Compra da Chrysler por especuladores ameaça direitos trabalhistas

A montadora alemã DaimlerChrysler anunciou no dia 14 de maio que havia fechado a venda da maior parte da propriedade do seu grupo norte-americano para a empresa de investimentos privados Cerberus Capital Management por US$ 7,4 bilhões. A venda abre cam

Por Jerry White



Mesmo antes da DaimlerChrysler anunciar oficialmente a venda, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos (UAW – United Auto Workers) declarou, numa entrevista coletiva concedida à imprensa na Alemanha, seu apoio à venda da companhia para especuladores de Wall Street, dizendo que isso representava “o interesse dos associados do UAW e do grupo da DaimlerChrysler”.



O presidente da DaimlerChrysler, Dieter Zetsche, elogiou o UAW pelo seu apoio na abertura da sua entrevista à imprensa. A capitulação do UAW foi tão rápida e desprezível que surpreendeu alguns analistas automobilísticos e financeiros.



A Chrysler está sendo vendida para um grupo de especuladores financeiros que não tem experiência e, de fato, pouco interesse na produção de carros. A firma de investimento de US$ 24 bilhões é especialista em comprar empresas que estão tendo prejuízo por uma ninharia, “reestruturando-as”, isto é, cortando empregos e benefícios e tirando a propriedade, com o objetivo de revendê-las por uma quantia muito maior. O grupo tem uma longa experiência em tais operações, desde empresas aéreas até companhias fornecedoras de peças para as empresas automobilísticas e firmas de varejo nos EUA.



Operando amplamente fora do alcance dos reguladores, a Cerberus é uma empresa altamente reservada, liderada pelo veterano pára-quedista americano e inverstidor financeiro, Stephan Feinberg. A Cerberus procura, em todo o mundo, companhias que possam ser compradas por preço barato. Muitas vezes ela pode, até mesmo comprá-las aos poucos, visando manter um retorno razoável dos investimentos, algo em torno de 22%. Ela detém o controle parcial ou total dos lucros de uma série de companhias — incluindo os Supermercados Albertson, a GDX fornecedora de autopeças e a Air Canadá, para citar apenas algumas. Em todos os casos, a Cerberus contratou administradores que atacaram os salários e pensões de seus trabalhadores.



A firma de investimento privado é politicamente bem conectada, tendo entre seus maiores diretores, líderes do partido republicano, tais como o secretário do tesouro nacional da administração de Bush, John Snow, e o antigo vice-presidente, Dan Quayle. Uma das companhias da Cerberus, o IAP, que presta serviços na área militar em todo o mundo, envolveu-se no escândalo relacionado às péssimas condições de higiene das instalações do Hospital Walter Reed, em Washington D.C., para onde haviam sido destinados os soldados feridos. Dois dos maiores executivos do IAP são antigos graduados diretores de Halliburton, a gigante da energia presidida pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney.



Enquanto tais agressores corporativos e depredadores de propriedades têm participado, durante décadas, em empresas produtoras de aço, mineradoras e companhias aéreas, a compra da Chrysler pela Cerberus representa a primeira aquisição de uma das maiores companhias automobilísticas por uma empresa de investimentos privados. A aquisição de uma das “Três Grandes” companhias automobilísticas americanas por tal firma cria as condições para uma redução sem precedentes nas condições de vida dos trabalhadores da indústria automobilística dos EUA.



Os produtores de carros dos EUA cortaram aproximadamente 700.000 empregos durante as últimas três décadas, mas os investidores de Wall Street, que puderam se apropriar de grandes lucros através de diversas formas de manipulação financeira, têm exigido a destruição de um número cada vez maior de empregos, a redução dos relativamente altos salários da indústria, e o corte de bilhões de dólares em pagamento de aposentadorias e assistência de saúde, pagamentos estes que são direitos dos trabalhadores e das suas famílias.



