Relatório da Comissão de Anistia: Aldo Arantes foi imprescindível

“Num dos mais importantes poemas, o alemão Bertold Brechet afirma que: ''Há homens que lutam um dia – e são bons. Há homens que lutam um ano – e são muito melhores. Há aqueles que lutam muitos anos – e são muitos bons. Porém existem aqueles que lutam toda

O voto do relator foi lido na reunião aberta realizada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça durante o 50º Congresso da UNE na Universidade de Brasília na última sexta-feira, dia 05 de julho. Segundo ele, “o anistiando teve a sua carreira profissional e parte de sua vida ceifada por atos de exceção perpetrados por um regime ditatorial inescrupuloso”.


 


Em seu discurso, Oliveira lembrou que “o Brasil mudou e hoje estamos aqui na UnB, a primeira instituição de ensino a sofrer a intervenção dos militares golpistas de 1964, no Congresso da UNE que igualmente foi destroçada e perseguida pela violência feroz instituída na época. Esse evento é histórico, pois a juventude em geral e em especial a estudantil, jogou importante papel na luta contra a ditadura”.


 


Em decorrência do reconhecimento da anistia política, sua aposentadoria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) como técnico, depois de ter voltado ao país com a Lei da Anistia, foi revista. De acordo com a comissão, caso Arantes não tivesse sido afastado do cargo que ocupava no Incra na época em que foi preso e exilado pela ditadura militar, hoje ele poderia ocupar o cargo de procurador especial com salário de R$ 10.497.50. Esse será o salário que Arantes passará a receber retroativo a 1997.


 


Trajetória


 


Aldo Arantes foi presidente da UNE em 1961. Com o golpe militar de 1964, foi demitido do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e obrigado a se exilar no Uruguai. Retornou ao Brasil na clandestinidade em 1966. Foi preso em dezembro de 1968 por agentes da  repressão e levado juntamente com a esposa e os filhos ao DEOPS de Maceió. Fugiu da cadeia e voltou para São Paulo. Sua esposa e os dois filhos ficam presos até maio de 1969.


 


Em 1976, participou da reunião do Comitê Central em São Paulo na qual foi preso juntamente com outros dirigentes, entre eles Elza Monerat e Haroldo Lima, no episódio que ficou conhecido como ''Chacina da Lapa'', ocasião em foram covardemente assassinados: Ângelo Arroio, Pedro Pomar e João Batista Drumond.


 


Preso, foi levado ao DOI CODI no Rio de Janeiro e submetido, durante vários dias seguidos, a brutais torturas físicas. De volta a São Paulo, foi levado ao DOPS e depois para o DOI do II Exército onde continuaram as torturas. Denunciado e processado pela Justiça Militar, foi condenado, em 1977, a uma pena de cinco anos de reclusão e como pena acessória teve seus direitos políticos suspensos por dez anos. Cumpriu pena no Presídio de Branco em São Paulo até 1979, quando foi solto em razão da Lei de Anistia.


 


Leia a íntegra do voto do relator:


 


REQUERIMENTO DE ANISTIA Nº. 2003.01.16412
ANISTIANDO: ALDO SILVA ARANTES
RELATOR: Egmar José de Oliveira



 
 
ANISTIA. DECLARAÇÃO DIRIGENTE COMUNISTA. PRISÃO. AFASTAMENTO DO CARGO. INCRA. CONDENAÇÃO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLITICOS. SUBSTITUIÇAO DE APOSENTADORIA EM PRESTAÇÃO MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA. PEDIDO DEFERIDO.



1 – Iniciou sua atividade política no movimento estudantil. Presidente da UNE. Militante da Ação Popular e depois PCdoB. Afastamento do cargo no INCRA. Prisão.
2 – Condenado a 05 anos de reclusão e suspensão dos direitos políticos por 10 anos.
3 – Declaração da condição de anistiado político. Substituição da aposentadoria por prestação mensal, permanente e continuada.
4. Pedido deferido em parte.



 
 
ALDO SILVA ARANTES, protocolizou junto a esta Comissão de Anistia, requerimento pleiteando a  concessão da declaração da condição de anistiado político e a reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada em razão das perseguições sofridas durante a ditadura militar, nos termos da inicial de fls. 01/05.


