Para CUT “a história pede a reestatização da Vale”
O plebiscito sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce é um acontecimento histórico. A empresa foi um dos pilares do Brasil moderno criado pela “era Vargas”, parcialmente destruído pela “era FHC”. Defender a volta da Vale do Rio Doce como empresa
Publicado 03/09/2007 18:21
Em maio de 1997, em pleno auge da “era FHC”, uma pesquisa divulgada por ninguém menos do que a revista Veja mostrou que 50% dos entrevistados discordavam da privatização da Vale do Rio Doce — contra 30% que apoiavam e 18% que não tinham opinião. Ou seja: sete de cada 10 brasileiros não estavam de acordo com uma ação que foi considerada um marco do modelo liberalizante que avassalou o País. E metade dos brasileiros estava simplesmente contra. O resultado reflete a memória nacional.
A Vale do Rio Doce é uma espécie de símbolo da modernização do Brasil promovido pela “era Vargas” — parcialmente destruída pela “era FHC”. Quando Getúlio Vargas chegou ao Palácio do Catete, em 1930, num trem militar vindo do Estado do Rio Grande do Sul, o País de fato inaugurou uma nova era. O líder da revolução vestia um uniforme cáqui, com um revólver metido na cintura, e representava, até na forma de vestir, os tenentes rebeldes que promoveram dois levantes e uma marcha histórica — a Coluna Prestes — na década de 20 contra a República Velha.
Até então, o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM) revezavam-se no poder. O País era essencialmente rural — apenas 10% do Produto Interno Bruto (PIB) era industrial. Quando o esquife de Vargas deixou o Catete, 24 anos mais tarde — ele foi deposto por um golpe militar em 1945 e voltou à Presidência da República pelo voto popular em 1950 —, o Brasil não era nem sombra daquele país esculpido pelas oligarquias paulista e mineira. Em 1955, a produção industrial já representava 30% do PIB.
Desenvolvimento industrial
Uma das primeiras providências de Vargas foi alterar o papel do Estado. Antes, o governo interferia na economia apenas para garantir a boa vida dos oligarcas. O Estado comprava o café para preservar os fazendeiros de eventuais problemas na produção e da oscilação de preços no exterior. A moeda nacional flutuava ao sabor dos interesses dos fazendeiros — quando o preço caía no mercado internacional, o governo desvalorizava o dinheiro brasileiro e assim garantia os ganhos dos cafeicultores.
O novo presidente optou pela intervenção do Estado na economia para promover o desenvolvimento industrial. De 1932 a 1937, o PIB cresceu, em média, 7% ao ano. O Estado construiu empresas estratégicas para a economia nacional — entre elas a Vale do Rio Doce — e criou uma vasta legislação trabalhista — a CLT — e social. No seu segundo governo, Vargas criou a Petrobras — iniciativa que resultou de um vigoroso movimento patriótico — e fundou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
Quando Vargas voltou ao governo, o país já estava enquadrado no molde da Guerra Fria e respirava os ares reacionários do governo Dutra — aliado incondicional do imperialismo norte-americano. Ele então desenvolveu uma política nacional de impulso à industrialização, enfrentou a crise econômica deixada por Dutra e procurou atrair o apoio dos trabalhadores. O governo também enfrentou o imperialismo, criando uma lei de remessa de lucros para obrigar as empresas estrangeiras a investir no país.
Unidade costurando o país
Violentamente atacado pela direita, Vargas respondeu ao ultimato para que renunciasse dizendo que só sairia do Catete morto — como de fato aconteceu. Com a popularidade em alta, seu suicídio revoltou a população, que chorou a morte do presidente, apedrejou a embaixada dos Estados Unidos e incendiou jornais. Os comportamentos do povo e da elite naquele episódio iriam marcar a trajetória do País.
De alguma forma, até o golpe militar de 1964, depois de vários atentados contra a ordem democrática perpetrados pelos militares reacionários, tínhamos uma unidade costurando o País. O “milagre econômico” representou uma afluência excludente — a uns foi dado o acesso aos padrões de vida de uma sociedade industrial e a outros foi dada apenas a cota de sacrifício necessária àquele salto econômico.
Encerrado o período militar, o desafio sempre foi o de operar um novo ciclo de crescimento com outras premissas — expectativa que ainda não se transformou em realidade, apesar dos avanços recentes. “A mudança para a esquerda na América do Sul é uma reação ao fracasso, dramaticamente evidente em alguns casos, da política econômica de livre mercado imposta pelos Estados Unidos e pelas agências internacionais sob sua influência, na era do chamado Consenso de Washington. Sem esse fracasso, é quase certo que Lula não teria sido eleito”, diz o historiador marxista Eric Hobsbawm.
Atuação internacional
A fraudulenta privatização da Vale do Rio Doce se insere nesta análise. Os neoliberais pregaram à exaustão que o programa de desestatização era fundamental para abater a dívida pública — que ao invés de diminuir cresceu assustadoramente. A verdade aparece quando se observa com atenção alguns dados da privatização desta empresa-símbolo da soberania nacional.
Quando a Vale do Rio Doce foi privatizada, os mandantes e executores do processo esconderam que o consórcio vencedor não manteria o centro das decisões da empresa, de fato, no Brasil. Comportaram-se como se essa não fosse uma questão relevante — quando na verdade é fundamental em se tratando de uma empresa estratégica para a economia nacional. A premissa de que a nacionalidade do controle das empresas estratégicas é fundamental é própria dos democratas e patriotas.
Quando se analisa friamente o comportamento das grandes empresas de atuação internacional, aparece claramente, na maioria dos casos, um viés em favor da base nacional. Um levantamento realizado por dois pesquisadores ingleses, Paul Hirst e Grahame Thompson, a respeito das corporações dos países desenvolvidos, sugere que algo como 70% a 75% do valor adicionado são produzidos nos países de origem dos grupos empresariais.
A Vale aos pedaços
As atividades de pesquisa e desenvolvimento também se concentram fortemente na base nacional das empresas. Uma pesquisa feita por dois economistas da Universidade de Sussex, Pari Patel e Keith Pavitt, mostrou que as companhias da Alemanha, do Japão e dos Estados Unidos realizavam sempre menos que 15% da sua atividade tecnológica fora do país de origem. É na base nacional que a mão-de-obra é treinada para tarefas mais adiantadas, mais sofisticadas.
Na “era FHC”, a Vale do Rio Doce — assim como todo o setor público — vivia sob achincalhe de figuras importantes do governo. Luiz Carlos Mendonça de Barros, por exemplo — que hoje se vangloria de ter ficado rico “graças a Deus e aos juros de Pedro Malan” — disse, quando era presidente do BNDES, que a Vale do Rio Doce deveria ser fatiada para ser vendida em pedaços. São fatos da história do Brasil que justificam perfeitamente uma batalha sem trégua pela reestatização da Vale do Rio Doce.
* Carlos Rogério Nunes de Carvalho, secretário nacional de Políticas Sócias da CUT.