Os efeitos da compra da Chrysler pela Cerberus serão sentidos somente no final deste ano — quando iniciará as negociações para um novo acordo trabalhista com o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos. Apesar dos detalhes ainda não terem sido divulgados, não há dúvida de que uma condição para a venda da Chrysler foi a promessa do UAW de apoiar a nova companhia com grandes concessões. Ao mesmo tempo, a General Motors e a Ford usarão a nebulosa fragmentação da Chrysler como ameaça para impor suas próprias exigências para os seus trabalhadores. A família Ford tem dado pistas de que pode seguir a DaimlerChrysler e vender parte de seus investimentos no setor automobilístico, mediante condições semelhantes.



Durante os últimos anos, a Cerberus — apropriadamente chamada como o monstro mitológico de três cabeças, que guarda os portões do inferno — tem sorrateiramente comprado propriedades no setor automobilístico, tendo emergido como o principal jogador, capaz de usar seu peso para reformar a indústria. No último ano, a companhia pagou US$ 7,4 bilhões pelo controle majoritário da GMA,c o braço financeiro da General Motors, que provavelmente se fundirá com a Chrysler.



A Cerberus retirou recentemente uma oferta para a compra da Delphi, a segunda maior produtora de peças de automóveis do mundo, atualmente num processo avançado de falência, depois de não ter conseguido rebaixar os salários, numa tentativa de acordo com o UAW. Sua primeira iniciativa na indústria automobilística, a aquisição da produtora de autopeças GDX, foi acompanhada pelo que o site da companhia chamou de “uma agressiva reestruturação das operações nos EUA e na Europa”. Drásticos cortes numa planta em Quebe,c no Canadá, no ano passado, causaram protestos dos associados do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria do Aço.



Em fevereiro último, numa clara tentativa de melhorar o preço de suas unidades norte-americanas, a DaimlerChrysler anunciou os planos para eliminar 13.000 empregos e fechar pelo menos uma planta da Chrysler.



A nova companhia — cujo novo nome é Companhia de Ações Chrysler — manterá como presidente o atual presidente da Chrysler, Tom LaSorda, que está administrando as atuais medidas de contenção de despesas. LaSorda contratou Wolfgang Bernhard, que, como chefe operacional da Chrysler de 2000 a 2004, desempenhou papel fundamental no corte de gastos, eliminando 26.000 empregos e fechando seis fábricas. O maior executivo do setor automobilístico da Cerberus, David Thursfield, antigo chefe mundial de compras da Ford, está liderando a reestruturação da GDX.



“Eles não estão nessa para festejar. Eles estão nessa para ganhar dinheiro,” falou ao Detroit Free Press, Gerald Meyers, antigo chefe executivo da American Motors Corp., que atualmente é professor de administração de empresas da Universidade de Michigan. Cortes dramáticos e enormes demissões estavam na agenda, disse ele, acrescentando que “será ainda mais cruel no sudeste de Michigan e Indiana” e outras comunidades onde o grupo Chrysler tem fábricas.



Além disso, Meyers afirmou que os aposentados podem esperar que os novos donos tentarão cortar sua cobertura saúde e custos de pensão. “Haverá um banho de sangue lá,” previu Meyers. “Quanto mais eles puderem arrancar em horas de trabalho do UAW, mais lucrativos eles se tornarão.”



Em face a esses ataques, o UAW demonstrou mais uma vez a sua total inutilidade quando se trata de defender os empregos, salários, condições de trabalho e padrão de vida dos trabalhadores da indústria automobilística. O apoio do sindicato a este ataque histórico aos trabalhadores demonstra que o UAW serve como um auxiliar dos patrões da indústria automobilística e de Wall Street, recebendo como prêmio gordos salários e altas despesas para os burocratas que controlam a organização.



No mês passado o presidente do UAW, Ron Gettelfinger, afirmou que o sindicato se opunha à venda da Chrysler para uma empresa de parceria privada, dizendo que tais companhias de investimentos existem apenas para “aumentar sua riqueza através da devastação das companhias”.



