Leia entrevista com candidata da UJS à presidência da UNE
Leia entrevista exclusiva ao Vermelho com a gaúcha Lúcia Stumpf, 25 anos, candidata a presidência da UNE do movimento, liderado pela UJS, ''Eu quero é botar meu bloco na rua'' pelo notório reconhecimento de sua capacidade pol
Publicado 24/06/2007 22:35
Lúcia, que iniciou a sua militância em 1.996 na presidência do grêmio estudantil do Colégio portoalegrense Leonardo da Vinci, pode ser a quarta mulher a presidir a UNE em 70 anos de existência da entidade que realizará o seu 50º Congresso na cidade de Brasília dos dia 4 a 8 de julho.
A entrevista, concedida a Carla Santos e transcrita por Érika Finati, foi realizada no dia 13 de junho na redação do Vermelho, um dia depois da reunião da Direção Nacional da UJS e do movimento Bloco na Rua ter definido seu nome para a candidatura à presidência da UNE.
Como começou sua militância? Como você conheceu o movimento estudantil?
Lúcia – Eu comecei a participar do movimento estudantil no grêmio do colégio em que eu estudava, o Leonardo da Vinci, uma escola particular em Porto Alegre. Daí eu fui presidente do grêmio no ano de 1996, quando eu estava no primeiro ou segundo ano do colégio. Fiquei um ano na presidência do grêmio, fui atrás da entidade estadual de estudantes secundaristas do Rio Grande do Sul, a União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas (Uges). Fiquei curiosa com os assuntos do movimento estudantil e um ano depois, em 1998, quando eu saí do grêmio e tinha acabado de me formar no colégio, fui atrás de conhecer os partidos, porque estava muito motivada pela eleição de 1998 – uma eleição que mobilizou muito Porto Alegre. Eu me lembro de ter ido conhecer a sede do PT, a sede do PSB e conheci o PCdoB pela internet.
Não tinha ainda o Vermelho, mas tinha o site do PCdoB. Pedi minha filiação por e-mail, enviando também meu telefone, meus dados. Assim eu tirei o título com 17 anos, porque quando eu tinha 16 não tinha eleição, e pedi filiação. Eu tinha que ter o número do título para me filiar. Então isso foi o que me motivou a tirar o título. Pensei: `Nossa eu quero me filiar ao PCdoB e tal…` Então eu fui tirar o meu título eleitoral. E dei um tempo. Uma semana, uns 10 dias depois, um pessoal que disse ser da União da Juventude Socialista (UJS) me ligou e me convidou para ir a uma reunião na sede do PCdoB, para que eu conhecesse mais a juventude. A partir disso eu comecei a militar na UJS. Então desde 1998 eu sou militante e tenho atuado na UJS, sempre no movimento estudantil, primeiro o secundarista e hoje o universitário.
Quem conhece você de tempos atrás sabe que a Lúcia adorava um rock and roll e tinha uma estética muito marcante, aquela coisa de quebrar mesmo o visual, de pintar o cabelo de várias cores, de usar umas roupas pretas, uns metais e tal. A gente identificava essa rebeldia na sua personalidade. Essa atitude rebelde foi importante para que você pensasse em se organizar?
Lúcia – É, eu acho que sempre tive muito isso. Mesmo quando eu fui ao grêmio, e ainda não era filiada à UJS e nem conhecia a organização de juventude nem o movimento estudantil, eu fazia jornalzinhos com o Che Guevara, porque eu sempre tive essa questão das injustiças. Eu acho que o que me levou foi uma vontade de lutar contra as injustiças, contra as desigualdades. Eu acho que este foi o primeiro motivador : olhar em volta e achar que as coisas estavam erradas e que eu tinha um papel importante a cumprir. Se estavam erradas então eu deveria atuar para modificá-las, eu não poderia ficar parada sabendo ou achando que aquilo ali não era justo, que a sociedade não deveria continuar da maneira como estava, dividida. Eu acho que essa minha rebeldia veio… Essa minha vontade de mudar, essa minha inconformidade com o mundo se juntou à época da adolescência e daí teve todo esse momento mais rebelde, mais punk meu mesmo. Punk na estética, nas músicas que eu ouvia, nas pessoas com quem eu convivia, nos bares que eu freqüentava e mesmo punk eu já era comunista.
