Aborto: declarações de Lula reforçam visão científica da questão
A proximidade da visita do Papa Bento XVI ao Brasil fez com que integrantes da Igreja católica e parte da imprensa colocassem a questão do aborto na pauta política. Em duas oportunidades, na segunda-feira (7) e ontem (8), o presidente Luiz Inácio Lula
Publicado 08/05/2007 20:06
por Cláudio Gonzalez
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirmou hoje, em entrevista em São José (SC) que é contra o aborto, mas que como chefe de Estado tem que tratar o assunto como questão de saúde pública. Ao ser perguntado se a Igreja não precisaria se modernizar, Lula disse que a Igreja tem autonomia e idade para tomar as decisões que melhor lhe convém.
“Eu fiz questão de dizer ontem (em entrevista a emissoras católicas), não apenas como presidente, mas como cidadão, que na minha história política sou contra o aborto. Mas enquanto chefe de Estado acho que o aborto tem de ser tratado como questão de saúde pública”, afirmou.
“Como é que nós vamos fazer se ele (aborto) existe e se nós sabemos que normalmente são pessoas que não têm nenhuma condição de assistência, que são vítimas do aborto? É preciso que a gente cuide disso com a realidade que temos de tratar. Só isso”, afirmou.
Ontem (7), em entrevista a uma rede de rádios católicas, Lula já havia afirmado ser pessoalmente contrário ao aborto, mas apesar disso disse ser favorável a que o Estado dê assistência às mulheres que optem por interromper a gravidez.
“Eu tenho duas posições. Eu tenho a posição de pai e de marido, e de cidadão, e tenho um comportamento de presidente da República. São duas coisas totalmente distintas. Primeiro, eu tenho dito, na minha vida política, que sou contra o aborto. E tenho dito publicamente que não acredito que ninguém faça aborto por opção ou por prazer”, afirmou o presidente às rádios Rede Católica, Aparecida, Nova Aliança de Brasília e Difusora de Goiânia.
Lula evitou falar diretamente sobre a legalização do aborto, mas afirmou que o estado deve saber “dimensionar quando uma jovem desesperada, numa gravidez indesejada, corre à procura de um aborto”.
“O meu sonho é que as pessoas tenham uma educação tão desejada e tão perfeita que não precisem ficar grávidas sem desejar. Este é o meu desejo. Agora, enquanto isso não acontece, o Estado precisa assumir a responsabilidade de cuidar de milhões de pessoas, ao longo de décadas, que às vezes ficam grávidas sem querer ficar grávidas”, disse Lula.
Ministro defende legalização
As declarações do presidente reforçam as iniciativas do ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que recentemente defendeu que se abra na sociedade o debate sobre o aborto, inclusive com a possibilidade de realização de um plebiscito para decidir se o aborto deve ou não continuar sendo considerado crime. O ministro tam,bém reafirmou sua convicção pessoal de que a legalização do aborto seria uma iniciativa positiva.
No Brasil, assim como em alguns outros países, o aborto só pode ser realizado em casos de estupro ou risco de morte para a mulher. Ou ainda nos casos em que o feto nasce sem cérebro, após autorização judicial.
Para o ministro, o aborto é, antes de tudo, uma questão de saúde pública. Isso considerando que somente no ano passado o Sistema Único de Saúde realizou 2 mil abortos, mas 220 mil curetagens – procedimento de raspagem do útero, necessário depois do aborto.
O médico alega ainda que com a legalização, o aborto poderia ser feito sem colocar em risco a vida das mulheres, pois somente em 2006 o Ministério da Saúde gastou R$ 35 milhões com a internação dessas mulheres.
Apesar da polêmica ser antiga, o plebiscito é recente, portanto ainda não foi feito nenhum estudo para saber quanto a legalização do aborto custaria aos cofres públicos. O que se sabe, é que nas mãos de especialistas, muitas vidas seriam poupadas, e as clínicas clandestinas, geralmente sem nenhuma estrutura e com pessoas sem nenhuma formação na área da saúde, desapareceriam.
Pressão da Igreja
A cúpula da igreja católica é quem mais têm pressionado o governo a boicotar o debate sobre a legalização do aborto. E não satisfeita em pressionar o governo em relação ao aborto, líderes da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) também começam a questionar as iniciativas do governo em relação à educação sexual.
Nesta semana, o presidente da CNBB, cardeal Dom Geraldo Majella, disse que o programa de educação sexual do governo federal induz à promiscuidade, ao promover a distribuição de preservativos.
“Favorecer uma educação, para quê? Para estimular a precocidade da criança, do adolescente, como no caso da camisinha. Será que isso é educativo? Isso é induzir todos à promiscuidade”, afirmou dom Geraldo em entrevista à BBC Brasil.
Dom Geraldo também criticou a iniciativa do ministro da Saúde de promover um debate sobre o aborto, e disse que se houver um plebiscito para legalizar a prática, a Igreja fará uma grande campanha para incentivar os fiéis a votarem contra.
Manifestação em Brasília
Já nesta terça-feira, um grupo de católicos, evangélicos e religiosos de diversas denominações fizeram uma manifestação em Brasília contra o aborto. A “Marcha contra o Aborto: Vida Sim, Aborto Não!” saiu da Catedral de Brasília, por volta das 15 horas, em direção ao Palácio do Planalto para entregar ao presidente Lula um documento contra o aborto, que não pode recebê-los. Às 17h30, os religiosos teriam um encontro marcado com o presidente do Senado, Renan Calheiros e às 18h com o vice-presidente da República, José de Alencar. Cerca de duas mil pessoas participaram do ato.
Um dos líderes da manifestação, o deputado Luiz Bassuna (PT-BA), integrante da Frente Parlamentar contra o Aborto, disse que “o povo deve mobilizar-se para fazer com que Lula reflita e escute a prédica de Bento XVI a favor da vida na quinta-feira”, quando ambos se encontram em São Paulo.
Para Bassuna –que age contra a orientação de seu partido–, não se pode entender o aborto como “uma questão de saúde pública” porque, em sua opinião, se trata de uma “questão espiritual, de alma, não estamos falando do orçamento para as estradas, por isso o Papa está certo e precisa falar disso com Lula.
Sem polêmica com o Papa
É esse posicionamento cada vez mais retrógrado da Igreja que fez com que a imprensa relacionasse a questão do aborto com a visita do Papa Bento XVI ao Brasil.
Nesta terça-feira, o porta-voz da Presidência da República, Marcelo Baumbach, afirmou que O aborto e o uso de preservativos ficaram de fora da pauta do encontro reservado entre o presidente e o Papa Bento XVI. “Isso vai depender da dinâmica da discussão”, disse. Segundo a Presidência da República, o presidente Lula tem “especial interesse” em abordar dois temas durante o encontro: a desintegração da família e programas voltados para a juventude.