Entidades lembram Dia Mundial em Apoio às Vítimas de Tortura
A Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, a ACAT-Brasil (Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura) e o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e outras entidades ligadas as lutas de di
Publicado 27/06/2007 20:25
No dia 10 de agosto de 1996, dois jovens da classe média paulistana foram assassinados no interior do bar Bodega, uma choperia localizada num bairro rico de São Paulo. Duas semanas após o crime, a política divulgou o nome dos responsáveis, que teriam confessado a culpa. Meses depois, no entanto, eles foram soltos, depois que o Ministério Público não encontrou provas suficientes de que os cinco jovens negros, moradores da periferia da capital paulista, eram os assassinos do caso.
Vieram à tona então indícios de que suas confissões seriam resultado da prática da tortura. O crime do bar Bodega não é o único a ser manchado por práticas violadoras de direitos cometidas por agentes do Estado, sob a justificativa de obtenção de informações no combate à criminalidade. Mas foi um dos lembrados neste dia 26 de junho, em atos que marcaram no Brasil o Dia Mundial das Nações Unidas em Apoio às Vítimas de Tortura.
Em São Paulo, duas manifestações destacaram o quanto a tortura está enraizada no Brasil e ainda pauta a ação dos agentes públicos. “Hoje esta é uma prática tolerada pela sociedade. Muitas vezes, a tortura é usada como sistema; muitas vezes, acaba substituindo a investigação. Nas unidades penitenciárias, funciona como uma pena a mais a que são submetidos os detentos. Mas trata-se de um crime de lesa humanidade. Para que não aconteça, é preciso verificar os casos onde ocorreu e responsabilizar os culpados. Isso, no entanto, não acontece”, afirma Rose Nogueira, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.
Na avaliação da ACAT-Brasil (Ação dos Cristãos pela Abolição da Tortura), o principal responsável pela prática da tortura hoje no país é o Estado. “É ele que, em teoria, ao dar proteção aos encarcerados, acaba violando seus direitos”, disse Sinvaldo Firmo, advogado da organização, que diariamente recebe denúncias de práticas de tortura nas delegacias, unidades de internação e prisionais. Para a ACAT, a lei 9455 de 1997, que tipifica dos crimes de tortura, não está sendo cumprida nem considerada pelo próprio Poder Judiciário.
“Sabemos que muitos casos, que entendemos como tortura, não são qualificados como tal quando chegam ao Judiciário”, explica Firmo. “Em parte isso ocorre porque a sociedade brasileira ainda não assimilou a lei. É fundamental que ela seja implementada pelo Estado e seja cumprida em todas as unidades da federação, porque tortura existe em todos os estados do país”, afirma.
Na outra ponta, as organizações de defesa dos direitos humanos ainda encontram dificuldades para produzir provas da prática de tortura. Em 2002, a Assembléia Geral da ONU adotou o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, que visa ao estabelecimento de medidas mais efetivas para se atingir os objetivos da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, adotada pelas Nações Unidas em 1984 e ratificada pelo Brasil em 1989. O principal objetivo do Protocolo é estabelecer um sistema de visitas regulares de órgãos nacionais e internacionais independentes em locais de privação de liberdade, como manicômios, penitenciárias, delegacias, asilos públicos e demais unidades de detenção para adultos e adolescentes. Essas visitas, feitas sem aviso prévio, poderiam produzir flagrantes de tortura, facilitando a responsabilização de agentes do Estado que se utilizam da prática. O Protocolo foi assinado pelo Brasil em 2003 e ratificado no ano passado, mas o mecanismo de visitas regulares a unidades prisionais ainda não foi implementado no país.
“Hoje, em São Paulo, trabalhamos com uma autorização da Secretaria de Administração Penitenciária que autoriza nossa entrada nas unidades mediante aviso prévio. Seria importante que as organizações da sociedade civil pudessem entrar a qualquer momento, porque só assim conseguiremos verificar alguma irregularidade. Do contrário, os flagrantes não acontecem e corremos o risco dos agentes ocultarem os fatos”, acredita Heliane Groff, psicóloga da ACAT.
Herança cruel
Em ato realizado no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, o procurador da República Marlon Weichert lembrou que a impunidade dos atos de tortura, cometidos no passado, durante a ditadura militar, é responsável por parte da violência policial e da repressão do Estado que ocorre nos dias de hoje. No final de maio, o Debate Sul-Americano sobre Verdade e Responsabilidade em Crimes contra os Direitos Humanos, organizado pelo Ministério Público Federal em São Paulo, mostrou como as violações impunes da ditadura produziram uma tolerância de grande parte da sociedade a crimes graves como a tortura.
“A violação mais grave dos direitos humanos hoje tem tudo a ver com um passado mal resolvido que não se penitenciou, nem se investigou. Mas tem a ver com hoje também. Quando um torturador viola direitos, se inspira nos que ficaram impunes e também naqueles que hoje, estando na cúpula do poder, fazem o mesmo sem punição”, afirmou na ocasião Francisco Rezek, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal e ex-juiz do Tribunal de Haia, a Corte Internacional de Justiça.
Um dos trechos da Carta de São Paulo, resultante do debate promovido pelo MPF, afirma que “a inserção do Brasil no sistema internacional de direitos humanos, com adesão à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao Tribunal Penal Internacional, entre outras instâncias, impõe uma re-contextualização da legislação relativa à responsabilidade de agentes públicos que perpetraram – e ainda perpetram – graves crimes contra a humanidade”.