 


Informa que iniciou a sua atividade política no movimento estudantil secundarista no final da década de 1950 em Goiânia, e ao se mudar para o Rio de Janeiro, onde iniciou o curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica, foi eleito presidente do Diretório Central dos Estudantes e seguida presidiu a União Nacional dos Estudantes, UNE. Diz ainda que militou na Juventude Universitária Católica e foi um dos fundadores da Ação Popular e que ingressou no serviço público federal em 27 de março de 1963, no cargo de Inspetor de Emigração – Portaria nº 83, publicada no Diário Oficial da União de 07 de maio de 1963, trabalhando nos projetos de Reforma Agrária, doc. de fls. 07.


 


Com o golpe militar de 1964 afirma ter sido demitido e que em razão de ser uma liderança nacionalmente conhecida e correndo o risco de ser preso, foi obrigado a se exilar no Uruguai com sua esposa. Ali nasceu o seu primeiro filho, doc.fls. 08. Retorna ao Brasil na clandestinidade em 1966, indo morar em São Paulo onde fica até 1967 quando se muda para o interior de Alagoas e passa a desenvolver as suas atividades políticas junto aos trabalhadores rurais, usando o nome falso de Roberto Ferreira, doc.fls. 09.


 


Afirma que em decorrência de suas atividades políticas em Ação Popular, desenvolvidas em Pariconha, distrito de Água Branca, sertão de Alagoas, foi preso no dia 14 de dezembro de 1968 por agentes da  repressão e levado juntamente com a esposa e os filhos ao DEOPS de Maceió. Indiciado em IPM e processado perante a 7ª Auditoria da Região Militar é condenado a uma pena de seis meses de reclusão. Antes de ser levado ao presídio da capital alagoana, diz, foge da cadeia com ajuda de companheiros e volta para São Paulo. Sua esposa e os dois filhos ficam presos até maio de 1969, doc.fls. 10/18.


 


Informa que 1972 ingressou no Partido Comunista do Brasil e passou a integrar a sua direção na clandestinidade e que em 1976, quando participava de uma reunião do Comitê Central em São Paulo, foi preso juntamente com outros dirigentes, dentre eles Elza Monerat e Haroldo Lima, no episódio que ficou conhecido como ''Chacina da Lapa'', ocasião em foram covardemente assassinados: Ângelo Arroio, Pedro Pomar e João Batista Drumond.


 


Preso foi então levado ao DOI CODI no Rio de Janeiro e submetido, durante vários dias seguidos, a brutais torturas físicas. De volta a São Paulo, o Anistiando diz ter sido levado para o DOPS e depois para o DOI do II Exército, onde continuaram as torturas, doc. de fls. 19/59. Denunciado e processado perante a Justiça da Primeira Auditoria Militar da II Circunscrição Judiciária Militar, em São Paulo, o Anistiando é julgado e condenado em 30 de junho de 1977 a uma pena de 05 (cinco) anos de reclusão e como pena acessória teve seus direitos políticos suspensos por 10 (dez) anos, doc.fls. 29/47 e fls. 371/373.


 


Cumpriu pena no Presídio de Branco em São Paulo até 1979, quando foi solto em razão da Lei de Anistia. Aduz que requereu administrativamente em 1986 a sua reintegração ao cargo que fora afastado no INCRA. O seu pedido foi acatado pela Comissão de Anistia criada pelo órgão e no dia 11 de junho de 1987 foi  readmitido e aposentou 1991, doc.fls. 60/61, no cargo de Técnico em Colonização, doc.fls. 360.


 


Alega que apesar de sua readmissão não recebeu nenhuma indenização pelo período em que foi compelido ao afastamento do cargo por motivação exclusivamente política, ou seja, de 24 de abril de 1964 a 11 de junho de 1987. Requerer, ao final, a declaração de sua condição de anistiado político e a concessão da reparação econômica em prestação continuada ou em prestação única como forma de reparar o período de afastamento.


 


Junta farta documentação com o intuito de provar o alegado, a saber: fls. 07 (termo de posse e exoneração do cargo na SUPRA, hoje INCRA) fls. 08 (certidão de nascimento dos filhos André); fls. 09/12 (extratos do arquivo do DOPS/Maceió); fls.29/41 (mandado de citação expedido pela 1ª Auditoria Militar de SP); fls. 42/59 (Presos Políticos do Barro Branco); fls.60/61 (cópia do Diário Oficial da União – publicação da reintegração e aposentadoria); fls. 302/352 (resposta de diligência fornecida pelo INCRA).


