Etanol, Alca e os planos da família Bush no Brasil

Por Bernardo Joffily*
O projeto brasileiro do etanol se fortaleceu esta semana: obteve o apoio explícito de Hugo Chávez, que andava criticando a alternativa, e de todos os participantes da Cúpula Energética Sul-Americana. Porém há interesses diferentes

Ao concluir sua visita a Brasília, nesta terça-feira, Jeb (o apelido vem das iniciais de John Ellis Bush) defendeu o sim da sobretaxa que os Estados Unidos cobram sobre o etanol brasileiro (hoje de US$ 0,14 por litro, mais 2,5% sobre o preço de importação), o que, claro, lhe valeu aplausos. Quando o seu irmão George esteve aqui no mês passado e a imprensa indagou a respeito, a resposta foi curta e seca: quem decide isso é o Congresso americano, que já decidiu, até 2009.



O Tio Sam está querendo conhecer o nosso etanol



Jeb é algo mais do que um irmão de George que se interessa por alternativas energéticas. Foi por duas vezes governador da Flórida pelo Partido Republicano, depois de uma carreira empresarial que começou em um banco do Texas e incluiu associações com a máfia anticubana de Miami. E com o interesse de George pelo biocombustível, tornou-se um dos pivôs do assunto nos EUA.



Um outro pivô é Greg Manuel, conselheiro de Condoleezza Rice – coordenador do setor de Energia do Departamento de Estado. Manuel assumiu o cargo em outubro passado; desde então já esteve seis vezes no Brasil.



De onde vem o súbito interesse do Tio Sam pelo etanol brasileiro? Ele pode ser visto como simetricamente oposto ao que levou Hugo Chávez, e, com maior radicalidade, Fidel Castro, a questionarem o projeto do etanol. Hoje, tanto cubanos como bolivarianos esclarecem que nada têm contra a alternativa energética em si, ou os planos brasileiros com ela. Mas mantêm o ataque aos planos da administração Bush.
Conheça uma ONG chamada Florida FTAA



E quais são mesmo esses planos? Uma forma de conhecê-los é visitar o sítio www.floridaftaa.org e conhecer a história da Florida FTAA, uma ONG que é unha e carne com Jeb Bush e obteve grossos subsídios governamentais enquanto ele foi governador.



FTAA é a sigla em inglês da famigerada Alca (Área de Livre Comércio das Américas). A organização foi criada, primitivamente, para faser lobby a favor da escolha da Flórida como sede desse projeto neocolonial estadunidense. O site conserva elementos dessa origem.



A Alca, porém, morreu (embora formalmente esteja apenas congelada), vítima da onda antineoliberal na América Latina. Imediatamente o diretor-executivo da Florida FTAA na época, Brian Dean, homem de Jeb Bush, anunciou quea ONG estava “focando os seus objetivos para se adaptar a um emperramento maior que o esperado das negociações da Alca”. E se adaptou: “Já que não saiu a Alca, vamos de álcool”, proclamou Dean agora diretor-executivo da Comissão Interamericana de Etanol.



“Oportunidades de negócio” em curso



O site da ONG, com versões em inglês e espanhol, exibe vários artigos entusiasmados sobre seu novo foco. Um deles, ilustrado pelas bandeiras cruzadas dos EUA e do Brasil, é o que Lula publicou no jornal Washington Post. No alto da home page, o anúncio de uma palestra, quarta-feira que vem (25): “O que está por trás da propaganda? Quais as oportunidades potenciais de negócio na América Latina? E o que o fenômeno do etanol significa para o sul da Flórida?”



A Florida FTAA não faz segredo do seu viés político. Ataca Fidel e Chávez e defende a necessidade de tirar o trunfo do petróleo das mãos dos “inimigos do nosso país” – expressão usada também por Jeb Bush, talvez pensando em seu irmão George e sua desastrada carnificina iraquiana.



Quanto às “oportunidades de negócio”, já estão em curso. O recém criado Infinity Bio-Energy, tem um capital de US$ 500 milhões para alocar em ativos do segmento sucro-alcooleiro, no Brasil e em outros países latinoamericanos. Só aqui o fundo já controla duas usinas de açúcar e álcool e está investindo em uma terceira. Outros fundos internacionais também anunciaram que estão apostando suas fichas em açúcar e álcool no Brasil.



Quem são os “verdadeiros heróis”



Os atrativos dos biocombustíveis em geral e do etanol de cana em particular são consideráveis. É uma alternativa ao petróleo, renovável, menos poluente, mais geradora de postos de trabalho, acessível a muitos países pobres do Sul. As vantagens para o Brasil são particularmente notáveis, devido à sua tradição e pioneirismo tecnológico no ramo, além da excepcional combinação de água, sol e terras. O professor da Unicamp Rogério Cerqueira Leite lembra, em artigo publicado neste domingo, que o etanol americano fermentado do milho, gera um saldo energético de apenas 20%, enquanto no caso da cana brasileira o saldo é de 850%.



Lula portanto tem bons motivos quando enche a boca para proclamar o Brasil como “potência energética do século 21”. Mas evidentemente está errado quando chama os usineiros de “verdadeiros heróis nacionais”. E ainda precisa se cuidar com a chegada ao Brasil de outros “heróis”, transnacionais, adeptos do álcool como substitutivo da Alca.



Tecnologias são tecnologias. Seus resultados no fundo dependem de quem, como e para que as aplica. O mesmo álcool combustível pode catapultar o “Brasil potência energética”, mas também criar uma agricultura com concentração de terras ainda maior nas mãos do latifúndio, desnacionalização de um segmento hoje sob controle nacional e multiplicação das mortes de cortadores de cana por estafa (18 nos últimos três anos só no estado de São Paulo, segundo a Pastoral da Terra).



Alberto Broch, vice-presidente da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) manifesta “duas preocupações” quando comenta o tema: “Uma é com o modelo de desenvolvimento. Não podemos transformar algumas regiões do país em um 'mar de cana'. Precisamos focar no desenvolvimento e na sustentabilidade. A segunda é o respeito aos trabalhadores rurais assalariados. As negociações coletivas de trabalho, o fim daquilo que nos envergonha e que ainda vemos em algumas regiões, que é o trabalho escravo. A participação no lucro. Pedimos atenção a esses dois pontos na questão do etanol”, adverte o representante dos verdadeiros heróis-trabalhadores do biocombustível.



Veja também, do mesmo autor, MST não tem razão quando ataca o etanol