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Por que os jornais vivem uma crise sem precedentes nos EUA

Apenas nas últimas semanas, o San Diego Union-Tribune eliminou mais de cem vagas, um décimo de sua força de trabalho. O Chicago Sun-Times deu início a uma grande série de demissões na redação, então se pôs à venda, e os publishers em

Há não muito tempo, notícias como esta provocariam muitos comentários e lamúrias no setor de jornais, mas, nos últimos dois meses, as reduções se tornaram tão rotineiras que nem causam agitação fora da cidade de cada jornal. Desde meados de 2007, um grande downsizing (achatamento) — geralmente somado a alguns relatórios financeiros ruins — foi imposto ao The San Francisco Chronicle, The Seattle Times, The San Jose Mercury News, USA Today e muitos outros.


 


A conversa sobre a morte dos jornais é mais antiga do que alguns dos repórteres que escrevem a respeito dela, mas o que está acontecendo agora é algo novo, algo mais sério do que qualquer um experimentou em gerações. O ano passado começou ruim e terminou pior, com encolhimento dos lucros e queda nos preços das ações — e 2008 parece reservar mais do mesmo, levando a uma conversa mais intensa sobre um virada sombria.


 


“Eu sou otimista, mas é muito difícil ser positivo em relação ao que está acontecendo”, disse Brian P. Tierney, publisher do The Philadelphia Inquirer e The Philadelphia Daily News. “Os próximos dois anos são de transição e acho que alguns jornais não vão sobreviver.”


 


Os anúncios — a fonte de mais de 80% da receita do jornal — tradicionalmente aumentavam e diminuíam de acordo com a economia. Nos últimos 12 a 18 meses, porém, tal elo foi partido, e os executivos não esperam conseguir repará-lo totalmente tão cedo.


 


Em 2007, a receita combinada de anúncios impressos e on-line caiu cerca de 7%. Nas últimas seis décadas, apenas um ano — 2001, em que houve recessão — apresentou declínio mais acentuado, segundo a Associação de Jornais da América. Corrigida pela inflação, a receita publicitária de 2007 ficou mais de 20% abaixo de seu pico em 2000.


 


A receita de circulação está caindo constantemente desde 2003, e o número de cópias vendidas está caindo cerca de 2% ao ano. Alguns dos maiores jornais — incluindo The San Francisco Chronicle, The Boston Globe e The Los Angeles Times — perderam entre 30% e 40% de sua circulação em poucos anos.


 


O fator web


 


A migração a longo prazo dos anunciantes para a internet — especialmente de classificados para áreas como empregos, carros e imóveis — acelerou no ano passado. O desaquecimento do mercado imobiliário atingiu duramente o setor de jornais, especialmente na Califórnia e na Flórida, onde os anúncios de imóveis caíram mais de 20% em alguns jornais.


 


No geral, os anúncios locais caíram, enquanto o “mercado publicitário nacional ainda está forte”, disse Alexia Quadrani, uma analista da Bear Stearns & Co. “Os anunciantes locais foram engolidos, de forma que hoje existem menos. A farmácia local se transforma em uma da rede CVS; a loja de ferragens local se transforma em um Home Depot.”


 


Nos últimos dias, várias empresas de jornais informaram resultados fracos em dezembro, e alertaram que janeiro será igualmente ruim e que a situação se agravará com uma recessão. “Os fatores cíclicos tradicionais estão piorando ao mesmo tempo que os fatores estruturais”, disse Ken Doctor, um analista do setor para a firma de pesquisa Outsell. “É um momento muito preocupante.”


 


Executivos de jornais e analistas dizem que poderá levar dez anos para as finanças do setor se estabilizarem. Muitos dos jornais que sobreviverem serão menores e praticarão um jornalismo menos ambicioso. Algumas empresas poderão procurar compradores, mas não está claro quanto mercado restará para os jornais.


 


O primeiro teste virá do Sun-Times Media Group, que anunciou na segunda-feira (4/2) que, após sofrer profundas perdas e o fechamento de vários pequenos jornais semanais, tentará vender quaisquer ativos que puder, incluindo seu principal jornal, The Sun-Times.


 


Outros poderão se proteger das pressões de mercado se tornando sem fins lucrativos ou se tornando de capital fechado; a Tribune Co. recentemente fez ambos. Outros, como Washington Post Co. e E.W. Scripps Co., estão protegidos por terem holdings que não envolvem jornais altamente lucrativas, mas mesmo elas promoveram cortes.


