Wagner Gomes: ''Previdência precisa de fórum sem neoliberais''

Leia abaixo artigo de Wagner Gomes, vice-presidente da CUT, sobre as polêmicas que circundam a “reforma” da previdência possível. Entre as questões que a liderança sindical aponta estão às disputas fora e, especialmente, dentro do governo entre aqueles qu

Previdência: outro fórum é possível


 


Wagner Gomes*


 


As repetitivas fórmulas sobre o “déficit” da Previdência Social que aparecem diuturnamente na mídia são em parte demagogia, em parte malandragem de quem gostaria que se mexesse o máximo possível no atual sistema de aposentadoria a fim de se eximir de responsabilidades sociais. Muito pouco, ou nada, do que se ouve na ladainha a favor da “reforma” da Previdência faz algum sentido para quem vê a sociedade como um conjunto de pessoas com direitos e deveres iguais. É o caso da proposta de aposentadoria com base na idade mínima. Hoje, independente da idade, mulheres podem se aposentar com 30 anos de contribuição à Previdência e homens, com 35. Para professoras, a aposentadoria pode ser pedida com 25 anos de contribuição. Já os professores têm o mesmo direito com 30 anos de Previdência — exceto os universitários.


 


Ao falacioso argumento a favor do “déficit” – que aponta a seguridade social como sua causa fundamental – se somam as pressões dos interesses econômicos que querem a diminuição do déficit fiscal nominal às custas dos investimentos sociais. Um exemplo evidente disso é o saldo das contas da Previdência, que mostra um deslocamento de recursos que de uma forma ou de outra contribuem para o elevado superávit primário. Uma discussão séria sobre o assunto deve levar em conta este fator. A baixa participação do orçamento fiscal na seguridade social, a pequena contribuição do Estado como empregador, a isenção fiscal (filantropia), a retenção de recursos de impostos (como a CPMF e o ICMS), a sonegação fiscal e os baixos salários também precisam ser discutidas.


 


Fator previdenciário


 


Os neoliberais defendem também alterações no fator previdenciário, usado para calcular a renda, considerando o tempo de contribuição ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e a idade de cada um, além da expectativa de vida nacional, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O fator foi criado há sete anos para regular a aposentadoria de acordo com a expectativa de vida dos trabalhadores — quanto mais cedo se aposentam menores o valor do benefício. Essa proposta, formulada pelo conhecido economista neoliberal Fábio Giambiagi, autor do recém-lançado livro Reforma da Previdência e integrante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado os Ministério do Planejamento, também ganha força.


 


Os neoliberais do Ipea defendem, ainda, a desvinculação do aumento do salário mínimo do reajuste de 16 milhões de benefícios regulados pelo mesmo valor do piso nacional. Eles sugerem o fim dessa equiparação. Em pouco tempo, haveria aposentados ganhando abaixo do mínimo de recolhimentos para a Previdência. Eles discutem também as mudanças nas aposentadorias rurais por idade, totalmente subsidiadas pelo INSS, concedidas a quem tem 55 anos (mulher) ou 60 (homem). A idéia seria reduzir esse ''privilégio'' em relação ao trabalhador urbano.
 


Aspecto conceitual
 


O problema é apresentado como um Titanic, o coração do déficit público brasileiro. O mantra foi formulado na “era FHC”. ''A grande fragilidade do Real foi a ausência de um ajuste fiscal profundo desde o início'', diz o economista Edmar Bacha, associado ao banco BBA e um dos integrantes do grupo que se reuniu, sob o comando do então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Lara Resende, para estudar o “problema” da Previdência. Era uma imposição do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). ''Se o governo não conseguir resultados profundos nesse campo, só há duas soluções possíveis: calote na dívida ou volta da inflação, que, aliás, é um tipo de calote'', diz Bacha. Para ele, trata-se de um jogo de matar ou morrer. A questão é saber quem mata e quem morre.


 


O principal argumento usado pelos neoliberais é que a Constituição de 1988 foi aprovada na contramão da história. Dizem eles que a Assembléia Nacional Constituinte atribuiu ao Estado um papel e um peso na vida do país, distribuindo direitos para todo lado sem se preocupar com quem pagaria a fatura. Era o momento em que o “livre mercado” despontava como a salvação econômica do mundo. Os constituintes, afirmam os conservadores do Ipea, não sentaram para fazer as contas e a nova Carta tornou o país ingovernável porque a experiência doméstica e internacional já tinha mostrado não ter mais sentido o termo ''Constituição Cidadã'' – como proclamou o doutor Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte.


 


Disposição para a luta


 


Por isso, a direita parte para o ataque, investe pesado contra o direito de greve, flerta com o autoritarismo partidário — a inconstitucional cláusula de barreira é o maior exemplo disso — e uma corrente fortemente representada pela “grande imprensa” debocha às claras da nossa ''democracia permissiva'' aos movimentos sociais. Conviver com uma Constituição mutante é um problema. Em teoria, as constituições servem para garantir um arcabouço geral para o funcionamento dos países. São, portanto, uma espécie de alicerce sobre o qual se sustentam as demais leis. Se o alicerce é frágil, todo o corpo legal perde força. A luta pela preservação da Constituição, portanto, é uma dessas bandeiras mandatórias para o movimento sindical, inclusive pelo aspecto democrático que ela encerra.


 


Os motivos são reais. Para começo de conversa, a batalha reflete a disputa entre forças progressistas e conservadoras. Hoje, o principal alvo dos reformistas é o título da ordem social — no qual está inscrito todo o espectro da Previdência Social. Está aí um assunto que não se resolve apenas com conversas. O ambiente político está carregado por reivindicações econômicas de quem está pagando caro pela sobrevivência na crise econômica. E cristaliza-se entre os trabalhadores a impressão de que o presidente Luis Inácio Lula da Silva não tem medo de careta.”As contas da Previdência Social são um problema muito mais do Tesouro Nacional do que da própria Previdência”, disse ele recentemente. É sinal de disposição para a luta e de vontade de vencer. E nessa tarefa Lula precisa do apoio dos trabalhadores. Mas para isso, o assunto precisa ser debatido num fórum livre das influências dos economistas neoliberais do Ipea.


 


* Wagner Gomes é vice-presidente nacional da CUT