Eu não passei pela fase anarquista, ideologicamente, porque quando eu tive essa fase mais punk na minha vida eu já era filiada ao PCdoB, já era militante e foi até uma coisa diferente… A minha estética eu acho que no início agredia a militância. A militância comunista é diferente; tem um estilo muito próprio… E eu dentro da UJS, convivendo com as pessoas da UJS, mas com um estilo diferente… Com o mesmo compromisso, com a mesma dedicação, mas daquele meu 'jeitão' mesmo – cabelo roxo, coleira e de preto indo em um bar punk toda noite na Osvaldo Aranha, em Porto Alegre. Daí durante o dia eu estava lá, séria, militando, viajando se tinha que viajar ou fazendo a campanha que tinha que fazer, de filiação ou de grêmio, ou de Centro Acadêmico…
Foi um negócio que destoou dentro da UJS, mas que nunca me incomodou. São as inconformidades minhas com a vida, com as injustiças, com as coisas que eu achava que estavam erradas.
Então, você pegou o final da década de 90, uma geração que foi muito marcada por essa onda do fim do muro de Berlim, do fim das ideologias. No Brasil a gente vivia ainda a implementação do neoliberalismo e depois o Fora Collor. Como você enxerga essa geração dos anos 90?
Lúcia – Eu acompanhei esse negócio da queda, do fim do muro. A queda do muro eu me lembro bem. Eu era pequena e estava em casa à tarde, e a minha mãe me ligou e me disse para eu ficar acompanhando pela televisão [as notícias sobre a queda do muro] e ficar ligando para ela; Ela disse para eu acompanhar os plantões da Rede Globo e ficar ligando para ela, que estava trabalhando, para contar o que estava acontecendo, se havia caído, e eles estavam derrubando. Então eu me lembro. Foi marcante para mim essa questão da queda do muro, esse rompimento, esse fim dessa era socialista no leste europeu.
E aqui no Brasil eu participei, quando cursava o ensino fundamental, de uma ou duas passeatas do Fora Collor em um outro colégio que eu estudava, o João 23. Eu também fui com a minha mãe.
A gente fez essa campanha do Fora Collor grande, nessa perspectiva aí de luta contra o neoliberalismo, que talvez eu ainda não entendesse dessa forma, com tanta clareza, mas era isso, essa luta contra as privatizações, contra a corrupção, contra o fim do Estado. E eu acho que isso sempre foi determinante na minha militância. Daí, quando eu entrei no movimento estudantil universitário eram os anos do Fernando Henrique, do Paulo Renato, das greves das universidades federais, essa questão bem intensa do neoliberalismo implementado até às últimas conseqüências; tentando ser implementado no Brasil, o Fernando Henrique vendendo as estatais. Eu participei intensamente das mobilizações que a gente fazia contra a venda das estatais, das privatizações e em defesa da educação pública. Participei de um comando de greve na UFRGS [Universidade Federal do RS] ainda, acampamentos, na greve de 2001, no ataque ao ministro da Educação, Paulo Renato, por causa da privatização branca que ele fazia das universidades públicas brasileiras e contra a abertura que ele fez, naquele período, ao capital privado na educação superior do país, o que gerou esse ‘boom’ de universidades privadas com as quais a gente tem que conviver até hoje no Brasil.
Então eu acho que esse período de resistência ao neoliberalismo foi o que marcou minha militância desde o início. Foi onde eu entrei, foi onde eu comecei e foi o período em que eu mais atuei, mais participei, em que a gente teve lutas com maior combatividade, com maior ênfase…
E essa nova geração dos anos 2000? Como você vê essa juventude de hoje, essa juventude extremamente midiática que convive com a convergência digital? Existe algum paralelo com a juventude da década de 90?