 


Lucros em queda constante


 


Os críticos do setor — incluindo muitos de seus executivos — dizem que os jornais fizeram um trabalho ruim de adaptação à Internet e nem foram criativos e nem agressivos na venda de anúncios. Tierney concordou, “mas é possível promover as mudanças e ainda assim sofrer uma queda. Quando todos estão lidando com água, não dá para esperar ficar seco, apenas menos molhado”.


 


Isto contrasta muito com o tom dele em 2006, quando liderou um grupo de investidores que pagou US$ 515 milhões por dois jornais da Filadélfia. Naquela época, Tierney desdenhou o tom pessimista do setor, expressando confiança de que reconquistaria os leitores pagantes e anunciantes.


 


Com algum marketing assertivo e astuto, os jornais de Tierney contornaram a tendência e mantiveram sua circulação constante, mas a receita publicitária caiu com a do restante do setor.


 


Os lucros dos jornais permanecem saudáveis, mas estão caindo rapidamente. Por exemplo, os jornais da Media General, a maior cadeia do Sul, tiveram uma margem de lucro operacional de 17% no ano passado, mas a quantidade de dólares caiu 23% em relação ao ano anterior. A divisão de jornais da Gannett Co., a maior cadeia do país, teve margem de 21%, mas um declínio de 10%.


 


O declínio coincidiu com uma série de aquisições de jornais, deixando algumas empresas — notadamente a McClatchy Co. e Tribune Co. — com pagamentos de dívida muito maiores e menos dinheiro para cobri-los.


 


Menos tinta


 


A queda no preço das ações tornou os jornais alvos tentadores para alguns compradores em 2006 e no início de 2007, mas mesmo naquela época, os preços das transações que ocorreram foram considerados inflacionados, e houve pouco interesse de outros compradores potenciais.


 


McClatchy comprou a cadeia de jornais Knight Rider, e a News Corp. comprou a Dow Jones & Co., editora do The Wall Street Journal. Muitos jornais foram vendidos em negócios menores, incluindo os jornais da Filadélfia, The San Jose Mercury News e The Star Tribune de Minneapolis.


 


Os preços das ações continuaram caindo desde então, e os analistas acham que cairão ainda mais. Mas, desde meados do ano passado, os compradores parecem ter desaparecido. O setor promoveu reduções de custo que incluem o uso de tamanhos menores de página, consolidação das operações entre os jornais e a eliminação de rotas de entrega.


 


As demissões se tornaram praticamente universais; a New York Times Co. revelou na semana passada que seu número de funcionários encolheu 3,8% em um ano. Em muitos jornais, a forma habitual de reduzir a necessidade de ser vendidos foi complementada ou substituída pelas demissões.


 


A maioria dos jornais reduziu suas redações e simplesmente tem realizado menos reportagens, especialmente no exterior (em um exemplo recente, o Baltimore Sun fechou suas últimas sucursais no exterior). O setor está consumindo cerca de três quartos da tinta que consumia há quatro anos — um resultado não só da menor circulação e menos quantidade de anúncios, mas também de menos artigos.


 


Reações diferentes


 


Algumas empresas tentaram arduamente proteger suas redações das demissões, enquanto outras as reduziram agressivamente. O Mercury News, por exemplo, conta com 200 funcionários na redação, nem metade do número de 2000. O downsizing teve início com a Knight Ridder e acelerou depois que o MediaNews Group comprou o jornal em 2006.


 


O paradoxo é que mais pessoas lêem jornais do que antes, agora que alguns grandes jornais contam com um maior número de leitores on-line do que do jornal impresso. E os jornais estão vendendo mais anúncios do que antes, quando os anúncios on-line estão incluídos.


 


Só que, para cada dólar que os anunciantes pagam para chegar ao leitor do jornal impresso, eles pagam cerca de cinco centavos, em média, para chegar a um leitor pela internet. Os jornais precisam reduzir esta diferença, mas o aumento da receita de internet desacelerou acentuadamente no ano passado.


 


“Esta é outra coisa que tornou 2007 um divisor de águas — a conscientização de que não se deve esperar por um crescimento anual de 25% na receita digital”, disse Doctor. “Ninguém sabe quando esta coisa chegará ao ponto mais baixo, ou quão baixo será.”