História: UNE do abolicionismo ao Estado Novo

Nos 70 anos da UNE o Vermelho inicia a publicação de uma série de artigos de Carolina Ruy, jornalista e colaboradora do Museu da Pessoa, sobre a história do movimento estudantil. O primeiro artigo passa pela a atuação de jovens ilustres d

Dos abolicionistas ao Estado Novo


 



Carolina Ruy*


 



A criação da UNE, em 1937, deu organicidade e continuidade aos movimentos sociais que já vinham sendo realizados pelos estudantes universitários brasileiros desde a época do Brasil colonial. Entre a luta pela entrada do Brasil na segunda Guerra Mundial ao lado dos aliados, nos anos 40, até o debate acerca do Prouni (Programa Universidade Para Todos) e sobre a Reforma Universitária, já nos marcos do governo Lula, se desenrolou uma história de lutas e conquistas. Nos últimos anos a entidade conseguiu realizar os maiores Congressos de sua história. Agora prepara-se para chegar aos 70 anos com força e fôlego para seguir adiante por mais e mais décadas.


 


No Brasil as primeiras faculdades foram fundadas relativamente tarde, se compararmos com outros países americanos; as primeiras surgiram já no século 16, no México e no Peru. No século 17, quando surgiu a primeira faculdade nos Estados Unidos (Harvard), na América Latina já existiam 13 universidades.


 


Os primeiros grupos de estudantes universitários começaram a mudar a cara das cidades em que se instalaram e tiveram grande participação na vida urbana que se formava no Brasil. São os cursos de medicina em Salvador e Rio de Janeiro e de direito em Olinda e São Paulo, no século 19. Desde então, a influência dos estudantes na vida social e política foi uma constante.


 


A cidade de São Paulo, por exemplo, ganha uma injeção de ânimo com a fundação da faculdade direito em 1827, que atraiu jovens estudantes do interior, do Rio de Janeiro e de outras províncias. Eles introduziram modas, novos hábitos, boemia e criaram a necessidade de tavernas, livrarias, questionaram crenças e tabus, contestavam o absolutismo e o lusitanismo e abraçaram a causa abolicionista. Muitos destes estudantes tiveram grande projeção como é o caso de: Fagundes Varela, José de Alencar, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Castro Alves.


 


A campanha pela República se desenvolveu praticamente ao mesmo tempo em que o abolicionismo. Muitos estudantes consideravam que os escravos seriam abolidos como conseqüência da Proclamação da República. Nesta época surgiram diversos clubes republicanos acadêmicos, nos quais destacaram-se nomes como: Júlio de Castilhos, Julio de Mesquita, Clóvis Bevilaqua, entre outros.


 


A Abolição e a Proclamação da República em 1889 acalmaram por um tempo os ânimos dos estudantes.


 


Ainda no século 19, os estudantes da Faculdade de Direito da Bahia, dirigiram um documento à Nação em que expressaram indignação quanto à ação militar em Canudos (1893 a 1897). Os estudantes diziam, no documento, que (…) consideram um crime a jugulação dos míseros conselheiristas aprisionados (…) e que (..) O Brasil republicano só há de prosperar quando estiverem consolidados certos hábitos, indispensáveis ao seu desenvolvimento normal; colocando que naquele momento a história da República atravessava um período de consolidação dos costumes (Rocha Pombo. História do Brasil, v. X, p. 431). Segundo o escritor e jornalista Arthur Poerner, este documento foi um dos primeiros manifestos estudantis do Brasil.


 


No início do 20 ocorrem manifestações esporádicas, principalmente dos jovens de escolas militares como a Revolta da Vacina, em 1904, a Revolta dos 18 do Forte (1922), a Revolução Paulista (1924), que se desdobra na Coluna Prestes. A derrota destes movimentos que se opunham à oligarquia que governava o Brasil canalizou forças, em 1930 conseguiram derrubar a república Velha quando Getúlio Vargas tomou o poder, em um governo que se estendeu até 1945.


 


Sentindo-se traídos por Getúlio Vargas, dois anos depois, muitos estudantes que defendiam o liberalismo econômico, voltaram-se também contra o seu governo e tiveram forte participação na guerra civil de São Paulo, conhecido como Movimento Constitucionalista, contra o regime inaugurado em 1930. Este movimento, durou de janeiro de 1932, com a realização de um grande comício na Praça da Sé, na capital paulista, até maio daquele ano, quando estudantes e populares atacaram redações de jornais governistas, tendo ocorrido a morte, no conflito de quatro estudantes de direito: Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo. Suas iniciais serviram, posteriormente, para designar o movimento paulista: MMDC. O levante paulista foi derrotado, mas Getúlio convocou uma assembléia constituinte que, dois anos depois, em 1934, promulgou uma nova Carta Magna.


 


Naquela época já eram muitos os grupos políticos que defendiam ideologias distintas. Como reação contra a revolução socialista que, vitoriosa na Rússia, em 1917, que pairava como um espectro sobre as repúblicas capitalistas, a década de 1930 assistiu a diversas formações de grupos de uma direita radical. No Brasil a Juventude Hitlerista era ligada ao partido nazista, que no Brasil, antes de 1937, chegou a ter quase três mil membros. Multiplicaram-se os conflitos entre estudantes democratas e de esquerda contra seus colegas militantes do movimento integralista. Neste contexto, juventude da ala progressista criou, no início de 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL).


 


A ANL foi fechada pelo governo Vargas em 11 de julho de 35 e o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que estava clandestino, com Luiz Carlos Prestes à frente, preparou um levante armado, deflagrado em novembro de 1935. O levante foi derrotado e Vargas, apresentando uma tendência claramente fascista, rasga a Constituição de 1934 impondo uma ditadura, em 1937, que passou à história com o nome de Estado Novo.


 


Neste mesmo ano surgiu a União Nacional dos Estudantes. Mas aí se inicia uma nova fase da história. (continua)


 


* Carolina Ruy, jornalista e colaboradora do Museu da Pessoa.