Lúcia – Eu acho que é uma juventude com muito mais condições de conhecer o mundo. Enfim, essas mídias, essas tecnologias às quais a juventude hoje tem acesso, faz com que ela tenha mais condições de conhecer o mundo. Isto se a curiosidade a incentivar a saber o que está acontecendo nos EUA, o que é que está acontecendo na guerra e porque é que a África está sofrendo o que está sofrendo. Eu acho que é uma juventude que não tende á alienação maior ou menor por conta da tecnologia que está sendo oferecida. Pelo contrário, a juventude tem mais condições de se rebelar por ter mais condições de conhecer e de entender o que está acontecendo.
Então eu acho que é uma geração que tem desafios, vai ter quê se organizar para lutar por outras conquistas e para resistir a outros ataques, mas eu acho que é uma geração que não vai perder essa combatividade que a juventude, eu acredito, tem ‘ao natural’, aquele desejo de mudar, aquele altruísmo maior, que é o que marca a juventude; aquele desprendimento com a sua vida, aquela pouca preocupação com o cotidiano, com o pagamento de contas, com o filho que ainda não tem. A vida da juventude ela está disposta a dar pelas causas que acha serem justas. Eu acho que é o momento mais rico da vida de uma pessoa justamente por isso. Eu acho que esta geração vai ter as suas lutas, vão ser outras, vão ser outras resistências, mas não vai ser uma geração menos batalhadora do que foi a de 90, do que foi a geração do fim do neoliberalismo.
De 1996 para cá quais foram as figuras que lhe marcaram nesse caminho?
Lúcia – Foram várias. Antes de eu ser da UJS mesmo, eu não tenho como negar, naquela época do Fora Collor eu tinha uma foto do Lindberg [Farias, presidente da UNE em 1.992, atual prefeito pelo PT de Nova Iguaçu (RJ)] na parede do meu quarto. Era uma matéria, alguma coisa falando de dinossauro, dinossauro sai do armário… Era uma matéria da Veja sobre o Fora Collor e tinha o Lindberg pousando com o joelhinho dobrado. Eu achava ele lindo e o achava legal. Então ele foi uma figura marcante assim no início, numa época em que eu nem militante era.
Depois o Orlando Silva Júnior [atual ministro dos Esportes], ele era presidente da UJS quando eu entrei. Então eu acho que foi uma das principais referências que eu tive sempre e até hoje às vezes eu me lembro, quando estou com alguma dúvida, alguma coisa me lembra o Orlando falando e eu penso: 'Pô, e o Orlando, o que ele pensaria?' Então eu tive aquela referência muito forte, o Orlando, a vida toda. As figuras do Rio Grande do Sul, também não dá para negar, foram os companheiros que começaram a militância comigo, também me ajudaram a formar minha consciência, minha disciplina, minha noção de coletivo, de UJS.
Mas acho que foram várias. No primeiro congresso da UNE que eu participei teve a eleição do Wadson, em 1999. Então também foi muito marcante para mim, o Capelli passando para o Wadson a presidência da UNE. O Wadson também marcou fortemente o início da minha vida universitária. O presidente de UNE que eu conhecia quando eu entrei na universidade era ele. Isso também foi determinante. E de lá para cá diversos companheiros da UJS têm sempre me ensinado muito.
Fora as referências da trajetória política que outras te marcaram?
Lúcia – Livro assim que marcou a minha vida, mas mais nesse aspecto lúdico, de incentivar e de me ajudar a passar por esta fase da adolescência e a canalizar para a transformação essa rebeldia da adolescência, foi O Apanhador no Campo de Centeio [de J.D. Salinger]. Quando eu li marcou muito, foi importante para mim o livro. Um escritor que eu sempre admirei, que desde que estou na UNE sempre tento trazer para todas as atividades de UNE e ainda não consegui é o Eduardo Galeano, um grande escritor. Ele é o meu escritor preferido. O Livro dos Abraços é o livro mais bonito que ele tem, e é muito poético. Ele [Galeano] também é comunista, ele tem esse espírito também. Então ele escreve coisas muito bonitas. Cem Anos de Solidão [do Gabriel García Márquez] é um livro que eu gostei. A minha formação teórica não tem novidades. Os nossos clássicos, as nossas referências me formaram.
Mudando de assunto… Como você tem avaliado esses anos do governo Lula?