Já na última segunda-feira à tarde, numa entrevista coletiva concedida à imprensa, Gettelfinger defendeu insistentemente a capitulação do sindicato, dizendo que este deveria jogar com “as cartas que tinha”. Entretanto, ele mesmo confirmou que apoiou o acordo sem nem mesmo ter se reunido com a administração da Cerberus.



Por outro lado, o presidente do UAW disse ter se encontrado domingo à noite com diretores da DaimlerChrysler, que o informaram sobre a venda. Gettelfinger disse que apoiou o negócio porque os executivos da DaimlerChrysler deram a ele a segurança de que a Cerberus não desmontaria a companhia.



Em relação à primeira reunião entre os dirigentes do sindicato e os diretores da Cerberus, realizada na terça-feira, o presidente do UAW afirmou o seguinte: “nós ouvimos o eco dos compromissos assumidos pelos executivos da DaimlerChrysler.” Elogiando novamente o acordo, ele acrescentou: “haverá uma infusão de dinheiro nesta companhia, e muitas coisas acontecerão, perseguindo o melhor resultado, aquele de caminhar adiante. Nós temos que acreditar que há muita preocupação com o futuro da indústria automobilística americana”.



A prostração e a covardia dos dirigentes do UAW foi resumida por Robert Denison, um veterano representante internacional do UAW na Chrysler, que disse ao Detroit Free Press: “os grandes negócios nos controlam. Nós não podemos controlá-los.”



Falando na entrevista coletiva à imprensa, o vice-presidente do UAW afirmou que os associados do UAW foram “abençoados” pelo acordo com a Cerberus. “O sentimento geral dos associados”, disse ele, “é de darem as boas vindas a essa oportunidade”. Como todas as outras coisas afirmadas pelos dirigentes do UAW na coletiva à imprensa, esta foi mais uma mentira.



Os trabalhadores da Chrysler sabem muito bem que os agressores corporativos que estão assumindo a companhia querem dinheiro por meio da destruição das condições de vida de dezenas de milhares de trabalhadores e de suas famílias. Um trabalhador da planta da Chrysler de Warren, em Michigan, onde mais de 1.000 empregos estão sendo cortados, falou ao site do WSWS: “os trabalhadores sabem que esta nova companhia significa a morte para nós. O que me surpreendeu foram os comentários de Gettelfinger. Ele não fala em nome dos nossos interesses. O sindicato nos vendeu completamente e você não pode contar com ele para nada. Mas algo tem que ser feito para lutar pelos nossos empregos e pelas nossas vidas”.



O apoio imediato de Gettelfinger parece ter sido motivado por um desejo de acalmar os investidores e incentivar o aumento dos valores de mercado da companhia.



A preocupação pelos lucros dos donos da empresa — não com os empregos e a vida dos sócios do sindicato — tem sido, por muito tempo, a marca da burocracia do UAW, que tem colaborado com os patrões do setor automobilístico na destruição de centenas de milhares de empregos desde a operação de salvamento da Chrysler e das concessões de salários em 1979. Pode-se supor apenas que foram dadas garantias ao UAW pela administração da DaimlerChrysler, que deve ter assegurado os bônus e os privilégios da burocracia trabalhista na nova companhia.



Um cenário possível que tem pairado nos últimos meses, em publicações como o Wall Street Journal, é que as empresas automobilísticas entregaram seus fundos multibilionários de assistência à saúde dos aposentados para o UAW. Isto forneceria um rio de recursos à burocracia do sindicato, ao mesmo tempo que daria às empresas automobilísticas a chance de se livrarem de suas dívidas e deixar para o sindicato o encargo de cortar os benefícios à saúde de seus associados aposentados e de suas famílias.



Este artigo foi publicado no site do WSWS (http://www.wsws.org), originalmente em inglês, no dia 15 de maio de 2007.