Ministro do STF abre as portas do inferno para a mídia se esbaldar
Uma decisão do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, em caráter liminar, parte da Lei de Imprensa. Suspender a legislação assim, só para satisfazer as necessidades imediatas de grupos privados de comunicação que es
Publicado 22/02/2008 18:00
A suspensão total de 15 artigos da Lei de Imprensa, decidida pelo ministro Carlos Ayres Britto, do STF (Supremo Tribunal Federal), na noite desta quinta-feira (22/1), não significa um completo vácuo na legislação com relação a veículos de comunicação, diz o site jurídico Primeira Instância. De fato, a Constituição de 1988 já abarcou vários temas que antes eram regulados pela Lei de Imprensa, criada em 1967.
No entanto, Pedro Serrano, especialista em direito constitucional, diz acreditar que a decisão não é completa. Para ele, é preciso uma nova lei que revogue a atual e estipule “de uma forma democrática republicana” a responsabilização da imprensa por eventuais abusos no direito de informar.
“O Código Civil e o Código Penal não são suficientes para estipular um regime jurídico adequado e satisfatório à questão das relações de mídia pelo poder imenso que ela tem em nossa vida social”, avalia.
A observação do jurista serve de alerta para todos os brasileiros que já foram vítimas da irresponsabilidade midiática. Afinal, uma coisa é uma pessoa física caluniar ou difamar um desafeto e ser processado por isso com base nos códigos Penal e Civil; outra coisa é ser vítima de uma campanha difamatória em rede nacional de rádio e TV, e ter que recorrer a uma legislação generalista para tentar conseguir algum tipo de retratação ou indenização por danos morais e materiais.
E nem é preciso recorrer a casos emblemáticos como o da Escola Base. Basta lembrar que publicações como a revista “Veja”, por exemplo, já se sentem no direito de, semanalmente, lançar contra seus desafetos políticos e concorrentes comerciais as mais aburdas calúnias e falsas acusações, na confiança de que não será punida por isso. Agora, com a suspensão parcial da Lei de Imprensa, o sentimento de impunidade falará ainda mais alto nas redações da grande mídia, que o jornalista Paulo Henrique Amorim qualificou muito apropriadamente como PIG (Partido da Imprensa Golpista).
O grito de “liberou geral” foi dado pelo próprio ministro Ayres Britto ao afirmar que “em nosso país, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porquanto, o que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja”. Com esta afirmação, abrem-se as portas do paraíso (ou seria do inferno?) para que a mídia use e abuse de seu poder e de sua influência para destruir reputações, defender interesses escusos e perseguir quem não lhe é conveniente.
O alcance da decisão
A decisão de Ayres Britto derruba os artigos que prevêem, por exemplo, a punição de jornalistas, por calúnia, injúria e difamação. Perdeu a validade também o artigo que prevê aumento de um terço das penas, caso haja calúnia e difamação contra os presidentes da República, da Câmara e do Senado, ministros do Supremo, chefes de Estado e diplomatas. Na sentença liminar, o ministro derruba também a possibilidade de espetáculos e diversões públicas serem proibidos e as previsões de multa para notícias falsas, deturpadas ou que ofendam a dignidade de alguém. Os valores são, atualmente, analisados caso a caso.
A liminar foi concedida a pedido do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), através de uma tal de ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) ajuizada pelo PDT. Teixeira diz que a Lei de Imprensa foi “imposta em 1967 à sociedade pela ditadura militar” e que ela contém dispositivos totalmente incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. “O diploma legal impugnado é produto de um Estado Autoritário, que restringiu violentamente as liberdades civis em geral, e a liberdade de comunicação em particular”, disse Miro.
Como principal argumento para pedir a liminar, o PDT cita a recente atitude de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus que moveram ações de indenização, em diferentes cidades do país, contra os jornais Folha de S. Paulo, O Globo (RJ), Extra (RJ) e A Tarde (BA) por terem publicado matérias questionando a legalidade dos negócios mantidos por dirigentes da Igreja Universal.
De fato, a Lei de Imprensa precisa ser substituída por algo melhor. É um resquício de um período antidemocrático. Período que a história já condenou e que as instituições ainda hão de julgar severamente. Mas os dispositivos legais da Lei de Imprensa sobreviveram nos governos pós-ditadura pois em muitas situações eram a única forma da sociedade se defender da irresponsabilidade de alguns jornalistas e veículos de comunicação que insistem em praticar um jornalismo que acusa sem provas, destrói carreiras e reputações e não aceita ser desmentido.
Por isso, suspender a legislação assim, de forma repentina, sem que haja outro instrumento legal para regular o setor, só para satisfazer as necessidades imediatas de grupos privados de comunicação, é um grande desserviço à democracia.
Dois pesos e duas medidas
A decisão de Britto ocorreu no mesmo dia em que o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), foi multado pelos desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) em R$ 200 mil por manter um programa na Rádio e Televisão Educativa do Paraná (RTVE), onde debatia as ações de seu governo, mas também fazia críticas à imprensa e a adversários políticos. A mesma imprensa venal que elogiou a decisão do ministro Ayres Britto, foi a que censurou o governador do Paraná e levou o judiciário a persegui-lo.
Na decisão do TRF, os desembargadores determinaram que o governador terá que manter o tom comportado durante as transmissões da Escola de Governo na RTVE. Ele continua proibido de qualificar como positivas as ações de seu próprio governo e de criticar a imprensa, políticos e instituições na emissora.
Resta saber se agora, com o fim (por enquanto provisório) da Lei de Imprensa, a justiça valerá de fato para todos ou se prevalecerá a política dos dois pesos e duas medidas que a mídia alimenta com total desfaçatez.
Um atento leitor do Observatório da Imprensa, que assina como Teo Ponciano, fez um cometário irônico mas absolutamente esclarecedor sobre a política de dois pesos e duas medidas da imprensa. Diz ele: “Se processar jornalista é contra a liberdade de imprensa, então a “Veja” é contra a liberdade de imprensa pois está processando o Luis Nassif pela sua série de matérias sobre a revista.”
É justamente esta hipocrisia midiática que está em discussão, a partir de agora, com a polêmica decisão de Ayres Britto.