Jiu-jítsu brasileiro em Hollywood

Aluno de artes marciais de um professor paulista, o cultuado diretor norte-americano David Mamet filma ''Redbelt'', sobre disputas no ringue; Rodrigo Santoro está no elenco.

A boa acústica da arena e o silêncio respeitoso entre as centenas de pessoas trabalhando ali permitem que sejam ouvidas algumas palavras em português. ''Porrada'', por exemplo -repetida inúmeras vezes durante uma cena de luta refeita à exaustão.


 


O diretor -de óculos, touca, corpo atarracado e voz que dispensa o uso de megafone- circula pelo set vestindo uma jaqueta amarela com listras verdes e, nas costas, a inscrição ''Brasil''. Fala com um técnico, dá um soco carinhoso em outro, se agarra a um terceiro. Entre os figurantes que dividem a arquibancada com bonecos cenográficos, gente com bandeirinhas verde-amarelas.


 


No centro da quadra de esportes, um ringue. Em uma das entradas, um banner gigante anuncia o desafio entre dois lutadores de jiu-jítsu, o japonês Morisaki e o brasileiro Silva. Além do cinturão vermelho reservado ao campeão, um deles levará boa parte dos US$ 50 mil em prêmios oferecidos pelos patrocinadores.


 


O cenário poderia muito bem ser o Maracanãzinho durante as filmagens de uma produção nacional sobre a família Gracie, mas é o ginásio em forma de pirâmide da California State University, em Long Beach (EUA), decorado para uma seqüência-chave de ''Redbelt'' (cinturão vermelho), novo filme do diretor, roteirista e dramaturgo norte-americano David Mamet, previsto para estrear no ano que vem.


 


Sim, o mesmo que escreveu peças referenciais para o teatro contemporâneo dos EUA (como ''Perversidade Sexual em Chicago'', ''American Buffalo'' e ''Glengarry Glen Ross''), assinou o roteiro de filmes como ''Os Intocáveis'', ''Tio Vânia em Nova York'' e ''Mera Coincidência'', e dirigiu ''As Coisas Mudam'', ''Oleanna'' e ''Cadete Winslow''.


 


O que faz Mamet no meio de um longa-metragem de ação sobre o ''brazilian jiu-jítsu''?


Diverte-se um bocado, a julgar pelos dois dias de filmagens que a Folha acompanhou, no início de junho -exaustivas jornadas de trabalho que começaram no início da manhã e só foram terminar no final da noite, com um breve intervalo para almoço.
Embora fosse a terceira semana de filmagens nesse ritmo intenso, ninguém ali parecia inclinado a reclamar. Estar em ''um filme de David Mamet'', qualquer que seja o assunto, é a razão principal invocada por atores e técnicos para aceitar os salários -calculados de acordo com tabelas sindicais- e a correria de uma produção de baixo orçamento.


 


''Baixo'', claro, de acordo com os padrões de Hollywood: cerca de US$ 10 milhões, segundo estimativas da indústria, ou mais do que o dobro dos filmes mais caros atualmente em fase de captação de recursos no Brasil.


 


''Low budget'' nos EUA é uma produção em que você encontra Rodrigo Santoro e Emily Mortimer durante o almoço no refeitório improvisado em tendas gigantes ao lado do ginásio, mas esse ''bandejão'' atende a cerca de 400 pessoas -e as filmagens usam três câmeras simultâneas.


 


Paixão pelo jiu-jítsu


 


Por que Mamet se diverte tanto? Entre outras coisas, porque ele adora jiu-jitsu ou, como faz questão de diferenciar, o ''brazilian jiu-jitsu'', que pratica há alguns anos. Seu professor, o paulista Renato Magno, é consultor de ''Redbelt''.


 


Santoro e John Machado (lutador que interpreta o Silva do banner gigante) são alguns dos demais responsáveis por transformar o português no segundo idioma mais falado durante as filmagens.


 


''Comentei com meus amigos da Sony Classics [subsidiária do grupo Sony/Columbia que produz e lança filmes diferenciados para público mais restrito] que esse era um bom universo para um longa-metragem, que até agora ninguém havia feito algo assim, e eles me deram sinal verde'', explica o diretor, que também assina o roteiro.


 


A certa altura, depois de explicar a Machado e ao ator inglês Chiwetel Ejiofor como coreografar uma cena de luta, atracando-se ele mesmo com cada um deles, Mamet pendura a jaqueta em sua ''cadeira de diretor'' diante dos monitores pelos quais confere as imagens das câmeras.


 


Na camiseta escura que usa, a inscrição ''Machado Brazilian Team -John Machado- Brazilian Jiu-jitsu''. Se o pessoal abrir uma igreja, ele senta na primeira fileira.