 


Às fls 361/369, o Anistiando retifica o seu pedido inicial, aduzindo em síntese que se não tivesse sido afastado do seu cargo em 1964, por motivação exclusivamente política, poderia ter chegado ao cargo de Procurador Autárquico, Classe Especial do INCRA, fls. 361/369. Alega ainda que concluiu em 1981 o curso de Direito pela PUC do Rio, que havia abandonado no 5º ano em 1964, e que por esta razão tem direito à correção do seu enquadramento funcional. Requer a substituição da aposentadoria que recebe hoje, pela prestação mensal permanente e continuada relativa ao cargo de Procurador Autárquico, Classe Especial.


 


Requer também a reparação econômica em prestação única correspondente aos 15 anos de perseguição sofrida e preferência no julgamento de seu requerimento em razão de já contar com mais de 66 anos de idade. Junta novos documentos: fls. 370 (declaração do INCRA), fls. 371/372 (extrato do Livro ''História da Ação Popular – da JUC ao PC do B); fls. 374/376 (Historio Escolar do Curso de Graduação em Direito pela PUC/RJ) e 377/381 (Cópia Diário Oficial)''.É o relatório.


 


Num dos mais importantes poemas, o alemão Bertold Brechet afirma que: ''Há homens que lutam um dia – e são bons. Há homens que lutam um ano – e são muito melhores. Há aqueles que lutam muitos anos – e são muitos bons. Porém existem aqueles que lutam toda uma a vida – estes são imprescindíveis''. O Anistiando é uma dessas pessoas a que o poeta se referiu.


 


É impossível alguém que como eu que teve o privilégio de fazer parte da geração estudantil brasileira que reconstruiu a UNE no final da década de 1970 e inicio dos anos 80 ter opinião diferente sobre o Anistiando.


 



Independentemente da coloração política, a juventude estudantil que reconstruiu a UNE na plena vigência do governo ditatorial, tinha dois referenciais: ALDO ARANTES e HONESTINO GUIMARÃES. Aldo foi e é um homem guerreiro e lutador, exemplar em todos os sentidos. Lembro-me como se fosse hoje, a primeira vez em que vi pessoalmente Aldo Arantes. Foi novembro de 1979, logo após a ele ter saído do Presídio do Barro Branco em São Paulo. O improvisado auditório do DCE da Universidade Federal de Goiás estava repleto de estudantes a espera daquele que era para a grande maioria uma referência política, quase que um mito. Para mim, em especial, aquele encontro marcou muito, pois ali tive a certeza de que lutar valia a pena, pois valeu fazer as pichações, distribuir os panfletos, ir aos debates e reuniões e agitar a bandeira da Anistia Ampla Geral e Irrestrita, pouco importando se ela não veio como pretendíamos.


 


Confesso que o que ficou para nós daquele encontro não foi a imagem física debilitada de homem que foi submetido a brutais torturas e acabara de sair da cadeia. O que ficou foi discurso contundente e palavras de entusiasmo e a disposição em continuar na luta por um Brasil independente e socialista.


 


O Brasil mudou e hoje estamos aqui na UnB, a primeira instituição de ensino a sofrer a intervenção dos militares golpistas de 1964, no Congresso da UNE que igualmente foi destroçada e perseguida pela violência feroz instituída na época. Esse evento é histórico, pois a juventude em geral e em especial a estudantil, jogou importante papel na luta contra a ditadura. Quanto a perseguição política sofrida pelo Anistiando é inquestionável. As provas existentes nos autos e a sua notoriedade política – presidente da UNE na gestão de 1961/62 e a sua militância comunista são a confirmação de tudo o que é narrado na inicial. E para que melhor possamos compreender tudo que se passou nesse período é importante pontuarmos alguns episódios da nossa história ocorridos na época.


 


A renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961 pegou de surpresa o povo brasileiro. O Congresso Nacional toma conhecimento através de uma mensagem curta e sem maiores explicações que fora por ele enviada e que é lida em plenário naquela tarde. Uma onda de boatos ronda o país. A principal delas – que não era boato mais fato – é a decisão dos ministros militares de impedir a volta ao Brasil do Vice Presidente da República João Goulart que se encontrava em viagem à China e de conseqüência impedir também a sua posse. A normalidade democrática estava seriamente ameaçada. Era a ameaça golpista que se consumaria em 1º de abril de 1964.