Lúcia – Eu acho que a gente vive um momento de possibilidades, de conquistas muito maior do que a gente tinha antes. No início da minha militância foi esse negócio de resistência, de ficar contra a privatização, de lutar contra a abertura dessas universidades particulares e hoje nós temos a possibilidade de discutir com o presidente, sentados na mesma sala que ele pautando a necessidade de aprovar uma rubrica orçamentária específica para a assistência estudantil nas universidades federais, por exemplo.
A gente tem a possibilidade de sentar junto com o ministro da Educação e exigir que o projeto de lei da reforma universitária contenha alguns aspectos que os estudantes consideram importantes, como a obrigatoriedade de cursos noturnos, o aumento de 9 para 14% no valor da assistência estudantil, a questão da ampliação de vagas no Prouni, que ainda é um programa paliativo. Ele [Prouni] é muito importante para a inclusão da juventude brasileira na universidade, do jovem que não teria condição de entrar em uma universidade particular porque não poderia pagar a mensalidade, e que também não consegue passar no vestibular excludente da universidade pública, mas que, através do Prouni, tem condição de estudar.
O Lula na presidência guarda também muitas insuficiências, ainda são muitas coisas e a gente tem condições para avançar; mas é uma outra realidade que a gente vive; é um outro, um novo momento em que a gente tem mais condições de transformar o Brasil que a gente vive. A gente, nós dos movimentos sociais (CUT, UNE, MST), tem mais condições de pressionar pelas transformações do que a gente tinha antes. E acredito que o movimento social está sabendo usar isso muito bem, como muita autonomia, muita independência, com o distanciamento que tem que ter frente a qualquer instância do poder público. Acho que os movimentos sociais estão sabendo aproveitar o momento para exigir as transformações, as mudanças que ainda não foram feitas nesses primeiros cinco anos de governo Lula.
A gente espera que através da nossa pressão, da nossa mobilização constante nesse último período que ele ainda tem à frente da presidência, a gente consiga ver concluído esse segundo mandato com um Brasil diferente na estrutura, não só nessas medidas paliativas, mas estruturalmente diferente. Com uma política econômica diferente, com uma reforma política que seja democrática e inclusiva, não uma reforma política com as propostas que estão sendo colocadas hoje aí, como essa medida antidemocrática da cláusula de barreiras, mas uma reforma política que traga a população para a participação, com a criação de plebiscitos, de consultas, de referendos.
Acho que o Lula ainda pode fazer um grande debate público e transformar radicalmente a questão dos meios de comunicação do Brasil, a questão é urgente. Um debate maior com a sociedade sobre a democratização dos meios de comunicação. Eu acho que é isso que o Lula tem que fazer, foi isso que ele se comprometeu a fazer no seu programa de eleição para o segundo mandato, e é isso que o povo exige que ele faça. E nós dos movimentos sociais vamos pressionar para que ele conclua o seu segundo mandato com essas transformações conduzidas.
Como você avalia a gestão que está se encerrando na UNE?
Lúcia – Acho que foi uma gestão essencialmente vitoriosa e muito mobilizadora. Foi uma gestão que mexeu com os estudantes universitários porque construiu o Conselho Nacional de Entidades de Base (Coneb), onde reuniram-se centros acadêmicos e diretórios acadêmicos em Campinas (SP) no ano passado, que organizou a estrutura do movimento estudantil, permitiu que a gente construísse uma bienal no Rio de Janeiro no início desse ano, como foi a 5ª Bienal de Arte e Cultura da UNE. Bienal que gerou a reconquista do terreno da Praia do Flamengo, o que foi um dos maiores feitos dos últimos anos na história da UNE, foi um resgate da história do povo brasileiro reconquistar aquele terreno – que era dos estudantes e sempre foi um espaço de ebulição da cultura popular brasileira e das idéias políticas da juventude brasileira –, e que foi nos tirado na época da ditadura militar, e só agora, 40 anos depois, a gente consegui retomar, reconquistar para a UNE aquele terreno. A próxima gestão agora terá a responsabilidade de reconstruir um prédio com o projeto do Niemeyer, no Aterro do Flamengo.
