Tortura policial é herança da Ditadura Militar
A Ditadura Militar e a atuação das polícias nas periferias do Brasil nos dias de hoje têm uma relação mais estreita do que se imagina. Para a integrante do grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, uma das principais heranças deixadas pelo regime é a
Publicado 03/09/2007 21:27 | Editado 04/03/2020 17:12
Em entrevista à RadioCom de Pelotas, a ativista aponta que polícia ainda utiliza mecanismos que se destacaram durante a Ditadura Militar, como a tortura e os extermínios. Técnicas que ganham respaldo na sociedade por meio das coberturas jornalísticas, que transformam a repressão da polícia em algo necessário para manter a segurança nas grandes cidades.
“No Brasil, sempre se torturou. Não foi a ditadura que inventou a tortura. O Brasil, desde que foi descoberto, tortura: tortura índio, negro, pobre, o diferente. Mas o que aconteceu durante a ditadura, é que a tortura se tornou uma política oficial do Estado brasileiro. E foram torturados, naquele momento, inclusive integrantes da classe média. Naquele momento, se sofisticaram uma série de técnicas de tortura, que hoje continuam sendo utilizados contra a pobreza. Por exemplo, aqui no Rio é muito comum, são os chamados de auto de resistência. É algo que já existia antes da Ditadura mas foi largamente utilizada por ela, que consiste em você matar o sujeito e depois vai para a delegacia e diz que houve reação à prisão. O cara é assasinado, é extermínio mesmo”, relata.
Apesar de adotarem as mesmas técnicas, as torturas utilizadas hoje pela polícia e na Ditadura Militar possuem diferenças. No regime militar, a tortura foi institucionalizada como mecanismo de luta contra a população considerada terrorista. Hoje, o uso da violência para manter a segurança é velado. Além disso, aponta Cecília, a tortura durante a Ditadura atingiu pobres e classe média, sem distinção de classe social, o que já ocorre atualmente.
Para a ativista, o reconhecimento da violência pelo governo brasileiro é positivo na tentativa de julgar os agressores. Mas não basta. As entidades de direitos humanos querem que o governo abra os arquivos da Ditadura Militar, a exemplo do Chile e da Argentina, para condenar os torturadores. “O Brasil, pela primeira vez, reconheceu oficialmente que o Estado brasileiro torturou, seqüestrou, ocultou cadáveres. Pela primeira vez o Estado assumiu e isso é importante. No entanto, em nenhum momento o Estado abriu os arquivos da Ditadura. É uma coisa até meio perversa, porque os parentes das vítimas é que têm que comprovar o que aconteceu, que o seu parente estava sob a tutela do Estado”, diz.
Mais de 180 pessoas desapareceram durante a Ditadura Militar, ou seja, foram mortas. Milhares sofreram torturas. No entanto, nem todas as famílias receberam indenizações do governo federal. Cecília afirma, ainda, que muitos torturadores trabalham em órgãos do poder policial e da Justiça. É o caso de embaixadores que monitoravam brasileiros oposicionistas que viviam no exterior e que ainda estão na ativa.
Em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou uma comissão para tratar do tema dos desaparecidos políticos, mas pouco se avançou no julgamento dos torturadores. “O Brasil, infelizmente, é um dos países mais atrasados em relação ao resgate da memória. Nos anos 70, o Brasil exportou suas técnicas para outras ditaduras latino-americanas recém instaladas. O Brasil exportou a figura do desaparecido político, o manual de tortura e os torturadores. Temos o conhecimento de vários brasileiros que interrogaram chilenos, uruguaios e argentinos e ensinando técnicas de tortura”, afirma.
Agencia Chasque