 


Na tentativa de efetivar os seus propósitos golpistas, os militares desencadeiam uma onda de prisões e repressões. São presos jornalistas, sindicalistas, artistas, intelectuais e estudantes. Jornais como o ''Correio da Manhã'' no Recife, ''A Noite'' e ''Última Hora'', do Rio têm suas sedes invadidas. A sede da UNE na Praia do Flamengo no Rio de Janeiro, à época presidida pelo Anistiando também é atacada. A reação não tardou e veio com mais contundência do Estado do Rio Grande do Sul, onde o governador Leonel Brizola reuniu a imprensa no mesmo dia da renúncia e disse: ''Desta vez não darão o golpe por telefone.'' Em termos prático, Brizola transformou a sede do governo, o Palácio Piratini, num verdadeiro bunker , quartel general da campanha pela legalidade.


 


Com o objetivo de ''assegurar a ordem pública'' e ''preservar a autonomia do Estado'' o governador requisita e determina fosse instalado um estúdio da Rádio Guaíba nos porões do Palácio. Nascia ali a Rede Nacional da Legalidade com a integração espontânea de rádios de todo o país. Luiz Carlos Prestes, dirigente comunista já anistiado por esta Comissão, afirmou certa vez que: ''Aquela cadeia da legalidade em grande parte contribuiu para a possibilidade de Jango tomar o poder''.


 


A União Nacional dos Estudantes de longa tradição democrática não ficou atrás e no dia seguinte à renúncia do Presidente Jânio Quadros, decreta greve geral dos estudantes universitários, exigindo a posse de Jango. Este fato é descrito no Livro 1961 – A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista, Amir Labaki, Ed. Brasiliense, pág. 101. ''A entidade máxima dos universitários – a UNE – decretou greve geral no dia seguinte à renúncia. Seu presidente, Aldo Arantes, rumou para Porto Alegre, onde se instalou provisoriamente a diretoria da entidade. Em vários Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco, a mobilização estudantil foi importante na organização de passeatas, comícios e outras manifestações.


 


A mobilização geral do povo brasileiro que mais uma vez contou com a participação efetiva dos estudantes, sob a direção da UNE que na época, repito, era presidida pelo Anistiando, prevaleceu a ordem democrática e Jango toma posse. A atuação política do Anistiando não se circunscreve apenas ao movimento estudantil. Aldo Arantes é um dos fundadores da Ação Popular – organização revolucionária – ao lado de Herbet Viana, o Betinho, e Haroldo Lima, já anistiado por esta Comissão. Com o golpe militar de 1964 vai para o Uruguai e em seguida volta, indo morar e desenvolver suas atividades políticas no interior de Alagoas, região de Pariconha, entre os trabalhadores rurais, com o nome falso de Roberto Ferreira, onde é preso pela primeira vez, doc. de fls. 09/18.


 


É preso, indiciado, processado e ao final condenado a uma pena de 06 (seis) meses de reclusão. Foge da cadeia. Em 1972 com a incorporação da AP ao PC do B, o Anistiando passa a fazer parte da direção central deste e muda-se para São Paulo, doc.fls. 19, onde continua a viver clandestinamente. Clandestinidade que para ele significava, segundo, depoimento dado a mestrando Maria Auxiliadora de Almeida Cunha Arantes, e publicado no Livro PACTO REVELADO, psicanálise e clandestinidade política, São Paulo, Ed. Escuta. 1994, 1ª Ed., pág. 71: ''a vida clandestina na verdade, é um mecanismo de cerceamento da liberdade de convivência dentro do próprio país. Isso é claro, trazia problemas extremamente sérios e que só se justificam exatamente pelo significado político que esta opção tinha…''.


 


Em São Paulo é novamente preso, desta vez no ano de 1976, no episódio de grande repercussão na época e que ficou conhecido como ''Chacina da Lapa''. Na ocasião foram brutalmente assassinados os dirigentes comunistas Pedro Pomar, Ângelo Arroio e João Batista Drumond. O anistiando é levado para o Rio de Janeiro onde é barbaramente torturado e de volta a São Paulo vai para DOI do II Exército, onde continua a ser submetido a torturas.


