Fusões e aquisições apontam para megaconcentração na economia

Nunca houve na história econômica uma temporada tão pujante de fusões e aquisições como a atual. Em 2006, as tacadas do darwinismo corporativo atingiram 3,8 trilhões de dólares no mundo todo, salto de 38% em relação ao ano anterior. No Brasil, houve 473 o

Do início do Plano Real (1994) até o primeiro trimestre de 2007, foram 4.144 fusões e aquisições no Brasil. Os destaques foram os setores de alimentos, bebidas e fumo (440), tecnologia da informação (331), telecomunicações e mídia (291) e instituições financeiras (280). Somente no primeiro trimestre do ano, a KPMG contabiliza 112 operações. É uma tendência inexorável: a superconcentração dos setores da economia nas mãos de poucos grupos.



No prelo internacional, há duas operações de peso. A primeira, a envolver 90 bilhões de dólares, é a venda do ABN Amro. Estão na disputa o Barclays e o consórcio formado pelas instituições financeiras Royal Bank of Scotland, Fortis e Santander. Na área de mídia, depois da compra da agência de notícias Reuters pela Thomson, agora está em negociação a venda do Grupo Dow Jones, que edita The Wall Street Journal, ao magnata Rupert Murdoch. A oferta foi de 5 bilhões de dólares e provoca arrepios em alguns funcionários, que temem uma guinada editorial. Também congressistas do Partido Democrata pensam em convocar órgãos reguladores para discutir o negócio.



Tanta movimentação preocupa até o Fundo Monetário Internacional (FMI), porque a esmagadora maioria das aquisições é feita com empréstimos a taxas flutuantes. Durante a reunião do G-8, na Alemanha, o presidente da instituição, Rodrigo Rato, fez um alerta sério. Os juros não vão permanecer baixos para sempre e, quando as taxas voltarem a subir, os compradores, que se endividaram para fazer negócios, poderão ter problemas financeiros consideráveis, um potencial foco de crise mundial.



Também o Banco de Compensações Internacionais (BIS) analisou, com apreensão, que as fusões e aquisições hoje são realizadas com apenas 12% de dinheiro vivo ou ações, ante o nível de 50% dos anos 90. Segundo o relatório trimestral do BIS, divulgado na segunda-feira 11, “as companhias vêm se endividando para financiar os negócios. O total de empréstimos com o propósito somou 82,3 bilhões de dólares nos três primeiros meses do ano, quase o dobro do registrado no trimestre anterior”.



O quadro é intrincado e, por ora, os riscos são minimizados pelos principais players do mercado doméstico. Na avaliação de Raul Beer, sócio de Finanças Corporativas da PricewaterhouseCoopers, existe de fato uma preocupação global com o grau de endividamento dos compradores, algumas vezes bancados por hedge funds (fundos altamente especulativos). Contudo, afirma, se o Brasil ainda engatinha em operações no mercado de capitais, que dirá em estratégias complexas de financiamento. Na observação do executivo, se houver uma virada na maré internacional, o País seria afetado indiretamente – com a queda dos fluxos de capitais –, mas não haveria crise gerada por apertos financeiros mal calculados.



O fato é que a globalização mudou a estrutura da economia internacional e da empresa moderna. Isso leva os órgãos de defesa concorrencial a ser reféns do tempo. De um lado, é preciso agilizar os julgamentos das tacadas empresariais. De outro, há de se preservar os direitos do consumidor, que não pode ficar à mercê de meia dúzia de corporações. Os casos estão longe da simplicidade. Torna-se cada vez mais raro o clássico exemplo de oligopólio, como havia nas décadas de 60 e 70. As companhias não têm um arcabouço produtivo convencional, do chão de fábrica à área de marketing. Tudo é pensado em nome da competitividade.



“A Nike, por exemplo, é uma grande empresa de marketing. Terceiriza a produção para a Indonésia e a Malásia”, concorda Kenzo Otsuka, consultor da Trevisan. Segundo ele, a onda atual de concentração faz parte de um movimento natural da economia. “Crescimento econômico é sinônimo de compra dos concorrentes menores e conquista de participação de mercado”, afirma.



Na avaliação de André Castello Branco, sócio de Corporate Finance da KPMG, os movimentos de fusão e aquisição têm algumas dinâmicas a ser respeitadas. Para ele, alguns setores hoje exigem capital intensivo e precisam obter ganhos de escala. Daí a necessidade de comprar para não ser engolido. Os exemplos típicos são telecomunicações e siderurgia. Há necessidade de investimentos pesados para não ficarem defasados tecnologicamente.



Ambos os executivos descartam o risco de cartelização da economia mundial e de deterioração de condições trabalhistas. Para Otsuka, “apesar de imperfeitos, os mercados acabam por se equilibrar e coibir práticas de dominação ou má governança”. Ele se refere, sobretudo, às más condições de trabalho na China, modelo a que país algum deveria aspirar. Na visão de Castello Branco, não há por que temer o futuro. “As médias empresas tendem a se juntar às pequenas. Desde que sejam produtivas, a concorrência só vai dinamizar o processo de crescimento”, acredita.



O Brasil tem vantagens comparativas na internacionalização de empresas. As atividades relacionadas a commodities são as primeiras a ser lembradas por analistas. Siderurgia, álcool e alimentos são os setores mais citados, pela disponibilidade de recursos naturais e terras agricultáveis. Avançar para outras áreas mais complexas implicaria investir sempre e mais em educação e incentivar a criação de centros de excelência de tecnologia.



