L'Humanité: Direita linha-dura se instala no Eliseu
Por Jean-Paul Piérot, no diário comunista francês*
Com uma participação eleitoral recorde (86%), os franceses deram uma maioria de 53% ao candidato da UMP [União por um Movimento Popular], Nicolas Sarkozy. Ainda que a notícia
Publicado 08/05/2007 19:38
Este resultado foi obtido em um contexto de participação eleitoral extremamente elevada. O comparecimento foi ainda mais alto que no primeiro turno (86% e 85%).
Se o segundo turno deu lugar a uma mobilização reforçada dos eleitores, não assistimos à esperada reação democrática, capaz de barrar o avanço de uma direita dura e sem complexos, que reciclou as idéias da extrema direita. Em 2002 [na eleição presidencial anterior] estas mesmas idéias, então encarnadas por [Jean-Marie] Le Pen, tinham sido rejeitadas por 82% dos franceses, que por esta precisa razão se decidiram a votar em [Jacques] Chirac.
Demagogia e populismo
Abre-se agora portanto uma situação política extremamente grave. Nicolas Sarkozy sentiu-se legitimado para por em ação um projeto ultraliberal, repressivo face aos sindicatos, generoso para com os ricos, estigmatizante para com os pobres, os desempregados, os imigrantes.
Por sua vez, a esquerda, em todos os seus componentes, sai desta prova extremamente debilitada. O Partido Socialista [PS, social-democrata] é derrotado pela segunda vez consecutiva [a primeira foi a de Lionel Jospin] em uma eleição presidencial. Fato raríssimo na história política da França nos últimos 25 anos: uma eleição majoritária não desembocou numa alternância no poder.
Em sua primeira declaração, assim que foi eleito, Nicolas Sarkozy hasteou de novo o lema ''Trabalho, autoridade, respeito, mérito'', defendeu a ''identidade nacional'' e rejeitou ''o arrependimento''. Ao longo das últimas semanas, ele explorara todos os tons da demagogia e do populismo.
''Eu sou o candidato do povo'', repetira o homem de Neuilly [berço político de Sarkozy, cidade aristocrática no oeste da Grande Paris, onde as moradias populares são apenas 2,5%], o favorito do Medef [a poderosa confederação patronal francesa], ministro desde Édouard Balladur em 1993.
Sempre preconizando um programa abertamente liberal, que fragilizaria ainda mais o mundo do trabalho, ele não economizou declarações inflamadas posando de salvador da pátria face às transferências de empresas para fora do país, a política do Banco Central Europeu, os baixos salários… Ao mesmo tempo, a fim de arregimentar toda a direita mais retrógrada e atrair os votos da FN [Frente Nacional, de Le Pen], que efetivamente apoiaram em grande escala sua candidatura, Sarkozy envergou a armadura de um cruzado contra a herança do Maio de 1968 [grande explosão de revolta juvenil de estudantes e trabalhadores] e bajulou os nostálgicos do colonialismo.
Após cinco anos de direita no poder (transferências de empresas, demissões, privatizações, expansão da pobreza e da precariedade, mas também das derrotas nas eleições regionais de 2004 e no referendo sobre a Constituição Européia em 2005, vitória dos jovens), havia todos os ingredientes para a derrota de um chefe da UMP que foi o mais influente ministro dos governos Raffarin e Villepin. Sarkozy conseguiu flanquear essa avaliação.
A derrota da campanha do PDS
O primeiro turnohavia estabelecido uma correlação de forças desfavorável à candidata socialista. Com 25,8% dos votos, ela chegava à competição final com uma desvantagem de 5 pontos face ao chefe da UMP (31%). O crescimento de François Bayrou [candidato centrista da UDF] (18,5%, contra 6,8% em 2002) deve-se, em parte, ao desalento de eleitores socialistas pouco convencidos pela campanha de sua candidata, produzindo um ''voto tático'' em favor daquele que, ao seu ver, teria melhores chances para derrotar Sarkozy.
Os outros candidatos da esquerda somaram pouco mais de 10%. Com isso, a postulante ao Eliseu (Palácio do Eliseu, sede da Presidência da República) começava a campanha do segundo turno com menos de 40% dos sufrágios.
François Bayrou aproveitou essa fraqueza para permanecer no jogo do segundo turno. Chegou mesmo a participar de um debate pelo rádio e TV com Ségolène Royal. A conquista dos 6,5 milhões de votos do centro logo se tornaria o objetivo principal da candidata socialista. Quinta-feira, em Lille, Ségolène Royal afirmava: ''Se eu sou eleita, trabalharei com o centro e particularmente com François Bayrou''. Ela relançava assim o debate sobre uma aliança entre o PS e os centristas, defendida por muitas pessoas do seu partido, como Michel Rocard.
A aproximação com Bayrou baralhou as fronteiras no eleitorado de esquerda, com um resultado medíocre: 40% dos eleitores de François Bayrou teriam votado em Ségolène, e outros tantos em Sarkozy.
Na reta final de sua campanha, a candidata mostrou-se mais combativa, especialmente no debate televisivo com Sarkozy, sem reverter a tendência. O comício em Chartéty foi um êxito incontestável. Mas era tarde demais para gerar uma dinâmica de esquerda vitoriosa.
A resposta das legislativas
Domingo à noite, em sua primeira declaração, Ségolène Royal, discreta sobre as conseqüências da eleição de Nocolas Sarkozy, sugeriu implicitamente que a recomposição política em direção dos amigos de François Bayrou permanecia atual. Ela diz pretender trabalhar ''pela renovação da esquerda, por novas convergências para além de nossas fronteiras atuais''.
Qual lição o PS vai tirar dessa derrota? Desde o domingo as primeiras críticas se fizeram ouvir, vindas dos dois ex-concorrentes de Ségolène na escolha da candidatura do partido.
Laurent Fabius [um dos dirigentes do PS, apoiou o ''Não'' no referendo] observa que ''a bandeira da esquerda está por terra'' e adverte a direção do PS para que a campanha às eleições legislativas (em 10 de junho) seja vista ''coletivamente''. Fabius prega ''uma esquerda descomplexada, que assuma seus valores'' [jogo de palavras com Sarkozy, que defendeu uma ''direita descomplexada'']. Critica como ''social-democrata'' a DSK [Dominique Strauss-Kahn, outra pré-candidata do PS), visando implicitamente François Hollande. ''Acabamos de passar cinco anos sem nos renovar. É um julgamento severo o bastante sobre o modo como o PS funcionou'', diz.
O próprio François Hollande [outro dos ''elefantes do PS'', marido de Ségolène] reconhecia no domingo a existência de ''erros'' na campanha conduzida pela candidata. ''Sem dúvida ela não falou o suficiente de propostas concretas'', avaliava.
*Fonte: http://www.humanite.fr/; as explicações entre colchetes são do tradutor