Mercosul tem “pacote mínimo” para Rodada de Doha

Às vésperas das negociações cruciais da Rodada Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC), representantes da agricultura comercial do Mercosul se uniram para indicar aos seus países qual é o “pacote mínimo” que querem ver sobre a mesa. Um documento de

O documento está focado em três temas: produtos sensíveis dos países ricos, mecanismos de salvaguarda especial e produtos especiais para os países em desenvolvimento. “Nesses assuntos, o grau de incerteza é muito grande. É onde está a válvula de escape”, diz André Nassar, presidente interino do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), entidade financiada por associações agrícolas brasileiras, que coordenou os trabalhos. Ele explica que esses mecanismos ameaçam uma abertura significativa do comércio agrícola global.



No caso dos produtos sensíveis, os países ricos poderão cortar menos as tarifas de importação, mas devem oferecer contrapartida em cotas. No documento, os agricultores do Mercosul afirmam que a redução do corte da tarifa deve ser de no máximo 50% (por exemplo, se o corte é de 70%, no caso do produto sensível cai para 35%). As cotas devem representar, no mínimo, 5% do consumo doméstico do país.



No caso da União Européia, essas regras significariam aumento nas cotas mundiais de importação de 470 mil toneladas para carne bovina, 560 mil toneladas para carne de frango, 50 mil toneladas para leite em pó processado, 96 mil toneladas para manteiga e 600 mil toneladas para açúcar. As solicitações do Mercosul para carne bovina e de frango ultrapassam o total oferecido pela UE hoje, que está em 152 mil e 30 mil toneladas, respectivamente. Os europeus disponibilizam atualmente cota de 68 mil toneladas para leite em pó desnatado, 87 mil toneladas para manteiga e 1.495 toneladas para açúcar.



Principais temores



Surpreendentemente, os demais temas que mais preocupam os agricultores do Mercosul não estão relacionados com o protecionismo dos países ricos, mas com os temores dos países em desenvolvimento. A análise atenta do destino dos produtos agrícolas do bloco demonstra que a preocupação é justificada. Os países do Mercosul destinam hoje 66% das exportações agrícolas para as nações em desenvolvimento. Para Argentina e do Paraguai, o percentual chega a 80% e 91%. No Brasil e no Uruguai, fica em 56% e 44%.



Países em desenvolvimento reunidos no G-33 estão solicitando dois mecanismos de proteção: salvaguardas especiais e produtos especiais. A salvaguarda é um mecanismo de aumento da proteção tarifária para defender o país de surtos de importação. Já os produtos especiais praticamente ficariam fora da rodada, para proteger a enorme massa de agricultores de subsistência desses países.



“A salvaguarda especial proposta hoje aumenta o nível de proteção em relação a Rodada Uruguai, o que inadmissível”, reclama Nassar. Ele dá o exemplo do arroz na Indonésia. A Rodada Uruguai permitiu que a Indonésia aplicasse 95% de tarifa para as importações do produto. Essa taxa cai para 60% na Rodada Doha. Com uma salvaguarda especial, no entanto, a Indonésia poderia elevar essa tarifa para 120%.



Uma das principais exigências dos agricultores do Mercosul é que as salvaguardas especiais dos países pobres só sejam acionadas por dois gatilhos conjuntos: aumento de importações e queda de preços. Os países do G-33 pedem que qualquer dessas oscilações seja suficiente para detonar o mecanismo.



Nassar admite que o tratamento dos produtos especiais para os países pobres é o tema mais complicado da rodada. “Esses países têm problemas estruturais na agricultura e, ao invés de resolvê-los, decidiram encontrar uma forma multilateral de garantir suas políticas.” De acordo com a proposta do G-33, os produtos especiais poderiam contemplar 20% das tarifas agrícolas do país. Para metade desses itens, não haveria qualquer redução de tarifa, e para os demais corte de apenas 10%. A escolha desses produtos seria feita com base nos critérios de segurança alimentar, segurança dos meios de subsistência e desenvolvimento rural.



Os agricultores do Mercosul reclamam que falta transparência na escolha desses produtos e que faltam mecanismos de compensação para os exportadores. Para Nassar, a adoção dos produtos especiais ignora os consumidores urbanos pobres desses países. Na Índia, a população urbana cresce 45%, enquanto a rural avança 11%. Entre a população urbana indiana, os trabalhadores muito pobres chegam a gastar 70% do salário com comida – ou seja, alimentos mais baratos vindos do Mercosul podem beneficiar essas pessoas.



Fonte: Valor Econômico