 


Estes fatos foram relatados pelo Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na época, Doutor Raimundo Faoro, em carta encaminhada ao jornal ''O Globo'', doc. de fls. 24. Em entrevista à Folha de São Paulo no 14 de maio de 2000, sobre o episódio diz Faoro: ''No caso Aldo Arantes, ele me escreveu uma carta contando às torturas que sofreu. Dei a carta a todos os jornais.'' ''O Globo'' foi o único que publicou''. Já a Folha de São Paulo em Editorial da sua edição de 03 de setembro de 1977, Direitos Humanos, doc. de fls. 28, afirma:


 


''Tanto quanto o cidadão comum, o presidente Geisel estará indignadamente surpreso com as revelações feitas em petições encaminhadas à Justiça Militar por Aldo Silva Arantes e Haroldo Borges Rodrigues Lima, de torturas a que foram submetidos em cárceres do Rio e de São Paulo, aos quais foram levados por razões de natureza política. As denuncias merecem fé, pois estão encampadas pela Ordem dos Advogados do Brasil, que as tornou públicas ao divulgar os documentos subscritos pelos dois prisioneiros''.


 


A presunção no Pais era a de que os direitos humanos estavam sob a guarda ciosa de todas as autoridades encarregadas dos cárceres, não só em sinal de respeito à tradição e ao nível de civilização do povo brasileiro, como também de acatamento às ordens da Presidência da República, feitas depois da morte do jornalista Vladimir Herzog, em São Paulo. Não é, entretanto, o que acontece.


 


E essa realidade terrível é exposta agora por esses dois prisioneiros políticos que detalham os maus-tratos sofridos por longo tempo e lançam suspeitas sobre fatos de que tiveram informações, passados nas prisões em que estiveram. O Governo está diante de uma denúncia de inegável gravidade e dela não poderá fugir.''
Novamente indiciado e processado, o Anistiando é condenado a uma pena de 05 (cinco) anos de reclusão e suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos. Cumpriu pena no Presídio do Barro Branco em São Paulo até 1979, quando é libertado em razão da Anistia, doc. de fls. 19/59.


 


Incontroverso, portanto, a perseguição política sofrida por Aldo Silva Arantes, no período de vigência do Regime Militar instaurado em nosso país com o Golpe de 1964. Inegável também a sua condição de Servidor Público Federal, afastado por motivação política em 1964, do cargo que ocupava na SUPRA, atual INCRA, logo após o Golpe e reintegrado no dia 09 de junho de 1987, doc. de fls. 07 (Certidão de nomeação e exoneração do cargo junto à SUPRA), fls. 60/61 (Ato de Reintegração e Aposentadoria no INCRA).


 


A questão neste momento e que a Comissão de Anistia tem que resolver diz respeito ao pedido formulado pelo Anistiando em sua petição de fls. 361/369, qual seja: a substituição de sua aposentadoria compulsória por prestação mensal, permanente e continuada, correspondente ao cargo de Procurado Autárquico, Classe Especial, com os vencimentos informados pelo INCRA, doc.fls. 370. Em sua razão de pedir, alega o Anistiando que foi reintegrado, porém, não foi devidamente posicionado na carreira. Afirma que quando foi exonerado do cargo em abril de 1964 cursava o 5º de Direito da Universidade Católica do Rio de Janeiro, de onde teve que sair em razão das perseguições de natureza exclusivamente política.


 


Objetivando resolver a questão posta, esta Comissão fez várias diligências junto ao INCRA que nformou através do documento de fls. 295/305, o seguinte:


 


''(…) Uma vez que o servidor Aldo Silva Arantes concluiu o Curso Superior de Direito, em 03.07.81, caso não tivesse sido exonerado, poderia ter concorrido em Processo Seletivo de Ascensão Funcional, sendo que logrando classificação passaria a ocupar o cargo efetivo de Procurador Autárquico, atualmente Procurador Federal''.


 


Finalizando, informamos, ainda, que o servidor, considerando que foi readmitido em 11/06/87, poderia ter concorrido como candidato interno, no Concurso Público realizado por este Instituto, nos termos do Edital inc 01/87, publicado no Diário Oficial da União de 03/07/87. Caso lograsse habilitação/classificação, mediante acesso funcional, passaria a ocupar o cargo efetivo de Procurador Federal, sendo que não consta em nossos arquivos que o servidor tenha participado do Concurso Público.


