Mortalidade materna é maior entre negras no Brasil

Mesmo com a melhoria do índice de morte neonatal, o número de mulheres mortas em conseqüência direta ou indireta da gravidez, na gestação, parto ou puerpério (até o 42º dia após o nascimento) não diminuiu. Entre as mulheres negras, a proporção de mortalid


Entre as inúmeras causas, sobressaem hipertensão, síndromes hemorrágicas relacionadas ao parto, infecções no puerpério e complicações decorrentes de abortos realizados incorretamente. “Outra causa que nos surpreendeu muito, de acordo com as recentes pesquisas, foi o aumento exponencial das mortes relacionadas à síndrome de imunodeficiência adquirida (aids)”, comentou Ana Cristina Tanaka. Professora da faculdade de saúde pública da Universidade de São Paulo (USP) e referência acadêmica na área, ela verificou que entre as mulheres amarelas os índices de mortalidade materna por hipertensão são extremamente altos.



Segundo a professora, a imensa maioria dos óbitos é evitável, conseqüência da desorganização do sistema, superlotação hospitalar, falta de humanização dos procedimentos e má qualidade na assistência. “Observamos que a mulher, além de peregrinar por assistência, chega a ficar mais de seis horas sem ser vista por um profissional da área de obstetrícia”, revela. De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (Opas), o aborto inseguro é a principal causa de mortalidade materna em toda América Latina e Caribe e os índices brasileiros são considerados gravíssimos.



De acordo com os dados do Comitê de Mortalidade Materna do município de São Paulo, dos 11.879 mortes de mulheres, quase duas mil eram de mães. “Durante a pesquisa, verificamos que uma mulher saiu do Grajaú, no extremo sul da capital paulista e foi morrer do outro lado da cidade, no Jardim Helena”, revolta-se com os mais de 65 quilômetros percorridos em vão na busca por assistência hospitalar, o médico e pesquisador do órgão.



Divisão etária



De acordo com Tanaka, a mortalidade de mulheres de 15 a 19 anos foi somente maior que a de mulheres de 20 a 29 anos, que é justamente a faixa etária tida como mais favorável para a reprodução. “Portanto, observamos que o risco relativo das adolescentes é menor do que o da população de gestantes como um todo. Não é uma questão de valoração moral, mas um dado sintomático para analisarmos”, aponta. A razão de mortalidade materna sobe exponencialmente na fase entre dez e 14 anos e perto da menopausa (mais de 39 anos) das mães, realçando a gravidez de alto risco.



Segundo pesquisas realizadas nos últimos anos, a grande maioria das mortes maternas por infecção puerperal e da gravidez se dão por realização de cesáreas desnecessárias. “Parece que a mulher tem um zíper na barriga. É só abrir e fechar e acabou”, condena Tanaka, lembrando que no Brasil realiza-se esse tipo de cirurgia em 40% dos partos.



De acordo com os dados do governo, acontecem 106 mortes maternas para cada cem mil crianças nascidas vivas no Brasil. O número é muito alto se comparado aos 17 casos nos Estados Unidos e aos quatro na Áustria, média permanente nos países desenvolvidos. Os piores números estão associados diretamente a miséria em que se encontram outras nações, como as mais de mil mortes no sul do Saara (deserto no norte da África) e 880 em Uganda (África).



Para Vega, a mortalidade materna age como um poderoso instrumento de verificação das condições sociais de um país, pois seu alto índice está associado desde a miséria até a negação dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. “Isso sem contar que os marcadores de mortalidade são muito ruins e cheios de erros, fazendo com que os números sejam provavelmente bem mais assustadores do que se imagina”, acredita.



Pressão



No estado do Paraná, por exemplo, os números são muito maiores do que os da região sul e sudeste. “E não é porque a situação lá está pior, mas porque o sistema de controle dos casos é 100% eficaz. O problema é que ele examina todos os óbitos de mulheres em determinada faixa etária, dependendo de equipe, tempo e verba maior”, explica Vega.



Para Simone Diniz, professora da faculdade de saúde pública da USP, é preciso que a sociedade se aproprie desses dados e pressione desde o poder público aos funcionários dos hospitais para o melhor atendimento à mulher grávida, parturiente e na fase logo após o parto. “E, embora as diretrizes de planejamento familiar propostas pelo governo federal sejam de fundamental importância, é necessário fortalecer a humanização da assistência a essas mães que são muitas vezes tratadas apenas como um receptáculo que hospeda uma criança”, conclui.



Fonte: Agência Envolverde