Então foi isso, uma gestão vitoriosa e mobilizadora. Conseguiu mexer com a base do movimento estudantil, fazer com que a UNE chegasse dentro de cada sala de aula e, com isso, conquistou grandes vitórias, como foi o encaminhamento do projeto de lei da reforma universitária no Congresso, a reconquista do terreno da UNE e, enfim, tantas outras vitórias que a gente conseguiu conquistar nesses últimos dois anos.
Quem está próximo do movimento e acompanha a gestão da UNE sabe que tudo isso que você está falando é realmente uma marca importante, 70 anos da UNE, e tudo o mais… Mas uma grande quantidade de jovens no nosso país ainda está distante desse debate, não se interessa e nem procura saber o que é que está acontecendo. Para essa próxima gestão que vai rolar depois do Congresso, você acha que esse é um desafio?
Lúcia – Eu acho que são muitos os desafios que se avizinham. A próxima gestão da UNE tem que ser uma gestão que não sairá das ruas. Acho que esta tem que ser a marca da gestão. Quando a gente fala em colocar o bloco na rua é para manter os estudantes o tempo todo mobilizados pelas causas que são justas e pelas quais temos que lutar: por uma nova universidade, por uma universidade pública mais valorizada, por uma universidade particular com uma qualidade de ensino maior e mensalidades mais justas, pela democratização dos meios de comunicação, pela mudança na política econômica.
Eu acho que a gente tem que ficar constantemente em alerta e em mobilização para garantir as vitórias que a gente tem a possibilidade de conquistar nesses próximos dois anos. Tem que ser uma gestão de muita luta, muita vontade e com muita consciência de confiança de que a gente pode transformar o Brasil, e que a gente vive hoje junto dos outros movimentos sociais brasileiros.
Fora isso, essa é uma gestão que terá o desafio de organizar esses jovens que, como você falou, são muitos. Somos quase 4 milhões de estudantes universitários no Brasil com um perfil muito diverso. Então tem a elite na universidade, mas hoje tem o filho do trabalhador na universidade particular através de programas, como o Prouni ou algum financiamento estudantil. A UNE tem que conseguir dialogar com toda essa juventude que está na universidade brasileira e trazer todos esses jovens para essa luta, que é a luta por um Brasil diferente, por uma educação melhor para todo mundo.
Para conseguir trazer esses jovens para essa nossa luta, a gente vai ter que continuar com esses espaços que a UNE tem construído constantemente, como aperfeiçoamento dos fóruns de DCE’s, de centros acadêmicos, a Bienal. Além disso, acho que a UNE tem que construir nesse próximo período uma nova caravana que percorra todas as universidades ou todas as capitais do Brasil, dialogando com os universitários sobre os desafios que a gente tem pela frente.
Vai ser a gestão que vai concluir os 70 anos da UNE que a gente comemora agora em agosto. Então eu acho que vai ter o compromisso com esses 70 anos, com a retomada do terreno já tendo sido feita, tendo o compromisso de conseguir levantar ali no Flamengo 132, esse novo prédio que vai ser a nova sede, o novo espaço dos estudantes brasileiros. São vários desafios que se avizinham e que a gente vai ter que conseguir vencer um a um, todos os dias, na luta, na mobilização e na pressão por um Brasil melhor.
Uma das marcas dessa gestão que vai acabar agora em julho é a valorização da diversificação do trabalho da UNE. Tiveram encontros de mulheres, encontros de negras e negros cotistas, a UNE na Parada do Orgulho Gay, enfim, houve uma série de iniciativas. Mas há temas que ainda não pegaram na UNE, como a questão do meio ambiente e do esporte, por exemplo. Você acha que vai ser possível desenvolver outros temas na próxima gestão?
Lúcia – Eu acho que o meio ambiente é uma questão que está latente, é um debate latente na sociedade mundial. O G-8 mesmo está reunido para debater as questões do Tratado de Kyoto que se encerra. É uma questão em relação à qual toda a juventude tem muita sensibilidade, porque é o mundo em que a gente vive, é a gente saber se o nosso futuro vai ser só daqui há 20 anos ou se agente vai ter condições de criar nossos filhos e nosso netos em um país, em um planeta que está sendo destruído pelo avanço de todo o sistema capitalista com as condições de exploração do meio ambiente desenfreada e inconseqüente que a gente vem vendo acontecer. Acho que o meio ambiente tem que ser de fato um tema a ser desenvolvido com mais cuidado pela UNE.
