Pochmann: Ipea não faz expurgo nem caça às bruxas
Os contratos dos pesquisadores Fábio Giambiagi e Otávio Tourinho com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) terminam no início de dezembro e não serão renovados. A notícia causou polêmica por se tratar de economistas que fazem críticas à polí
Publicado 17/11/2007 17:58
“Eu fico profundamente ofendido com o uso do termo de 'expurgo' porque isso afeta a minha carreira profissional. Eu sou um acadêmico com mais de 20 anos de pesquisa, mais de 30 livros publicados, uma centena de artigos publicados cientificamente. Seria um profundo equívoco alguém que vem da universidade cercear, censurar os colegas”, disse Pochmann.
Giambiagi e Tourinho são funcionários do BNDES e trabalhavam no Ipea por meio de uma parceria entre os dois órgãos. Eles têm até o dia 07 de dezembro para entregar um relatório da pesquisa sobre o papel do BNDES no desenvolvimento do Brasil, que desenvolveram durante o tempo em que ficaram no Ipea.
Márcio Pochmann disse que se no futuro houver uma nova parceria entre Ipea e BNDES e Giambiagi ou Tourinho forem indicados pelo BNDES, os dois podem voltar para o Ipea. Pochmann disse que gosta de polêmica — e que a polêmica pressupõe visões distintas.
Ele disse que também tem críticas à política econômica do governo. “Nós temos uma certa insatisfação com o patamar dos juros, com a situação cambial atualmente, com a estrutura tributária que praticamente onera fundamentalmente os mais pobres nesse país e com o padrão de desigualdade que temos”, disse Pochmann.
Confira a entrevista .
Marcio, evidentemente que a imprensa interpretou essas quatro saídas do Ipea como sendo uma caça às bruxas, uma caça às bruxas política. O fato de esses economistas estarem alinhados com políticas que não são exatamente as políticas do governo Lula explica a saída deles?
Em absoluto. Há um completo mal entendido. Trata-se tão somente de uma questão administrativa. O Ipea, assim como outras instituições de pesquisas e universidades mantém convênios, contratos e termos de cooperação com outras instituições que permitem que seus pesquisadores se desloquem para outros centros de pesquisa, assim como também o Ipea recebe pesquisadores de outras instituições.
Há um instrumento legal que normatiza essa situação de intercâmbio. No caso dos colegas do BNDES, o termo que estabelece a parceria entre as instituições, que tem como objeto da investigação dos dois pesquisadores a produção de uma investigação a respeito do papel do BNDES no financiamento e no desenvolvimento, esse termo se encerra agora no início de dezembro. Foi informado aos dois colegas que, em função do término desse convênio, é necessário apresentar o relatório da pesquisa e ao mesmo tempo foi informado que terminado isso não há mais porque manter essa mesma situação. Isso não significa, em nenhum momento, que o Ipea não terá novos convênios com o BNDES.
Nós, inclusive já sabendo desse enceramento, buscamos a diretoria do BNDES para estabelecer um novo convênio, com novos temas, temos de interesse das duas instituições e se os temas de interesse forem, por exemplo, da especialidade desses dois funcionários do BNDES, se o BNDES tem o interesse em mantê-los, inclusive, isso poderá ter continuidade sem nenhum problema. Não tem nenhuma outra questão que nos coloque na decisão que não seja o critério legal. Então, à medida que nós estabelecemos um novo convênio poderá ser mantida a mesma situação.
Ou seja, o Fábio Giambiagi pode voltar para o Ipea?
Ele pode voltar mantendo uma parceria de um instrumento legal. A partir de 07 de dezembro se encerra o instrumento legal e não é possível manter essa relação. Então, é uma questão administrativa nesse sentido. Quem vai definir quem serão as pessoas que trabalharão em projetos futuros do Ipea e BNDES é, justamente no caso do BNDES, a diretoria do BNDES. Não há nenhuma outra possibilidade de interferir nesse processo.
Agora, deixa eu só ponderar uma coisa, Marcio, o economista Fábio Giambiagi é notoriamente um dos mais conhecidos defensores de uma reforma da Previdência Social que não é exatamente a Previdência Social que se imagina que seja a reforma que esteja na cabeça do governo. Além disso, o último artigo que ele escreveu, como economista do Ipea, e eu me refiro agora ao que está hoje na página B2 da Folha, sessão mercado aberto de Guilherme Barros, dias antes de ser afastado do Ipea, Fábio Giambiagi publicou o seu último artigo em que ele faz uma crítica a políticas de contras públicas do país e condena a política de gastos públicos, e tal. Eu lhe pergunto, a posição de freqüente oposicionista do Giambiagi entrou em consideração nessa não renovação do contrato com ele?
