O “Wall Street Journal” e as entranhas da grande mídia

Por Pedro de Oliveira
A luta pelo controle acionário e editorial do Wall Street Journal, nos Estados Unidos, oferece ao leitor mais atento uma boa mostra das entranhas do labor jornalístico – ou, melhor dizendo, da indústria da notícia no mund

No caso do maior jornal de negócios do planeta – o Wall Street Journal, que também é um dos três diários de circulação nacional nos EUA, além do New York Times e do USA Today -, a questão surgiu quando o magnata australiano Rupert Murdoch fez uma oferta de compra da empresa norte-americana Dow Jones Company por 5 bilhões de dólares. O lance bilionário tem por objetivo adquirir o controle acionário da agência de notícias do mesmo nome e do diário, fundado há mais de cem anos.


 


Murdoch construiu um verdadeiro império mundial de mídia – um dos maiores que se tem notícia -, começando por um diário australiano que ele herdou de seu pai, em 1952. Hoje em dia, esse conglomerado tem o controle de mais de uma centena de jornais em países como Austrália, Inglaterra, Estados Unidos, Ilhas Fiji e Papua na Nova Guiné. Também são de propriedade de Murdoch a Twentieth Century Fox Film, a rede de televisão Fox, a editora Harper Collins e o portal da internet MySpace.


 


Agora, em seu estilo agressivo, o magnata se lançou à tarefa de arrebatar o Wall Street Journal, com uma promessa na qual ninguém acredita: não interferir na linha editorial, mantendo a independência da redação na elaboração de reportagens e na edição de notícias e análises.


 


Trajetória polêmica


 


O retrospecto de Murdoch, nessa esfera da atividade econômica, não aconselha que se dê crédito às suas recentes declarações. Exemplos da trajetória do mega-empresário são abundantes e recorrentes: no formato sensacionalista de seus tablóides ingleses, como no The Sun – que vende atualmente 3 milhões de exemplares na Inglaterra; no conteúdo direitista radicalizado dos seus telejornais da Fox News.


 


Sem contar vários casos concretos de interferência direta da mão de Murdoch em matérias jornalísticas de interesse de seu conglomerado News Corporation. Como o próprio Murdoch justificou em uma entrevista concedida a um repórter do Wall Street Journal no último dia 5 de junho, “se em algum de meus jornais as coisas começam a ir mal, ameaçando o negócio a entrar pelo cano, a responsabilidade é minha”.


 


Continua Murdoch: “Os acionistas nunca ligam para o editor. Eles telefonam para mim.” De fato, nesses casos, a situação resultou em decisões, segundo ele, desagradáveis mas necessárias de substituição dos editores.


 


Nos anos 80, Murdoch passou por cima de um conselho “independente” criado por ele para “proteger” a redação de sua intervenção direta no trabalho jornalístico. Essa atitude formal foi uma exigência do governo inglês quando Murdoch assumiu o controle do tradicional jornal The Times.


 


Sem “levar a sério”


 


A experiência desse tipo de conselho mostrou-se ineficaz e freqüentemente passada para trás por seu criador. Fred Emery, um ex-editor assistente do The Times, conta que Murdoch o convocou certa vez ao seu gabinete para dizer que estava demitindo o então editor-chefe do jornal, Harold Evans.


 


Emery lembrou-lhe, na ocasião, que a decisão deveria ter a aprovação do Conselho de Redação. Ao que Murdoch contestou: “Meu Deus, você não está levando a sério toda esta formalidade, está?”. O editor-assistente, de pronto respondeu: –“Claro que estamos!” O fato é que logo em seguida o editor-chefe foi liminarmente demitido.


 


Mês passado, no afã de ver o seu lance aceito pela família Bancroft – que é a principal acionista do Wall Street Journal -, Murdoch escreveu uma carta comprometendo-se a criar um conselho nos mesmos moldes do que foi criado para garantir a “independência” da redação do The Times, de Londres. O único cuidado que o australiano de 76 anos procura ter é nunca inteferir diretamente junto a um jornalista na redação – mas sempre através do principal executivo do respectivo jornal.


 


Dúvidas


 


Neste domingo (10/06), outro importante diário norte-americano – o New York Times – pergunta em editorial a seus leitores: será que, se a cartada de Rupert Murdoch conseguir convencer a família Bancroft, esta não estará apenas melhorando seu caixa – mas prejudicando “um dos melhores jornais do mundo”?


 


O que fica claro é que este processo de monopolização da grande imprensa no mundo inteiro tem levado grandes órgãos da antiga linha liberal-burguesa, como o TheTimes e agora se o próprio Wall Street Journal sucumbir aos interesses de Murdoch, a adotar uma linha editorial cada vez mais abertamente direitista, reacionária e conservadora.


 


Tudo de acordo com a orientação geral do sistema imperialista e da política do ultradireitista George W. Bush, presidente dos Estados Unidos em final de mandato.