A UNE sempre deu atenção à questão da Amazônia e sempre fez campanhas em defesa da Amazônia, pela soberania e pela defesa da floresta Amazônica. Eu acho que tem que desenvolver isso e ir mais além.Tratar da questão do meio ambiente da forma e com a seriedade como essa questão merece ser tratada e que eu acho que é uma coisa que a juventude tem muita sensibilidade, talvez mais sensibilidade que qualquer outra geração já teve. É uma geração que tem muito mais noção, muito mais consciência dos perigos que a gente vive hoje, que o nosso planeta vem sofrendo pelas questões ambientais. Eu acho que a próxima questão da UNE vai ter um desafio sim, de saber desenrolar melhor, de saber organizar os estudantes e a juventude brasileira na luta em defesa do meio ambiente.
E o esporte também. O esporte universitário é muito importante no dia-a-dia de quem está em sala de aula. As atléticas são muito organizadas, os jogos universitários brasileiros acontecem e a UNE, por 'falta de perna' mesmo, não consegue organizar tudo, não consegue organizar todos os trabalhos possíveis que a gente teria. Mas eu também acho que o esporte é uma das questões mais aparentes agora, com o Pan sendo no Brasil, com a possibilidade da Copa vir para o Brasil em 2014. Enfim, são muitas coisas que vêm trazendo o esporte cada vez mais presente no dia-a-dia aí da vida dos estudantes universitários. Eu acho que a UNE vai ter que voltar a estar à frente da organização dos Jubes [Jogos Universitários], voltar a estar à frente da organização dos jovens que fazem esportes e se desenvolvem, desenvolvem seu trabalho universitário por meio do esporte.
Lúcia, você é a quarta mulher a liderar a UNE em 70 anos. A penúltima foi a Patrícia de Angelis, que também era gaúcha e antecedeu a gestão que mobilizou o Fora Collor. Como você pensa em enfrentar essa relação tensa que rola, às vezes, de mulher na política, na liderança?
Lúcia – Essa questão de em 70 anos eu poder ser a quarta mulher presidente demonstra que, mesmo no movimento estudantil, por mais que cada vez mais a gente adquira consciência da importância da organização das mulheres nos espaços públicos, eu acho que demonstra que a gente ainda não alcançou o grau de consciência e de inclusão necessário das mulheres, porque é mais difícil para a mulher se posicionar enquanto liderança em qualquer espaço.
Em cada dia, em cada reunião em que a gente vai tem que se colocar com colegas do centro acadêmico, ou em uma plenária na qual a gente tem que falar para milhares de pessoas em cima de um palco. Cada coisa dessas para a mulher é sempre mais difícil. A gente sofre uma opressão maior e que às vezes as pessoas até naturalizam, acham que é normal uma mulher subir para fazer a defesa de uma proposta política e ter lá em baixo pessoas gritando ''ô gostosa''. E as pessoas acham que é normal, que isso não agride a mulher liderança que está ali, e não se dão conta de que é isso o que afasta tantas jovens do movimento estudantil, do trabalho de base do movimento estudantil.
Então eu acho que vai ser um desafio grande, que de fato já se colocou em outros momentos da minha militância por outras tarefas que eu assumi, mas nunca com o tamanho, com a proporção que deverá ter agora, tendo esse trabalho à frente da presidência da UNE. Mas eu espero que essa gestão e essas dificuldades que eu venha a passar sirvam para ajudar a conscientizar sobre a importância da organização das mulheres no movimento social, sobre a importância da participação das mulheres na vida política do Brasil. Que a gente consiga ver cada vez mais mulheres participando de disputas eleitorais, de cargos executivos e legislativos.
