Nassif: Transposição pode gerar nova indústria da seca

Em artigo publicado nesta sexta-feira (13) em seu blog, o jornalista Luis Nassif mostra um estudo realizado na USP de Ribeirão Preto, no qual são apontados diversos números que põem em xeque a eficiência da transposição do Rio São Francisco.

Confira abaixo a íntegra do texto:



A nova indústria da seca


 


O engenheiro agrônomo Sérgio Torggler, com a assessoria de dois economistas da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto (FEA-RP) – Roni Bonízio e Ricardo Feijó –, é o autor, até agora, do estudo não oficial mais detalhado sobre o custo das águas na transposição do rio São Francisco.



Mas não apenas isso. Torggler foi atrás das raízes legitimadoras do projeto de transposição:



– dar segurança hídrica de 12 milhões de nordestinos;


– o investimento corresponderá a apenas ao custo do socorro de duas secas;


– reduzirá a fome e o êxodo de nordestinos;


– o custo da água transposta será baixo, de apenas R$ 0,11 o metro cúbico;


– promoverá a redenção econômica e a combaterá a indústria da seca;



O primeiro furo na argumentação, diz ele, foi contabilizar como beneficiária do projeto toda de grandes cidades, que já estão seguras contra desabastecimento dentro dos ciclos normais de seca da região. A possibilidade de falta de água nessas cidades é extremamente remota.



Esse ponto foi enfatizado também pelo maior geógrafo brasileiro, Aziz Ab'Sáber. O flagelo da seca atinge fortemente a população rural do sertão que está distribuída por um território de mais de 700 mil quilômetros quadrados. Essa população não será atendida pelo projeto. Ou seja, a obra dará segurança hídrica a quem já tem e não dará a quem ainda não tem.



O segundo furo é a idéia de que o custo da obra corresponde apenas ao socorro de duas secas. Os gestores não afirmam, mas dão a entender que o projeto combaterá fortemente o flagelo da seca, mas tal fato não ocorrerá, pois a água não estará disponível para a população rural, principal vítima da seca.



O quarto argumento é quanto ao custo da água de transposição, de apenas R$ 0,11 o metro cúbico. Junto com seus dois colegas da FEA-RP, após três anos de estudos, aplicando técnicas acadêmicas de contabilidade de custo, se chegou a um custo de R$ 1,50 por metro cúbico, mais de dez vezes.



Com o trabalho pronto, foi enviada correspondência ao Ministério do Interior, para tentar entender a divergência de dados. A informação é que o Ministério não incluía nos cálculos do custo da água a depreciação e nem o custo do capital, porque os investimentos eram a fundo perdido. Ora, os custos omitidos correspondiam a quase 90% do custo total.



“O fato de o governo informar um valor sabidamente manipulado ao público sem mencionar as manobras realizadas não configura uma outra fraude?”, indaga ele. Quando alguém fala que alguma coisa custa tanto, está implícito que aquele preço é o total e não pode haver custos adicionais escondidos. Foi o que o governo fez, informou um preço sabidamente menor que a conta que será cobrada da população.



“Ai é que começa a aparecer a última mentira”, diz ele. A redenção econômica pressupõe que os agentes criem mais riqueza do que consumam, ou seja, exerçam atividades rentáveis. Nos cálculos dos professores, o custo real da água poderá chegar a 160% da receita bruta da atividade, sem computar os outros insumos. Ou seja, o projeto não combate da indústria da seca, mas cria uma nova indústria da seca.