Mortes no Complexo do Alemão voltam a ser investigadas
Quatro meses após a invasão policial que resultou na morte de 19 pessoas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, as autoridades estaduais de Segurança Pública se encontram mais uma vez acossadas pela suspeita de que graves violações aos di
Publicado 05/11/2007 17:20
Divulgado na quinta-feira (1) pela SEDH, o relatório federal tem 15 páginas. O documento diverge, em sua conclusão, da opinião apresentada pelos peritos da Polícia Técnica do Rio de Janeiro e reacende a polêmica em torno da ocupação do Complexo do Alemão. Com base na análise realizada pelo grupo de peritos independente, o Ministério Público Estadual decidiu abrir nova investigação sobre o caso.
Outro efeito imediato do relatório tem repercussão internacional. Em visita oficial ao Brasil, iniciada no domingo (4) em São Paulo, o relator da ONU para casos de execuções sumárias, Philip Alston, anunciou que ficará quatro dias no Rio de Janeiro. Alston já avisou que pretende colher in loco informações detalhadas sobre o que aconteceu durante a invasão ao Alemão.
Segundo o relatório encomendado pelo governo federal, a grande quantidade de disparos que atingiu os corpos – foram encontrados 70 projéteis em 19 vítimas – sugere “ação arbitrária” da polícia. Cinqüenta e quatro disparos (75% do total) foram letais, atingindo costas, cabeça ou pescoço das vítimas. O documento ressalta que em pelo menos dois casos, os das vítimas José da Silva Farias Júnior e Emerson Goulart, “foram encontradas evidências de morte por execução sumária e arbitrária”.
“Em ambos os casos, o primeiro disparo foi letal, no crânio, de trás para frente; e o segundo, de frente para trás, numa das vítimas na face e na outra no tórax”, diz o documento, acrescentando que os corpos de José e Emerson encontravam-se “em decúbito dorsal”. Os peritos acrescentam que “nestes dois casos, ainda, verifica-se a impossibilidade de defesa da vítima, uma vez que o disparo letal foi dado de trás para frente”.
A comissão da SEDH foi constituída pelos peritos Jorge Paulete Vanrell, médico legista aposentado do Estado de São Paulo, doutor em ciências e professor de Medicina Legal; Débora Maria Vargas Lima, diretora do Instituto de Medicina Legal do Estado do Rio Grande do Sul; e Jadir Ataíde dos Santos, perito criminal do Centro de Perícias Científicas do Estado do Pará.
Relator da ONU investiga
Assim que tomou conhecimento do conteúdo do relatório, o subprocurador-geral de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, Leonardo Chaves, anunciou que abrirá nova investigação para apurar as denúncias de execução durante a operação policial realizada no fim de junho: “As conclusões do relatório acerca da probabilidade da ocorrência de execuções sumárias é contundente”, disse.
O subprocurador-geral pretende se encontrar com o relator da ONU, que chega ao Rio na quarta-feira (7). A vinda de Philip Alston já estava marcada há tempos, mas decisão de estender sua permanência na cidade até sábado (10) foi decorrente da divulgação do relatório dos peritos contratados pela SEDH. Ele já programou uma visita ao Complexo do Alemão, onde pretende colher o testemunho de moradores.
O objetivo inicial da visita de Alston ao Brasil é elaborar um relatório sobre o aumento do número de casos de auto de resistência (mortes decorrentes de confrontos com a polícia) no país. O relator da ONU já manifestou seu interesse em conhecer de perto as investigações sobre a ocupação do Complexo do Alemão e também sobre a operação policial realizada no mês passado na Favela da Coréia (Zona Oeste), na qual 12 pessoas foram mortas.
Beltrame e Cabral desqualificam
A volta à tona da polêmica em torno da invasão do Complexo do Alemão não agradou as autoridades estaduais. Em entrevista ao jornal O Globo, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, desqualificou o relatório federal: “Nenhum dos autores do relatório alternativo esteve no Rio de Janeiro para realizar qualquer diligência. Trabalharam única e exclusivamente interpretando o laudo realizado pela Polícia Técnica, o que desqualifica esse relatório sob a ótica da ciência da perícia técnica”, disse o secretário, que mais tarde teve “as palavras completamente endossadas” pelo governador Sérgio Cabral Filho.
A resposta federal veio pelo coordenador da Comissão Permanente de Combate à Tortura da SEDH, Pedro Montenegro: “O governo estadual tenta desqualificar um trabalho técnico independente e sem ideologia”, disse, acrescentando que as investigações realizadas pela polícia estadual “foram incompletas, falhas e insuficientes”. Montenegro revela sua desconfiança com o fato de a polícia não ter realizado a perícia no local do crime: “A perícia não foi feita por que não quiseram”, acusa. Beltrame retruca, afirmando que “a falta de segurança” impediu que a perícia fosse feita no local.
* Fonte: http://www.agenciacartamaior.com.br