Estudo inédito mostra visão dos cineastas sobre a política brasileira

Em estudo inédito, o professor de Ciência Política e Teoria Social Carlos Luiz Strapazzon, coordenador de pós-graduação, pesquisa e extensão das Faculdades Curitiba, listou 121 filmes nacionais que abordam questões políticas para saber como a política

Em estudo inédito, o professor de Ciência Política e Teoria Social Carlos Luiz Strapazzon, coordenador de pós-graduação, pesquisa e extensão das Faculdades Curitiba, listou 121 filmes nacionais que abordam questões políticas para saber como a política brasileira é vista pelos cineastas.


 


Os temas realistas e críticos foram os preferidos nas produções. A crítica ao regime autoritário e à violência do período ditatorial, por exemplo, foi tema de 27 filmes. As guerras nas quais o Brasil se envolveu, as rebeliões armadas regionais e os conflitos armados com motivos políticos estavam presentes em 20 filmes.


 


Além desses, também despontam na filmografia estudada as biografias, principalmente de presidentes e líderes de rebeliões e movimentos sociais e políticos, e filmes que convidam ao engajamento e fazem críticas à alienação.


 


As obras analisadas são resultado de 68 anos de produção cinematográfica e foram classificadas pelo pesquisador em dez grandes temas: regime autoritário de 1964; guerras, rebeliões ou conflitos armados locais; biográficos; ideologias, engajamento e alienação; violência urbana, injustiça social e ausência de Estado; trabalhadores na política; regime de Getúlio Vargas; “mandonismo” local; costumes e cultura política; e campanhas eleitorais. Várias das produções se encaixam em mais de um tema.


 


Para fazer a pesquisa, Strapazzon assistiu a 40% dos filmes listados e tomou depoimentos de alguns dos diretores. Também consultou críticos e sites especializados em cinema, reuniu a sinopse de todas as produções e buscou informações no Ministério da Cultura sobre os filmes realizados entre 1938 e 2006.


 


Engajamento x estética


 


Uma das explicações para o grande número de filmes realistas, e em especial de documentários, está relacionada à escassez de recursos para a produção. Mesmo assim, Strapazzon argumenta que há mais do que uma simples preocupação estética nessa escolha.


 


“Deu para perceber no testemunho dos diretores que efeitos especiais ficariam caros e é muito claro que a limitação de recursos levou à preferência pelo realismo e pelo documentário”, diz. “Mas tenho a impressão que essa opção pelo realismo tem mais a ver com a preocupação em fazer um cinema engajado do que com a estética simplesmente”, defende, lembrando que mesmo com poucos recursos, havia preferência por filmar guerras e conflitos, o que exigiria uma produção melhor caso a preocupação fosse com a estética.


 


O tema mais explorado na filmografia pesquisada é sem dúvida o da violência do período ditatorial. Ela aparece em suas diversas formas: contra a liberdade de expressão, as mulheres, os presos políticos, etc.


 


“Sobre alguns temas como autoritarismo é uma boa filmografia e analisa seus diversos aspectos. Agora, olhar para a filmografia é entender a violência institucional. Ela tem um alvo claro: a defesa da liberdade. É uma filmografia de denúncia mostrando o quanto o poder do Estado é opressor. A impressão que eu tenho é que eles não querem falar dos aspectos positivos para que não pareça que os fins justificam os meios, mas não duvido que daqui a alguns anos, com o distanciamento histórico, esses filmes sejam feitos”, avalia.


 


Outro aspecto ressaltado no estudo é o grande número de biografias. “Isso reflete uma sociedade que tem uma política pouco institucionalizada e que segue grandes líderes. Não há filmes sobre vilões e canalhas, por exemplo”, destaca o cientista político.


 


Mudanças históricas


 


Curiosamente, apesar de muitos filmes falarem sobre heróis, há poucas produções ufanistas. A maior parte dos filmes listados que ressaltam os aspectos positivos do país foi feita até o início dos anos 1950, antes ou durante a era Getúlio Vargas.


 


“Uma cinematografia alternativa, que tratava a política de uma maneira mais metafórica e sutil estava surgindo com o Cinema Novo, mas o regime autoritário interrompeu esse processo. A partir daí, o cinema passou a ser voltado para a crítica com o objetivo de formar opinião. Então a filmografia política começa ufanista, passou pela metáfora e depois caiu em um realismo denuncista”, explica Strapazzon.


 


Na avaliação dele, a tendência é que os filmes políticos passem por uma grande mudança e fiquem “mais poéticos e humanistas”, apesar de produções recentes como Zuzu Angel (2006) e O ano em que meus pais saíram de férias (2006) tratarem do recorrente tema da ditadura ainda em tom de crítica e denúncia.


 


A gente está em uma época de grandes revisões e acho que é possível que isso aconteça com o cinema brasileiro. O tipo de argumento denuncista está caindo em desuso. Acho que pode ter uma releitura mais sutil e humanista dos últimos 40 anos do Brasil”, garante.


 


Essas produções “humanistas” destacariam as alegrias e tristezas, mostrando de maneira mais dramática as conseqüências das decisões e dos acontecimentos políticos. “Embora continue a ser crítico, o cinema não verá mais o Estado como vilão”, explica o professor.


 


Escassez


 


Outra questão que chamou a atenção de Carlos Luiz Strapazzon foi a escassez e mesmo a falta de temas considerados por ele essenciais como as relações entre o Estado e a Igreja, os partidos e as instituições políticas.


 


“Em um país católico como o nosso, podíamos ter uma história engajada sobre as relações do Estado e da Igreja e isso não precisaria tratar de aspectos negativos. Para esses temas serem atrativos só depende da criatividade do diretor”, diz. “Não fizeram um dos filmes do O Poderoso Chefão falando sobre esse tema? E ficou muito bom, diga-se de passagem”, ressalta.


 


Os aspectos positivos da política como a reabertura democrática, os sonhos da geração dos anos 80 e os líderes do movimento democrático também foram deixados de lado pelos cineastas.


 


“Não é, portanto, uma filmografia que projeta elementos positivos da política nacional, e quando o faz, aponta para um sentimento nacionalista exagerado, um tanto falso”, diz o professor em artigo que publicou sobre a pesquisa em seu blog .


 


Agora, o cientista político quer dar continuidade à sua pesquisa, terminar de assistir aos filmes já listados, procurar novos títulos e fazer entrevistas com alguns dos diretores e atores que participam dos filmes da lista.


 


“Quero ouvi-los para tentar validar as análises preliminares”, disse.


 


Clique aqui para ver a lista completa por tema e a sinopse por ordem cronológica de produção dos filmes.


 


Fonte: Congresso em Foco / Soraia Costa