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Altamiro Borges: “Sinais contraditórios no sindicalismo”

O sindicalismo brasileiro vive um período bastante contraditório. A sua trajetória sempre foi errática, com altos e baixos, avanços e crises. Mas na fase recente esta ação pendular se agravou. Duramente golpeado pela ditadura militar, que proibiu greves,

Com a destrutiva ofensiva neoliberal e a intensa reestruturação produtiva nos anos 90, que resultaram na explosão do desemprego e na precarização do trabalho, o sindicalismo ingressou numa profunda crise. As taxas de sindicalização despencaram – de 28%, em 1989, para 16,73%, em 2001, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad); as assembléias se esvaziaram; as greves se escassearam; os sindicatos perderam poder de barganha e as centrais tiveram sua ação bastante debilitada. Com a histórica vitória de Lula em 2002, muitos apostaram na reanimação do sindicalismo – alguns inclusive se iludiram e passaram a adotar uma postura passiva diante do novo governo. Contudo, a retomada não se verificou de imediato. Agora, porém, surgem sinais de certo revigoramento do sindicalismo, ainda que carregado de dúvidas. A situação é mais favorável ao movimento sindical, o que permite ações mais ousadas.



Tímida recuperação



Segundo pesquisas recentes do economista Marcio Pochmann, o índice de sindicalização no país voltou a crescer e atingiu 18,35% dos trabalhadores ocupados. Esta tênue recuperação tem causas econômicas e políticas. Em primeiro lugar, decorre do próprio crescimento da economia. Embora modesto e empacado pela ortodoxia dos juros altos, arrocho fiscal e câmbio supervalorizado, este crescimento tem reflexos objetivos e imediatos no aumento do nível de emprego formal. No primeiro semestre de 2007 foram contabilizados 966 mil novos empregos com carteira assinada, o segundo melhor resultado histórico deste período. Os números acumulados dos últimos 12 meses registram aumento de 6,02% no nível de emprego formal, com a criação de 1,45 milhões de postos de trabalho.



Enquanto o desemprego acua os trabalhadores e fragiliza os sindicatos, o crescimento econômico causa o inverso. “No setor urbano, o que eleva a taxa de sindicalização é a recuperação do emprego com carteira assinada”, afirma Pochmann. Para ele, a tendência atual é de certa revitalização sindical. “Se o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) for para valer, vai crescer a taxa dos sindicalizados”. Outro incentivo se dá no campo. O governo Lula aportou volumosos recursos no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), nos quais os sindicatos avalizam os acessos ao crédito rural.



Há também fatores políticos. A própria discussão recente sobre a legalização das centrais, que exigirá critérios mínimos de representatividade, estimula muitos sindicatos a adotarem planos mais ousados de sindicalização. Além disso, o atual governo tem adotado uma postura mais democrática, não criminalizando as lutas sociais e grevistas. Bem diferente do governo FHC, que não negociava com os sindicatos e até acionou o Exército para reprimir a greve dos petroleiros. Este fator subjetivo incentiva a sindicalização e a participação dos trabalhadores, mesmo que ainda tímida, nas lutas coletivas.



Poder de barganha



A modesta retomada econômica, que encoraja os assalariados e dá mais fôlego aos sindicatos, já produz efeitos positivos nas negociações coletivas. Em 2006, os trabalhadores conquistaram aumento real acima da inflação em 86% dos acordos firmados – o melhor resultado dos últimos onze anos. Segundo Clemente Ganz, diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócio-Econômicas), com a geração de emprego aumenta a sindicalização e o poder de barganha do sindicato. “Ele passa a ter mais visibilidade e força junto às bases”. Além do aumento real, algumas categorias conseguiram brecar, via negociações ou greves, os planos regressivos das empresas. Houve reversão de acordos prejudiciais, como os que impuseram o banco de horas e os contratos parciais e temporários de trabalho. Os metalúrgicos da Volkswagen, por exemplo, barraram 1.800 demissões, após longa e heróica greve no final de 2006.



Ainda não há, porém, uma retomada do movimento grevista. Mesmo no setor público, que continua sendo o mais mobilizado e o recordista em greves, o número de paralisações diminui – foram 185 em 2004, 162 em 2005 e 113 em 2006. No geral, os sindicatos aparentam mais de força e as empresas optam por ceder antes da eclosão de conflitos – até porque têm lucrado muito com o crescimento da economia, estão sem estoques e temem perder mercados. Ainda persiste o clima de defensiva, com o sindicalismo temendo ousar para exigir os frutos da retomada econômica. Não há certezas sobre sua real capacidade de pressão.



Reação do patronato



O capital já percebeu os novos ventos e antecipa-se para evitar o pior – que seria uma nova ofensiva dos trabalhadores para exigir redistribuição da renda e mudanças estruturais o país. Suas últimas iniciativas, sempre com o apoio descarado da mídia e a cumplicidade do Judiciário, visam pressionar o governo Lula e impor novas barreiras às lutas sindicais. De forma sorrateira, a bancada patronal aprovou a Emenda-3, que precariza o trabalho ao incentivar o contrabando da Pessoa Jurídica (PJ) e ao limitar a fiscalização das empresas. Num momento de coragem, o presidente Lula vetou a medida, mas o patronato ainda não desistiu deste golpe. Na seqüência, os partidos das elites, PSDB e Demo, tentaram inviabilizar a ação dos fiscais do Ministério do Trabalho na apuração e punição dos deprimentes casos de trabalho escravo.



