Furacão: juiz preso joga a culpa no governo e reclama da prisão

O juiz Ricardo Regueira, denunciado por venda de decisões judiciais, defendeu ontem suas medidas em favor de casas de bingo e culpou ora o governo ora o Ministério Público e a Polícia Federal por sua prisão.

Ele negou ter recebido valores por decisões e disse ser perseguido por ser “independente”, o que incomoda o Executivo. “Essa história foi inventada pelo governo, que incentiva a atividade depois a proíbe, e quem termina pagando são os contribuintes. Sonega direitos, depois cria operações espetaculosas [da PF]”, disse Regueira, que é juiz do TRF (Tribunal Regional Federal) da 2ª Região, em entrevista na sede do órgão.


 


Regueira citou até o presidente da República e os ministros como “culpados”. “Quem é que define a política econômica? Quem sonega os direitos são o ministro da Fazenda, o presidente da República.”


 


Mais adiante, disse: “Atribuo isso ao MPF e à PF. Há gente que dobra a espinha e há quem não dobra. Pertenço à segunda categoria. Não tenho mais medo de nada, todos os meus medos foram exorcizados. Não vou mudar minhas convicções porque os outros querem.”


 


Segundo a denúncia do MPF, Regueira mantinha “vínculos com a organização criminosa”, como demonstram duas decisões favoráveis aos bingos e escutas ambientais no gabinete de Carreira Alvim. Ontem, o juiz se recusou a falar sobre a gravação: “Não nego nada, não falo sobre isso: está sob sigilo”.


 


O juiz do TRF contestou as acusações de vender liminares e de ter cooptado o colega. Chamou as denúncias de “ridículas” e “absolutamente falsas”. “Não me consta que seja proibido decidir. É função precípua de quem integra o Judiciário, e o juiz não pode ser punido por decisões que tomou”, declarou. Segundo o juiz, “o esquema é uma fantasia, não existe.”


 


Ele contestou trecho da denúncia segundo o qual mantinha “sofisticado esquema de proteção” no gabinete –ele negou ter o equipamento. Disse que a PF não apreendeu planilha segundo a qual teria recebido R$ 119.146,37 em 1999 e 2000, e que não esteve em reunião com bingueiros em restaurante do contraventor Antônio Kalil.


 


Usando uma argumentação quase risível para os padrões da cúpula do judiciário, o advogado Nélio Machado, que faz a defesa do desembargador, afirmou que os R$ 119 mil que Regueira recebeu “pode ser ganho de dinheiro com familiar, e provavelmente será”. Machado argumentou que a família – “particularmente” a mulher do desembargador, a juíza federal Lana Maria Fontes Regueira, titular da 8.ª Vara Federal – “freqüenta e gosta de bingo”. “Isso é não é fato criminoso. Nunca foi “, declarou o advogado. Segundo a denúncia do Ministério da Polícia Federal (MPF), no entanto, “não é razoável acreditar que o denunciado, ou sua esposa, freqüentem quase que diariamente bingos e que ganhem, todos os dias, valores de tal monta que somados atinjam a elevada cifra de R$ 119.146,37”.


 


Regueira, que no exercício da função já mandou para a prisão muitos réus, reclamou do próprio cárcere em Brasília (“infecta e com vaso entupido”), da comida, de ter de limpar a cela e da truculência dos policiais. Disse ter sido obrigado a dormir no chão e a usar o banheiro de porta aberta: “Já pensou ir ao banheiro com o camarada olhando, com fuzil? Fazer as necessidades fisiológicas com a porta aberta e um Rambo à porta.” Protestou contra o exame de corpo de delito. “Fomos obrigados a fazer exame nus, na frente de uma médica, que, usando expressões um tanto quanto chulas, mandou: “levante o saco”.


 


A Procuradoria-Geral da República afirmou que “não há perseguição no MPF. Existe investigação na qual foram encontrados fortes indícios de envolvimento dos denunciados na prática de crime de corrupção passiva, formação de quadrilha e prevaricação. O trabalho do procurador-geral é pautado pela atuação estritamente dentro dos fatos investigados.”


 


Da redação,
com informações da Folha de S.Paulo