 


Em primeiro lugar, extrai-se da informação do INCRA que o Anistiando poderia ascender ao cargo de Procurador Autárquico, categoria especial, caso tivesse participado do concurso interno, o que não ocorreu.


 


Na referida informação vê-se ainda que o concurso público fora convocado no dia 03 de julho de 1987, ou seja, 24 (vinte e quatro) dias após a reintegração do Anistiando aos quadros de pessoal do INCRA. Vale lembrar que ele ficou afastado do cargo de 24 de abril de 1964 até o dia 11 de junho de 1987, ou seja, 23 anos, um mês e quinze dias, e que durante esse período, segundo o próprio INCRA noticia, às fls. 423/427, ocorreram diversos concursos internos para o preenchimento de cargos de Procurador Autárquico. É claro que por estar afastado do INCRA o anistiando não pode deles participar.


 


O Anistiando poderia ter se inscrito ao concurso realizado em 03 de julho de 1987, feito as provas e ao final quem sabe seria aprovado. Isto, porém não ocorreu. Este fato por si só lhe retira o direito à ascensão ao cargo que pleiteia. Estou convencido que não. Poderíamos nós exigir do Anistiando que fizesse em 24 dias aquilo que teria direito e poderia ter feito nos vinte e três anos, um mês e quinze dias, caso não tivesse sido afastado do seu cargo por motivação exclusivamente política? Absolutamente que não. O Anistiando teve a sua carreira profissional e parte de sua vida ceifada por atos de exceção perpetrados por um regime ditatorial inescrupuloso. Foi afastado do seu cargo em abril 1964 e teve que deixar o 5° ano do curso de Direito na PUC/RJ. Foi obrigado a viver na clandestinidade; foi preso, foi torturado e ao final condenado à pena de 05 anos reclusão, pena esta cumprida no Presídio Barro Branco em São Paulo; e mais penas acessória de suspensão dos direitos políticos por 10 anos.


 


Raciocinando no sentido inverso. Imaginemos se não tivesse havido no Brasil o Golpe Militar de 1964 e se o Anistiando tivesse concluído o seu curso de Direito em 1965, conforme estava previsto. Seria ele hoje Técnico em Colonização do INCRA? Imagino que uma pessoa com a história e o passado do Anistiando não se conformaria com isso. O bom senso, portanto, nos leva a crer que não. A Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002, atual Lei de Anistia, que regulamentou o art. 8º do ADCT da Constituição Cidadã de 1988, tem como destinatários aqueles que foram vitimas de perseguições políticas. É condição essencial para receber os benefícios advindos de sua edição, que o requerente tenha tido participação política de oposição ao Regime Militar de 1964, e que por ele tenha sido perseguido.


 


Esta Comissão de Anistia tem, portanto, uma função eminentemente política, e os processos a ela submetidos têm que ser analisados sob essa ótica. Até aqui não tem se negado a cumprir o seu papel histórico. É nesse contexto, portanto, senhores Conselheiros, que devemos analisar o presente caso. A esta Comissão cabe a tarefa histórica de declarar a condição de anistiado político de ALDO SILVA ARANTES, o que para o povo brasileiro tem um significado muito importante, é a Nação reconhecendo e reparando, ainda que em parte, os danos que lhes foram causados pelo regime ditatorial.


 


O instituto da ANISTIA entendido como ato político, deve merecer por parte desta Comissão uma interpretação extensiva, nunca restritiva aos moldes do instituto da Anistia Penal. Repito aqui o que disse em vezes anteriores. Há um fosso enorme a separar a Anistia Penal da Anistia Política. Enquanto a primeira tem como destinatários os proscritos, ou seja, as pessoas que cometeram atos ilícitos, antijurídicos e tipificados como crimes e que responderam processos regulares; a segunda é destinada às vítimas de violências injustas, irregulares e inaceitáveis. Pessoas – como o Anistiando -, que se colocaram do lado do povo e de seu país na defesa de uma causa justa em confronto com um regime autoritário, ditatorial e entreguista, num verdadeiro confronto de idéias.


 


E mais, na primeira esquece-se o delito e a pena dele resultante. Já a Anistia Política é ato de transigência, de negociação: os detentores do poder político, reconhecendo que praticaram atos de violência e atentados aos direitos da liberdade e da manifestação contra os adversários, os anistia. A anistia de 1979 foi restrita e de forma alguma reparou os danos que o Regime autoritário e ditatorial causou ao Anistiando. Aliás, é bom que se diga, nem a atual lei é capaz de reparar todos os danos que o Anistiando sofreu em decorrência do golpe. O Anistiando e a esmagadora maioria dos anistiandos e anistiados políticos brasileiros prosseguiram nas jornadas de lutas contra o Regime Militar e ao final foram vitoriosos.