No mesmo sentido, a bancada patronal tentou barrar o projeto do governo que reconhece as centrais – um fato histórico no Brasil, que nunca teve este direito assegurado. Ela rasgou acordo firmado pelas centrais para viabilizar sua legalização, que mantinha e redistribuía os recursos da Contribuição Sindical. Além de sabotar as centrais, o capital tentou asfixiar financeiramente os sindicatos, reduzindo o seu poder de fogo. Descarada, a direita proibiu o desconto em folha de pagamento para as entidades dos trabalhadores e fixou a sua fiscalização externa pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mas manteve a contribuição compulsória para as entidades patronais e garantiu a ausência de transparência nas contas do Sistema S.



Por último, desta vez com o incentivo do governo, o Judiciário impôs sérios limites ao direito de greve dos servidores públicos. Sem tergiversar, os juízes confessaram que a medida arbitraria visa reduzir em até 90% o número de paralisações no setor. Em síntese, o que se observa é uma ofensiva do capital para abordar a possibilidade de uma nova reanimação do sindicalismo.



Dificuldades estruturais



Os obstáculos impostos pelo capital e as dubiedades do governo Lula podem protelar uma nova ofensiva do sindicalismo e a superação da sua crise estrutural. Há sinais positivos de recuperação, mas os sintomas de defensiva ainda persistem. A sindicalização cresceu, mas timidamente; as greves continuam em baixa; as assembléias mantêm-se esvaziadas; o poder de fogo dos sindicatos permanece reduzido; predomina o individualismo e a negação da ação coletiva, principalmente entre os mais jovens e sem tradição de luta.



A crise de representação decorre de fatores objetivos e subjetivos. O retraído crescimento da economia capitalista, que mantém taxas elevadas de desemprego e de subemprego; a ofensiva neoliberal dos anos 90, que desmontou o trabalho – via terceirizações, contratos temporários e parciais e jornadas flexíveis – e a intensa reestruturação produtiva – que economiza o trabalho vivo através das novas tecnologias e das técnicas gerenciais de cooptação do trabalhador – ajudam a explicar as dificuldades que ainda não foram superadas. Estes fatores afetaram a materialidade de classe dos trabalhadores e acuaram o movimento sindical no mundo inteiro, independentemente das correntes e opções políticas dos seus dirigentes.



Estas razões objetivas também agravaram os problemas subjetivos, de direção. Muitos sindicatos se voltaram para as lutas imediatas, econômicas e corporativas, sem enfrentar as causas de fundo da crise. Passaram a privilegiar as negociações de cúpula em detrimento das mobilizações das bases. Voltaram-se mais para as máquinas sindicais, atualmente contaminadas por brigas fratricidas pelo poder, distanciando-se dos locais de trabalho. O sindicalismo tornou-se mais institucionalizado, burocratizado e envelhecido. Ele não consegue dar respostas às mudanças no mundo do trabalho nem expressar o novo perfil de classe dos trabalhadores e a sua subjetividade. Diante da relativa reanimação da economia, que potencialmente favorece sua ação, o sindicalismo ainda patina em dificuldades.



Lula e a “crise existencial”



A chegada de um ex-líder sindical à presidência da República foi encarada por muitos como o ponto de virada da crise. A experiência dos últimos cinco anos revela, porém, que isto não se dá automaticamente. O processo de recuperação sindical é lento e tortuoso; não depende apenas do crescimento da economia e da geração de empregos. Para complicar ainda mais este quadro, o primeiro mandato do presidente Lula gerou uma grave crise de identidade, “existencial”, numa expressiva parcela das direções sindicais. Parte resvalou no extremo da passividade acrítica e outra caiu no extremo oposto do voluntarismo esquerdista.



A primeira encarou a vitória de Lula como um fim em si mesmo, como se “a classe operária chegasse ao paraíso”. Ela evitou pressionar e fazer críticas ao governo, desqualificando-as como se fossem iniciativas da oposição de direita. Como efeito, a passividade acrítica resultou num sindicalismo tipo “chapa branca”, sem autonomia, governista. Já o segundo extremo, sem levar em conta a correlação de força adversa e a natureza hibrida do atual governo, partiu direto para a oposição frontal. O presidente Lula foi acusado de neoliberal, burguês e imperialista, num menosprezo total aos avanços diante do triste reinado de FHC. Em vários episódios, as críticas deste setor se assemelharam às da oposição golpista da direita. Em outros, ele ficou desarmado para defender as medidas positivas do governo, como o veto à emenda-3 e o projeto que reconhece as centrais sindicais. Estes dois extremos, próprios de um fato histórico inédito – a chegada de um operário ao governo central –, desarmaram e confundiram o sindicalismo e as bases trabalhadoras.


 


Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).