos os governos pós-abertura fizeram esforços muito pequenos, porque a força das Forças Armadas é muito grande para impedir liberação de documentos. A resistência das Forças Armadas é muito forte. Só uma pessoa foi localizada até agora, o que demonstra o descaso do governo com as famílias dos desaparecidos políticos.



Em Campinas guerrilheiros são nome de rua



Embora a região de Campinas tenha tido uma participação importante na resistência ao regime militar, não há registros de participação da militância política local na Guerrilha do Araguaia. Mas nem por isso Campinas deixou de homenagear os 58 militantes do PCdoB mortos em 1972, no Araguaia. Todos eles são nomes de rua na Vila Esperança, na região Noroeste da cidade.



“A intenção foi homenagear as pessoas que foram símbolo da resistência e deram a vida para que o País pudesse caminhar rumo à democracia”, contou o vereador Sérgio Benassi (PCdoB), autor do projeto de lei que deu o nome de guerrilheiros às ruas do bairro.



Benassi contou que a idéia surgiu logo após a identificação da guerrilheira Maria Lúcia Le Petit pela Unicamp. “Tínhamos apenas uma companheira identificada. Só a família dela sabia, como ainda ocorre hoje, onde ela estaria sepultada. O nome de rua aos mortos e desaparecidos na guerrilha foi uma homenagem a eles”, afirmou.
O cinema e a literatura também prestam homenagens aos mortos no Araguaia. Em Campinas, o Cine Paradiso exibe de hoje a 19 de abril, às 19h, o filme Araguaya, a Conspiração do Silêncio, de Ronaldo Duque. O jornalista Bruno Ribeiro, do Correio Popular, vai contar em livro a vida de Helenira Resende, morta pelas forças federais no Araguaia. O historiador Bernardo Joffily contará a biografia de Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão.


 


Fonte: Correio Popular