 


Fruto da luta, do sangue e do destemor de milhares e milhares de brasileiros, dentre eles ALDO ARANTES, a ditadura militar foi derrotada e de conseqüência foi convocada a Assembléia Nacional Constituinte – aspiração e sonho da imensa maioria do povo brasileiro. Uma Constituição democrática e progressista nasceu, e com ela o instituto da anistia, assim consignado:


 


''É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção (…) asseguradas às promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto e graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo''.


 


Ora, ilustres conselheiros, vê-se claramente que a intenção do constituinte foi a de abarcar e proteger todos aqueles, indistintamente, que sofreram perseguições e violências por motivação política, o que confirma, neste aspecto, que Anistia Política é um instituto genérico. E ''atos de exceção'' como denominados estão no dispositivo constitucional acima mencionado, foram todos aqueles que vitimaram os perseguidos pelos ditadores de 1964. Desta forma, a anistia nos exatos termos do que dispõe o artigo 8º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, regulamentado que foi pela atual lei de anistia, significa o retorno à regra, à normalidade. E assim sendo, tem-se que o melhor e mais justo no aspecto jurídico, democrático e político que, aliás, é a função essencial e sem a qual esta Comissão não existiria, é dar uma interpretação generosa e extensiva ao texto, com o fito de fazer JUSTIÇA com aqueles que foram injustiçados. Neste sentido nos ensina o saudoso jurista PONTES DE MIRANDA: ''Na execução administrativa e na interpretação e aplicação judiciária da anistia, os intérpretes devem dar aos textos a interpretação mais ampla que seja possível''.


 


E ainda sobre o tema dissertou PINTO FERREIRA, na Enciclopédia Saraiva do Direito (Vol. 6- pág. 437), vejamos: ''O conceito de anistia é muito amplo, porém pode ser restringida ao ser concedida a anistia. Não havendo restrições, a interpretação pode ser a mais ampla possível''. À luz dos ensinamentos acima transcritos, o juiz federal do Tribunal Federal de Recursos, Washington Bolivar, assim consignou em voto seu proferido naquela corte que: ''A anistia é medida de interesse público, editada por generosa inspiração política e jurídica (…). Assim, quer na esfera administrativa, quer na aplicação judiciária, as leis de anistia devem ter a sua interpretação mais ampla que possível, para que suas normas assumam adequação, eficácia e grandeza''.


 


Ainda no que concerne ao retorno do estatus quo do Anistiando, ou seja, a correta correção do seu enquadramento funcional, com todas as promoções devidas, é curial ressaltar que o dispositivo legal – art. 8º do ADCT da Carta Magna de 1988, não só o determinou como o conjugou com o preceito indenizatório.


 



E isso é raro na história universal da anistia política. No caso em tela fica evidente que o Estado deve assumir obrigação, por força de disposição constitucional, de garantir ao Anistiando a plena reparação aos danos que lhe causou ao afastá-lo de sua função no INCRA, bem como de tê-lo forçado a abandonar o curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, quando estava no 5º ano. É o mínimo que o Estado, através desta Comissão de Anistia, pode e deve fazer.


 


O direito do Anistiando à devida correção do seu enquadramento como se em atividade estivesse, está consignada no texto constitucional e na Lei n. 10.559/02, atual Lei de Anistia. É direito seu, liquido e certo. E foi exatamente por considerar estas projeções fictas, estabelecidas na norma constitucional, que o ex Ministro do STJ, Edson Vidigal, proclamou:


 


''A anistia abrange as promoções obstadas pela inatividade, ante a ficção legal de que os beneficiários cumpririam as exigências respectivas, se na ativa estivesse.'' O Anistiando demonstrou satisfatoriamente nos autos que era perfeitamente possível chegar o cargo que pleiteia e que isto só não ocorreu por motivos alheios à sua vontade. O próprio INCRA confirma essa possibilidade, inclusive trazendo para os autos, às fls.422/427, a seguinte informação:


 


