O caráter histórico da luta contra a “Emenda 3”
Por Wagner Gomes, vice-presidente da CUT
Os atos e manifestações desta segunda-feira (23) contra a “Emenda 3” podem ser creditados na conta da luta histórica do trabalho contra o capital. Eles são apenas uma parte dessa batalha que começou há muito tem
Publicado 23/04/2007 16:45
As paralisações e os protestos ocorridos nesta segunda feira (23) foram uma clara demonstração de apoio dos trabalhadores ao veto presidencial à “Emenda 3”. A amplitude do movimento que se alastrou pelo país serve de alerta para a gravidade da situação. Convocados pelas centrais, estes atos se inserem numa luta que pode ser definida como secular. A tentativa de restringir direitos trabalhistas faz parte de um conflito de classes permanente, que nos dias atuais implica em uma disputa ideológica mais acirrada.
O discurso contra a legislação trabalhista ganhou corpo com o aparecimento de várias propostas destinadas a ''reformar'', com intensidades variadas, a CLT e a Constituição desde que os liberais assumiram o poder no Brasil — primeiro com Fernando Collor de Mello e depois com Fernando Henrique Cardoso (FHC). Apesar de apresentar sinais de mutilação, a legislação trabalhista se manteve graças à luta dos trabalhadores contra o neoliberalismo.
Lutas heróicas
Na prática, o patronato vem tentando restabelecer a ordem criada com o golpe militar de 1964, que inaugurou a gestão econômica do país por meio de uma tecnocracia a serviço dos negócios privados dentro do Estado. Ali os trabalhadores sofreram uma extensa e profunda derrota. Recuperamos terreno nos anos 80, principalmente na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, quando foram consagradas muitas conquistas pelos quais os trabalhadores lutam desde os primeiros passos da revolução industrial em nosso país. Graças a elas, o capitalismo no Brasil foi obrigado a adotar uma lógica menos selvagem.
É preciso perceber, evidentemente, que nem tudo na legislação trabalhista é acerto. Mas é preciso perceber também que nem tudo é fracasso. O fundamental é entender que nossas leis trabalhistas são a síntese do embate entre capital e trabalho que atravessou todo o século 20 e refletem nossas vitórias e derrotas. Até os anos 40, os trabalhadores empregaram lutas heróicas e, aos trancos e barrancos, foram arrancando conquistas aqui e ali. Pode-se afirmar que as refregas das três primeiras décadas daquele século representaram verdadeiras aulas de organização em sindicatos e federações, e inculcaram a primeira noção de força nos trabalhadores brasileiros.
Estado algemado
Quando o governo do presidente Getúlio Vargas instituiu a CLT, no dia 1º de maio de 1943, ele reuniu em um sistema único todas as leis trabalhistas aprovadas anteriormente. Grande parte delas são artigos que devem ser avaliados como importantes conquistas e que nunca foram aceitas pelo capital. Até hoje, os traços positivos e negativos da CLT — apesar das importantes correções feitas pela Constituição de 1988 — persistem e são reflexos das conquistas e das derrotas dos trabalhadores ao longo deste embate histórico. Hoje, estamos escrevendo mais um capítulo desta história.
O Estado brasileiro, profundamente contraditório devido aos contrastes sociais e às acirradas disputas de classes, ao longo desse tempo teve de abandonar sua postura de representar exclusivamente o capital — e uma pequena e poderosa elite — e absorver elementos democráticos para sua relação com o trabalho. Nos anos 90, com a “era FHC” o Estado foi algemado pela ideologia liberal e sofremos novos reveses. Além do medíocre crescimento da economia, instauraram-se reestruturações produtivas, terceirizações, reengenharias — processos que forçaram a redução do quadro de pessoal e a precarização das relações de trabalho.
A volta à escravidão
Quem ficou empregado teve suas atribuições aumentadas e passou a trabalhar muito mais. Quem saiu foi obrigado a procurar alternativas menos rentáveis e mais cansativas, na busca de brechas no mercado informal. Como o país não saiu do atoleiro econômico no qual a “era FHC” o conduziu, mais uma vez o patronato tenta descarregar a crise nas costas dos trabalhadores — atribuindo os percalços do país à nossa legislação trabalhista. O trabalhador brasileiro, no entanto, acumula uma jornada de 44 horas semanais, contra uma média de 41,3 no Japão e 40 nos Estados Unidos. O custo por hora trabalhada na indústria de transformação brasileira é de cerca de 3 dólares. Na Coréia do Sul é de aproximadamente 4 dólares, no Japão 13 dólares e nos Estados Unidos 15 dólares.
Esses números afastam a idéia de um brasileiro que trabalha pouco e custa muito — o famigerado ''custo Brasil'' — e de um país que não sai da marcha lenta em decorrência das amarras impostas pela legislação trabalhista. A questão é que o cenário político nacional está permeado por interesses que se conflitam. Muitos desses interesses estão dentro do próprio Estado. Mesmo no governo existem aqueles que defendem a velha máxima de que governar é como tocar violino: a gente pega com a esquerda e toca com a direita. Aos trabalhadores cabe a tarefa de impedir a abolição de direitos em nosso país — o que equivaleria a remeter uma parcela dos trabalhadores de volta à escravidão. Nesse ritmo, os liberais brasileiros tentarão chegar à ''reforma'' da Lei Áurea.