Que seja uma gestão da UNE que, tendo uma mulher na presidência, tendo diversas mulheres na diretoria, como eu tenho certeza de que vamos ter, a gente consiga levantar alto essa bandeira em defesa da autodeterminação, pela auto-organização das mulheres no movimento social.
Existia uma vontade grande por parte de outras correntes de opinião do movimento social, para além da UJS, que você fosse a nova presidente da UNE. Quais as qualidades que você acha que levam a essa vontade?
Lúcia – Eu tive a chance de estar participando de diversas pastas da UNE. Essa experiência me ensinou muito a importância do diálogo com as outras forças políticas, a importância da construção coletiva, a importância de entender que o movimento estudantil e a UNE são patrimônios muito grandes de todo o povo brasileiro, e não só da força política que estiver à frente dela, e nem só de todas as forças políticas que estão à frente da UNE.
A UNE é um patrimônio grande demais para a gente tentar dirigir, conduzir sozinho. Acho que foi isso que a UJS me ensinou nesse tempo em que eu estive à frente da UNE. Isso que eu desenvolvi muito, que tive a chance de exercitar nesses últimos anos em que eu estive à frente da UNE, esse diálogo, esse respeito e essa compreensão da importância que tem a diversidade de organizações e de forças, e de opiniões políticas que participam e constroem a UNE, e a diversidade que é aquela que enriquece e permite que a entidade seja cada vez maior, como vem sendo.
Se não fosse essa diversidade de opiniões, de concepções, a UNE hoje não teria tantos fóruns, como a gente já mencionou aqui. E outras forças, outras pessoas que levantam a bandeira do software livre e construíram isso dentro da UNE. Eu acho que essa construção com as diferentes forças políticas foi o que ajudou a UNE a crescer e a aprender com o diálogo, aprender com a diferença, sempre saber o que tirar de bom de cada opinião divergente da sua, eu acho que foi isso que me ajudou a crescer, ajudou a UNE a crescer e talvez tenha sido o que motivou outras forças políticas a acharem que eu poderia estar à frente nesse próximo período pelo respeito e o aprendizado constante e permanente com as diferenças e com o diverso que a UNE nos proporciona.
A maior escola política do Brasil eu acho que é a UNE, justamente por isso, pela possibilidade que a gente tem de conviver com opiniões tão divergentes às vezes, tão opostas, e saber tirar disso sempre a melhor síntese de toda essa diversidade.
Você acha complicado ser militante da UNE? Dá tempo de ir ao cinema, namorar, visitar os pais. Como é que é isso?
Lúcia – Não é outra vida, faz parte da mesma vida. A gente é completo tendo todas essas possibilidades de vivências diferentes. Eu acho que sem isso, sem esse outro lado, a questão de ter um companheiro, de ter uma família, de conseguir curtir isso, a gente não conseguiria desenvolver a militância de forma tão plena como desenvolve. Só na atuação do movimento estudantil, só no cotidiano da militância que é muito desgastante e às vezes é cansativo, enfim, é difícil, é desafiante. Se a gente não tivesse essa possibilidade de poder relaxar, descansar, de poder às vezes ser mais a gente e menos o conjunto, e menos o coletivo, eu acho que seria ainda mais difícil.
Então eu acho que é determinante para o militante ter toda a disposição de militar que tem que ter – quanto mais destacada a tarefa maior será a dedicação que ele terá que ter com a vida militante – mas conseguir junto disso ter esse lado da família, esse lado de ter um namorado, de ir ao cinema, de jantar fora, ‘de viajar quando dá, dar uma fugida quando pode eu acho que é determinante para a gente conseguir desenvolver com plenitude as tarefas o os desafios que a militância nos impõe.
Qual é o maior sonho da Lúcia?
Lúcia – Acho que o sonho é esse de conseguir ajudar, ser parte da transformação do mundo que a gente vive, ser uma parte de todo esse conjunto de pessoas e de ações que visam transformar o Brasil, o mundo, em um lugar melhor para se viver, em um lugar mais justo, um lugar onde as pessoas possam desenvolver suas capacidades, seus desejos com plenitude. Acho que é isso. Meu sonho é viver em um mundo diferente e conseguir ser um dos agentes transformadores desse mundo.