70 anos da UNE unifica Senado em dia raro

O plenário do Senado viveu um dia diferente em Brasília na tarde desta quarta-feira (4). No lugar das últimas sessões tensas, onde senadores divergiram sobre que encaminhamentos dar aos trabalhos da Casa diante dos últimos acontecimentos que envolver

O turbilhão pelo qual passa o Senado, no entanto, não passou incólume durante a sessão. O próprio Pedro Simon registrou o momento como “conturbado” durante os trabalhos da mesa. “Penso que o destino fez com que a nossa reunião viesse em um dia realmente muito importante. Todos sabemos que o Senado vive um momento conturbado – problemas nossos, de vida interna –, e que, se Deus quiser, vamos superá-lo com a responsabilidade que temos”, disse.


 


Simon chamou ainda a atenção do senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), autor da solicitação da sessão, para a “coincidência” do encontro no momento em que o Senado passa por uma crise. “Mas não deixa de ser impressionante, meu bravo companheiro Arruda, a coincidência desta reunião. Acho que estamos recebendo uma aula de civismo; acho que estamos recebendo, por assim dizer, um chamamento da nação: são os jovens que vêm aqui, neste momento, dizer: ‘Resolvam, porque essa questão é simples, singela e ridícula. Resolvam, porque o Brasil tem muitas coisas mais importantes para levarmos adiante’”, declarou. As palavras de Simon parecem ter anunciado o que mais tarde aconteceria na mesma sessão, a renúncia de Roriz.


 


Porém, o tom predominante da sessão – que teve como mesa condutora dos trabalhos, além de Simon e Inácio, Gustavo Petta, presidente da UNE, Sérgio Mamberti, secretário da Identidade e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Efraim Filho, deputado federal da PB pelo DEM e Arthur Poerner, historiador – foi de muita unidade, emoção e muitas histórias.


 


Uma história de muitos


 


A história dos 70 anos da UNE foi literalmente passada a limpo pelos senadores durante a sessão. Desde a sua fundação, em 11 de agosto de 1.937, até a recente conquista da entidade de uma rubrica do orçamento do governo para a assistência estudantil nas universidades públicas federais, foram repetidamente ditas pelos oradores. Campanhas históricas como “O Petróleo é nosso!”, “UNE Volante”, “Diretas já”, “Fora Collor”, “Marcha dos 10 mil”, entre outras, foram pautas de dezenas de falas.


 


O CPC da UNE também foi reverenciado pelos presentes. Figuras como Vinícius de Morais, Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar, Gianfresco Guarnieri, Carlinhos Lyra, Paulo Pontes, Leon Hirzmann, Cacá Diegues, Arnaldo Jabor, entre outros, símbolos do CPC, foram relembrados como personagens precursores da construção de uma nova cultura popular no Brasil dos anos 60 e 70.  “Não podemos esquecer também da imensa contribuição que a UNE deu à cultura brasileira por meio do Centro Popular de Cultura. O CPC deu, na década de 60, um novo ânimo à cena artística nacional e forjou vários movimentos e tendências que vieram a moldar e gerar uma nova e incipiente cultura popular brasileira”, assinalou o senador Valdir Raupp (PMDB-RO).


 


Os senadores aproveitaram o encontro para reviver momentos iniciais de sua trajetória política ao contarem suas próprias histórias no movimento estudantil. Um das mais intrigantes foi apresentada pelo senador Geraldo Mesquita Junior (PMDB-AC). Ao ler uma matéria publicada no jornal Correio Braziliense de 11 de outubro de 1.998, que conta o que aconteceu na capital federal logo após o episódio da queda do 30º Congresso da UNE no sítio Murundu, em Ibiúna (SP), no dia 12 de outubro de 1.968 onde a ditadura prendeu 705 estudantes, o senador expressou a mistura de ingenuidade, coragem e resistência que marcou a sua geração.


 


Mancada


 


Segundo a matéria lida em plenário pelo senador, os estudantes que não foram presos em Ibiúna resolveram continuar a protestar. A organização chamada Ala Vermelha do PCdoB, uma dissidência do partido, decidiu fazer comícios-relâmpago em diversos pontos da cidade. O local escolhido para um dos protestos foi a Igreja do Santíssimo Sacramento, na 606 Sul. A idéia acabou se configurando como uma das maiores “mancadas” da esquerda brasiliense nos anos 60.