Em poucas palavras, o País precisa ter uma clara política de desenvolvimento. Papel do Estado, diz Otsuka, da Trevisan. Mas, enquanto o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não deslancha, as empresas brasileiras enveredam-se no inóspito mundo das fusões e aquisições com as próprias pernas.



Sob os holofotes do mercado internacional, o grupo JBS-Friboi arrematou, no fim de maio, a americana Swift por 1,4 bilhão de dólares e tornou-se a maior produtora de carne bovina do planeta. O exemplo é significativo porque, para bancar a aquisição, a empresa decidiu recorrer ao mercado de capitais, com uma emissão de ações que pode chegar a 1,6 bilhão de reais. Se tudo der certo, a Friboi não precisará se endividar para deixar para trás gigantes do setor de alimentos como a Tyson Foods e a Cargill.



Para o diretor do Departamento de Economia da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), Denis Ribeiro, não é à toa que o setor lidera o ranking das fusões. “A produção alimentícia e a agroenergia tornaram-se investimentos estratégicos e caminham para tomar o lugar do petróleo em importância no mundo dos negócios”, avalia.



Cana-de-açúcar, milho e soja deixaram de ser vistos apenas como fontes de alimentos e ganharam importância com as tecnologias de biocombustíveis. Segundo a União da Agroindústria da Cana-de-Açúcar (Unica), 17 bilhões de dólares deverão ser investidos, entre 2007 e 2012, na ampliação do parque de usinas do País.



Nos próximos cinco anos, a Unica prevê que a fatia do capital estrangeiro na produção brasileira de cana, hoje de 5%, vai dobrar. Mas o ritmo das aquisições pode elevar ainda mais a participação internacional na atividade. Em fevereiro, a empresa francesa Louis Dreyfus comprou as usinas do grupo pernambucano Tavares de Melo e ficou atrás apenas da Cosan em produção de álcool e açúcar. A americana Cargill também estuda novas aquisições no Brasil, depois de arrematar a paulista Cevasa, no ano passado.



Segundo Ribeiro, representantes da Abia têm recebido convites de fundos de investimento para discutir as oportunidades existentes no setor de alimentos. O Brasil, explica o executivo, atrai o interesse dos donos do capital não só devido à grande produção de commodities agrícolas e biocombustíveis, mas também por possuir um parque industrial desenvolvido, na área de alimentos, e um grande mercado consumidor.



Outro chamariz para os interessados em investir na produção de alimentos pode ser a pulverização do mercado, dividido entre 27 mil fabricantes – desde as produtoras de doce de leite artesanal até multinacionais do porte da suíça Nestlé. “Os alvos para aquisições devem ser as empresas de médio porte, com faturamento de algumas dezenas de milhões de reais”, aposta Ribeiro.



Há concentração, entretanto, no topo da pirâmide do setor de alimentos, onde as estrangeiras ADM, Bunge e Cargill, e poucas brasileiras, como a Caramuru, dividem a maior parcela da produção de grãos. Quando se trata de competir globalmente, é preciso ser grande para ter competitividade. “O problema para o mercado interno não é a concentração na produção, mas na distribuição dos alimentos, esta sim nas mãos de poucos grandes grupos”, diz Ribeiro.



O representante da Abia se refere às grandes redes de supermercados, que começaram mais cedo a surfar na onda das aquisições. O setor percebeu, há mais de uma década, que tamanho é documento na hora de negociar preços com fornecedores e clientes. A última manobra foi a compra do Atacadão pelo Carrefour, que pagou 2,2 bilhões de reais para roubar do Pão de Açúcar o primeiro lugar entre as redes.



A ampliação do poder de barganha, que sempre foi regra de ouro no varejo, chegou com força total a outros setores globalizados. O termo concentração foi um dos mais citados no 20º Congresso Brasileiro de Siderurgia, realizado no fim de maio. “Estamos pressionados entre três fornecedores que produzem mais de 70% do minério de ferro, de um lado, e grandes clientes, como as cinco montadoras que fabricam mais de 60% dos veículos vendidos no mundo”, explicou o presidente da Usiminas, Rinaldo Campos Soares, ao tomar posse à frente do Instituto Brasileiro de Siderurgia. “Quanto mais o setor se concentrar, maior será o equilíbrio na cadeia produtiva. O desafio, hoje, resume-se a comprar ou ser comprado.”



Poucas atividades seguem tanto a lógica da concentração quanto as de tecnologia e telecomunicações, segunda e terceira colocadas no ranking de fusões da KPMG. O diretor da consultoria IDC, Mauro Peres, explica que o Brasil acompanha o movimento mundial de concentração, mas por razões diferentes. Internacionalmente, os mercados cresciam acima de 10% ao ano e, em 2006, o ritmo caiu para 6%, em tecnologia da informação (TI), e 4%, na área de telecomunicações. “Os acionistas não se contentam mais com o crescimento orgânico”, conclui.



No Brasil, onde o mercado de tecnologia ainda cresce 14% ao ano, as empresas do setor saem à caça, segundo Peres, por duas razões inter-relacionadas. A primeira é a necessidade de ganhar porte suficiente para abrir o capital. “Há vários grupos na fila, mas não faz tanto sentido lançar ações com um faturamento inferior a 100 milhões de reais por ano”, diz o especialista.



Depois de se capitalizar na Bolsa, prossegue Peres, as empresas precisam colocar o pé no acelerador para justificar o ingresso abundante de recursos. E comprar concorrentes é o caminho mais rápido. “Além disso, ao ganhar musculatura, as empresas de tecnologia, sobretudo as prestadoras de serviços, passam a ter mais chances de conquistar clientes internacionais”, diz o diretor da IDC. Ou seja, enquanto competitividade for o nome do jogo, a lei da selva é a regra.