''Cumpre esclarecer, ainda, que este Instituto realizou em 1985, nos termos do Edital INCRA/DH/nº 02, de 07/01/5, processo seletivo de acesso, dentre outros para o emprego de Procurador, no qual poderiam concorrer às vagas integrantes do Quadro de Pessoal do INCRA ocupantes de cargos de nível intermediário que atendessem aos requisitos para ocupar o emprego de Procurador – Curso Superior de Direito e inscrição na OAB. Para o citado cargo foram destinadas 76 (setenta e seis) vagas, conforme consta da Ordem de Serviço INCRA/DH n. 002, de 23/01/85, sendo que 121 (cento e vinte e um) servidores efetuaram a inscrição no processo seletivo de acesso para o emprego de Procurador.


 


Os resultados do processo seletivo foram divulgados na forma da Edital (…). As citadas portarias proporcionaram o acesso ao emprego de Procurador para 92 (noventa e dois) servidores então ocupantes de emprego de nível intermediário. Por outro lado, foi editada a Portaria INCRA/DH/n. 696, de 17/07/85, por intermédio da qual lograram ascensão funcional (…) para o cargo efetivo de Procurador Autárquico outros 16 (dezesseis) servidores então ocupantes de cargos efetivos de nível intermediário.''


 


Ressalto por derradeiro, que o Anistiando concluiu o curso de Direito em 1981, pela PUC do Rio e que só foi reintegrado aos quadros do INCRA no dia 09 de junho de 1987, apesar de ter esse direito desde o dia 28 de agosto de 1979, data da sanção da Lei n. 6.683/79, Lei de Anistia, o que obviamente o impediu que fizesses os concursos internos referidos pelo próprio INCRA. E se demonstradas estão, como de fato estão, as perseguições políticas, cabe ao Estado nos termos da atual Lei de Anistia, a Lei n. 10.559 de 13 de novembro de 2002, reparar ainda que em parte, uma vez que são irreparáveis os danos sofridos por ALDO SILVA ARANTES.



 
Assim sendo, o Estado brasileiro, hoje dirigido pelo operário Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da Comissão de Anistia, órgão de assessoramento do Ministro da Justiça, doutor Tarso Genro, e em nome do povo brasileiro, declara a condição de Anistiada Política de ALDO SILVA ARANTES, por ter sido o mesmo compelido ao afastamento do curso de Direito da PUC do Rio de Janeiro e afastado do emprego que exercia na SUPRA, atual INCRA, e ainda por ter sido preso e condenado a uma pena absurda e ilegal e por ter sido barbaramente torturado por agentes do Estado brasileiro na época do Regime Militar, tudo com fundamento no art. 1º da Lei n. 10.559/02.



 
E nos termos do que dispõe o art. 19 da mesma Lei, substitui a sua aposentadoria de anistiado político que recebe do INCRA pela prestação mensal, permanente e continuada, correspondente ao cargo de Procurador Autárquico, Classe Especial, hoje Procurador Federal, cujo vencimento base, segundo informação as fls. 475, é R$ 10.497,50 (dez mil, quatrocentos e noventa e sete reais e cinqüenta centavos) asseguradas todas as vantagens inerentes ao cargo e respeitado o texto constitucional.


 


Ressalto que o valor a ser pago deverá ser calculado na proporção de 30/35 avos, uma vez que o Anistiando recebe atualmente do INCRA aposentadoria nesta proporção. Retroatividade qüinqüenal a 20 de dezembro de 1997, uma vez que o seu primeiro pedido de anistia junto a esta Comissão data de 20 de dezembro de 2002, devendo ser descontados os valores que foram recebidos do INCRA em razão da sua aposentadoria, bem como deverão ser deduzidos, para efeitos de cálculos dos efeitos financeiros retroativos, o período em que ocupou o cargo de Deputado Federal, ou seja, de 23 de julho de 1985 (data em que foi reintegrado no INCRA) até 22 de abril de 1991 (data em que se aposentou), valores estes que deverão ser solicitados junto a Câmara dos Deputados.


 


Indefiro o pedido de reparação em prestação única com fundamento no art. 16 da Lei nº. 10.559, de 13 de novembro de 2002. Oficie-se ao INCRA para que cesse o pagamento da aposentadoria ante a sua substituição pela prestação mensal, permanente e continuada. É o meu voto.


 


Brasília, 06 de julho de 2007.
Egmar José de Oliveira
Relator.