Não, em absoluto. Em primeiro lugar, inclusive, no próprio quadro técnico do Ipea nós temos especialistas quem têm talvez uma visão ainda mais radical que o próprio Giambiagi. É uma instituição plural que tem várias visões, inclusive, para quem tiver interesse, vá buscar no site do Ipea e verá vários estudos, inclusive na mesma linha, em linhas diversas inclusive, que o próprio Giambiagi apresenta. Ele não foi afastado do Ipea, ele não pertence ao Ipea, pertence ao BNDES, ele estava servindo para uma parceira, cujo objetivo, o tema ao qual ele era responsável é tratar dessa investigação sob o papel do BNDES. Então, é esse o tema que o fez fazer parceria com o Ipea. Ele não é funcionário do Ipea, não fez concurso do Ipea, não tem cargo de confiança no Ipea, assim também como o Tourinho. Apenas há um intercambio na produção do que é um relatório.
E esse relatório está pronto?
Esse relatório tem que ser apresentado até o dia 07 de dezembro. Os dois são excelentes pesquisadores e eu não tenho dúvida de que eles irão apresentar um bom produto referente à investigação.
E quanto tempo eles levaram nessa investigação?
Eu não sei lhe dizer porque, até é importante deixar claro que o Ipea tem próximo de mil funcionários, nós temos 155 pesquisadores do Ipea que estão cedidos a outros organismos internacionais, nacionais. Temos um outro número de pesquisadores que não pertencem ao quadro do Ipea e que se encontram dentro do Ipea. Eu mesmo, na função de presidente, estou assinando a liberação dos funcionários, assinando contratos de convênios. Eu confesso que não acompanho em detalhes a situação de cada um. Essa é uma questão administrativa, eu só cumpro a função da legalidade dessas parcerias, desses intercâmbios que existem entre o Ipea e outras instituições.
Mas a minha pergunta anterior, lá atrás, foi a seguinte, se a direção do BNDES recomendar o Giambiagi para um novo estudo no âmbito do Ipea, o Giambiagi poderia voltar para o Ipea?
Isso é responsabilidade do BNDES, se ele entender por bem que seja o melhor técnico, o seu melhor técnico, para nós não teria nenhum impedimento, é a autonomia das partes. Assim como cabe à presidência, à diretoria do Ipea estabelecer quem são os seus pesquisadores que, em parceria com outras, desenvolverão determinados estudos, é a função também de quem é responsável pela instituição parceira, no caso o BNDES. O Ipea não está afastando ninguém, não existe esse afastamento ou expurgo. É até uma questão administrativa que aparentemente está sendo transformada em uma decisão política, ideológica, quando isso não existe. Apesar dos colegas terem uma posição crítica…
Eu também sou crítico a várias questões da política econômica. A riqueza do Ipea é a sua posição crítica. Eu fico profundamente ofendido com o uso do termo “expurgo”, porque afeta a minha carreira profissional. Eu sou um acadêmico com mais de 20 anos de pesquisa, 30 livros publicados, uma centena de artigos publicados cientificamente, seria um profundo equívoco alguém que vem da universidade cercear e censurar colegas. Eu gosto de uma polêmica e a polêmica pressupõe visões distintas. Nos dias de hoje o Ipea vive, talvez como nunca antes, uma pluralidade de pensamentos. Praticamente todas as visões críticas ou não a respeito da sociedade, da política, da economia, estão participando do Ipea, é um momento rico do Ipea e não dá para mudar isso. Tanto é verdade, a nossa preocupação da pluralidade, que nós construímos um conselho de orientação. Duas dezenas de personalidades.
Por exemplo, quem está lá?
Por exemplo, nós temos o Delfin Netto, Reis Veloso, Conceição Tavares, professor Luiz Beluzzo, entre outras personalidades. Nós estamos justamente preocupados em garantir e aprofundar a visão plural da sociedade brasileira, porque é dessa forma que entendemos, através dos estudos e das análises, as decisões dos ministros, das autoridades brasileiras, poderão tomar decisões com muito mais tranqüilidade, pois terão uma visão de mundo mais ampla.
Qual é a maior crítica que você faz ao governo, Marcio?
Nós temos, eu estou mapeando até por coerência, inclusive…
Eu acompanho a sua carreira acadêmica.
Você sabe perfeitamente que nós temos uma certa insatisfação com o patamar dos juros, com a situação cambial atualmente, com a estrutura tributária que praticamente onera, fundamentalmente, os mais pobres desse país, com o padrão de desigualdade que temos. Nós temos uma postura crítica, mas esse é o papel de qualquer instituição de pesquisa. Não nos passa a menor possibilidade de travar essa visão tão ampla que a gente quer garantir no Ipea.