 


A quermesse era organizada por esposas de militares, mas ninguém sabia. E, apesar de todos os indícios de que ali não seria um local adequado para o protesto, eles seguiram em frente. Eram 21h30 quando o estudante Álvaro Lins Cavalcante Filho falou ao microfone na quermesse. “Nós, estudantes de Brasília, estamos aqui novamente para combater a ditadura militar, que acaba de prender cerca de 700 colegas em São Paulo. Convidamos o povo para sair à rua e combatermos juntos essa ditadura militar”, disse. Logo o tumulto se formou e o atual senador Geraldo Mesquita, na época militante do movimento estudantil, segurou o homem que queria tomar o microfone de Álvaro. O resultado foi à prisão de quatro estudantes – Álvaro, Geraldo, Marcos Antônio Correa Lima e Tadeu Siqueira – que ficaram cinco dias incomunicáveis no quartel da Polícia do Exército e depois foram transferidos para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), onde prestaram depoimento, sendo posteriormente liberados.


 


Ao lembrar da tortura pela qual passou o senador concluiu dizendo que “a UNE precisa render homenagem à sua própria história”, pois, “não se pode falar da UNE sem emoção, a UNE é pura emoção e sua história é a história da emoção da luta do povo brasileiro por liberdade, por democracia, e por melhores dias para todos nós”.


 


Honestino: rodovia da utopia


 


Homenagem e desafio, assim o senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) sintetizou a sua mensagem ao plenário. “A UNE merece toda a nossa homenagem, como muitos aqui já falaram. Por isso, eu venho aqui fazer esta homenagem, mas também trazer o desafio de que a UNE continue na rua, lutando para construir no Brasil uma sociedade utópica que tem, para mim, hoje, uma definição: uma sociedade onde o filho do pobre tenha escola com a mesma qualidade do filho do rico; uma sociedade onde possa haver desigualdade na roupa, no transporte, na comida, mas não na educação. Esse é o desafio que está diante de nós e que a gente não pode deixar de lado: o desafio da igualdade e da alta qualidade na educação de base”, falou.


 


Emocionado, Cristóvão encerrou fazendo um apelo ao plenário para que o mesmo aprove o projeto de lei de sua autoria que denomina Rodovia Honestino Monteiro Guimarães o trecho da rodovia BR-020 que atravessa o Distrito Federal de ponta a ponta. “O projeto simboliza esse casamento de comemoração e desafio porque, ao lembrar o nome do Honestino estamos lembrando o nome da UNE, e desafio porque todos os jovens que passarem por essa rodovia, que inclusive leva a UnB, vão se lembrar de Honestino, que morreu lutando para que este país pudesse caminhar para uma revolução e construir uma utopia. Não deixemos que morra Honestino, porque ele significa o sonho de uma sociedade utópica por meio de uma revolução que está em nossas mãos fazer”.


 


Críticas a política econômica do governo Lula também não faltaram ao encontro. José Nery (PSOL-PA) colocou que “é necessário também que a UNE esteja junto com os trabalhadores na luta por mudanças radicais na política econômica, condição sine qua non para o aumento dos investimentos públicos numa educação de qualidade em nosso país”.


 


Unidade


 


 


Ao todo falaram no plenário 14 senadores, de 8 partidos e 14 estados ao longo de duas horas e meia onde passado e presente confirmaram que a história da UNE confunde-se com a história do Brasil. Ex-presidentes da entidade, como o ministro dos Esportes, Orlando Silva, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, o ex-deputado federal, Aldo Arantes e Cláudio Langone participaram da sessão onde apenas senadores puderam usar a palavra.
 


Após as intervenções dos senadores, Maria Rosa Monteiro, mãe de Honestino, foi homenageada pelas dezenas de senadores e centenas de estudantes com o recebimento da bandeira da UNE, especialmente produzida para a comemoração dos 70 anos, pela deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), Inácio Arruda e Gustavo Petta. A bandeira tremulou quando o Hino da UNE, composto por Vinícius de Morais, foi entoado pelas centenas de vozes que encerraram o histórico encontro no Senado.


 


Na avaliação do senador Inácio a sessão “foi muito importante por demonstrar que a luta da UNE é tão importante e significativa para o Brasil a ponto de fazer convergir opiniões dos mais diversos senadores, das mais diversas matizes ideológicas e políticas”.


 


“É muito bonito chegar aqui e ver que a luta de meu filho está mais viva do que nunca, que a UNE continua crescendo e inspirando os mais velhos e principalmente os mais jovens a continuar as lutas heróicas do jovens do passado”, disse Maria ao Vermelho antes de se despedir extremamente emocionada do presidente da UNE, Gustavo Petta.


 


A sessão antecedeu o 50º Congresso da UNE, que começa nesta quinta (5) e vai até o domingo (8) na UnB, em Brasília.


 


Carla Santos,
de Brasília