“Wall Street Journal”: Record desafia hegemonia da Globo
Edir Macedo, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus, sabe em primeira mão o impacto dos melodramas produzidos pela TV Globo – a maior rede de televisão da América do Sul. Afinal, a Globo chegou a exibir uma minissérie nada lisonjeira chamada Deca
Publicado 10/07/2007 18:16
Macedo investiu dezenas de milhões de dólares num esforço para transformar a pequena rede que ele possui, a Record, numa franca imitadora da Globo. Nos últimos três anos, a Record comprou e expandiu um velho estúdio com 75 mil metros quadrados de área total a poucos quilômetros do complexo da Globo. Com salários bem acima da média, a Record contratou centenas de atores, técnicos e jornalistas – a maioria treinados na emissora rival.
O confronto entre as duas redes representa um terremoto no mundo do entretenimento brasileiro, onde a Globo normalmente atrai mais de metade da audiência no horário nobre e em torno de 75% da receita publicitária. Agora, o crescimento da Record está desvelando uma versão tropical do velho sistema de estúdios de Hollywood, no qual a Globo dominava todos os aspectos do mundo do entretenimento e ditava o que queria aos artistas.
“Pela primeira vez, os atores têm um verdadeiro poder de negociações e verdadeiras opções”, diz Lavínia Vlasak – a Estela, de Mulheres Apaixonadas, e a Tânia, de Celebridade, novelas da Globo. A atriz se mudou para a Record para ter seu primeiro papel principal numa novela – o de Clarice em Prova de Amor.
Macedo, cuja igreja ganhou notoriedade por seu pendor para o exorcismo e a agressividade na coleta de dinheiro, é um benfeitor inusitado para a comunidade artística brasileira. As finanças da Igreja Universal foram alvo de várias investigações criminais – e Macedo, hoje com 62 anos, ficou preso durante vários dias em 1992 sob acusações de estelionato e “charlatanismo”. O processo acabou arquivado.
Nova folha salarial
Graças à pressão da Record, a Globo teve de oferecer contratos de longo prazo lucrativos para vários atores, para impedir que debandassem. Os salários dos atores principais aumentaram cerca de 80% nos últimos anos, de acordo com o sindicato de atores de São Paulo. Alguns cameramen dobraram seus salários ao se mudarem para a Record, diz o sindicato deles.
A Record ofereceu um recomeço a talentos subaproveitados da Globo, como Tiago Santiago. Durante mais de 20 anos, Santiago, de 44, trabalhou na Globo como um ator, sempre em papéis secundários, e depois como roteirista de novelas, que tinha de engolir seu orgulho enquanto autores mais prestigiados muitas vezes recebiam o crédito pelo trabalho dele. “Na TV brasileira, você pegava o que a Globo lhe dava e ficava quieto”, diz.
Em 2004, Santiago assumiu o risco e aceitou o trabalho de principal autor da Record. Sua novela Prova de Amor, um romance com elementos de crime e suspense, foi um sucesso inesperado. Seu salário mensal de US$ 100.000 na Record é dez vezes o que ele ganhava na Globo – com a possibilidade de bônus se superar a Globo no ibope.
A Record diz que investiu US$ 150 milhões em pessoal e infra-estrutura nos últimos três anos, embora alguns analistas digam que o valor é muito maior. A Record também está fazendo grandes ofertas por eventos especiais, pagando um recorde de US$ 60 milhões pelos direitos de transmitir as Olimpíadas de Inverno de 2010 e os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012.
Em São Paulo, o maior mercado do Brasil, a Record dobrou sua fatia dos espectadores em horário nobre, para 16%, nos últimos três anos, e pulou para o segundo lugar, depois de ficar anos em terceiro. No geral, a Record ainda está bem atrás da Globo. Mas alguns de seus programas, como a revista matinal Hoje em Dia, oferecem séria concorrência à Globo.
Quem financia?
Ex-funcionário de uma loteria estadual, Macedo fundou a Igreja Universal em 1977. Ela atraiu muitos milhões de brasileiros e se espalhou para mais de cem países. Suas dramáticas missas, que incluem cerimônias para exorcizar demônios e curar os doentes, tornaram-se especialmente populares entre as classes trabalhadoras. Outra atração é o ensinamento de que a reza pode ajudar os fiéis a obter riqueza terrena, especialmente se doarem regularmente à igreja.
A Globo, cuja família controladora, os Marinhos, é historicamente próxima do establishment católico do Brasil, tem com freqüência apresentado reportagens críticas à coleta de dinheiro da Igreja Universal. Particularmente polêmica é a ênfase da Igreja Universal de coletar dízimos dos fiéis. A Globo exibiu certa vez um vídeo vazado por um ex-funcionário de Macedo que mostrava o líder religioso exortando os pastores a fazer coletas. “Não pode ter timidez”, dizia Macedo. “Peça, peça, peça.”
Na visão da Globo, os atuais investimentos de Macedo na Record são bastante suspeitos. “De onde vêm esses recursos?”, pergunta Octávio Florisbal, diretor-geral da TV Globo, que diz que só as receitas publicitárias da Record não poderiam financiar sua expansão. Ele sugere que as autoridades deveriam verificar se a Record não está recebendo dinheiro da Igreja Universal, o que poderia violar o status da igreja de isenção fiscal.
O presidente da Record, Alexandre Raposo, diz que as sugestões de que a rede estaria sendo financiada pela Igreja Universal são falsas e prova de preconceito contra os evangélicos. Ele diz que o crescimento da Record é fácil de explicar: a receita publicitária mais que dobrou desde 2004, e Macedo, que também ganha com a venda de livros e CDs, reinvestiu os lucros. Raposo diz que a igreja paga à Record para exibir programas religiosos depois da 1 hora, mas esse é o único dinheiro que dá à rede.
A Globo diz que os recrutadores de Macedo fazem jogo sujo, tentando contratar a atriz principal de uma novela no meio de sua exibição. Apesar disso, a Globo diz que preservou a nata de sua base de talentos e que alguns dos que debandaram já querem voltar.
Realidade e ficção
Marcílio Moraes, um roteirista de novelas da Record que havia passado quase duas décadas na Globo, diz que está contente de trabalhar para a rede de Macedo. Moraes diz que em seu atual sucesso na Record, Vidas Opostas, desfrutou de mais liberdade criativa para lidar com temas como crime e pobreza do que jamais teve na Globo.
Ele diz que de maneira nenhuma os anunciantes da Globo iam querer suas marcas associadas com a realidade crua de sua novela – uma espécie de Romeu e Julieta em meio às brigas de quadrilhas no Rio.
A Globo nega que suaviza os males sociais do Brasil e nota que a bastante elogiada série Cidade dos Homens, sobre vida na favela, deixou de ser exibida há apenas um ano e meio.