Protesto no Rio marca 10 anos do desabamento do Palace 2
Há dez anos, vítimas do desabamento do edifício Palace 2, no Rio, vivem imersos em imbróglios judiciais, em busca de indenizações. No dia 22 de fevereiro de 1998, um sábado de Carnaval, o prédio –de 22 andares– desabou parcialmente, matando oito pessoas
Publicado 22/02/2008 16:27
Para protestar contra a lentidão da Justiça, na manhã desta sexta-feira (22) os ex-moradores do prédio compareceram a uma missa na Igreja Santa Luzia, no Centro do Rio, em memória das oito pessoas mortas no desastre. Logo depois, foram até a calçada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde ofereceram aos transeuntes um bolo de dez metros de cumprimento.
Até hoje, menos de um décimo do valor do patrimônio do empresário e ex-deputado federal Sérgio Naya –dono da construtora Sersan e que acabou absolvido pela Justiça– chegou de fato às mãos das vítimas.
Para a maior parte delas, porém, o drama é muito mais que uma batalha judicial. Uma década depois de assistir seus lares irem abaixo, 15 famílias do Palace 2 ainda vivem em um hotel na zona oeste da cidade. Muitas vítimas tiveram suas vidas pessoais e profissionais desestruturadas. Algumas adoeceram e sete morreram. Quase nenhuma diz ter se recuperado totalmente.
Apenas 15% foram indenizados
Dias depois de uma coluna do prédio desabar, a perícia policial concluiu que as obras do Palace 2 foram mal executadas. Na época, bombeiros e peritos encontraram no local pilares ocos e indícios de areia de praia na construção, que teve que ser implodida seis dias após o desabamento parcial.
Além do sofrimento, a luta dos moradores também atravessou a última década: apenas aproximadamente 15% do total das indenizações previstas na Justiça –que variam entre R$ 200 mil e R$ 1,5 milhão por família– foram pagas, de acordo com o advogado da Associação das Vítimas do Palace 2, Nélio Andrade. Atualmente, segundo Andrade, há cerca de R$ 60 milhões travados em ações judiciais.
“As famílias não se conformam. O Naya foi absolvido e ainda tem um grande salário da pensão de ex-deputado, enquanto as famílias estão sofrendo por um problema que ele criou”, afirmou Rauliete Barbosa Gomes, presidente da associação das vítimas, que tem cadastradas 120 famílias. “As torres gêmeas que caíram nos Estados Unidos já foram resolvidas, e a nossa ainda não”.
Acordos
Para tentar “uma liquidação mais dinâmica e eficiente” da dívida, Naya assinou acordo em agosto do ano passado com as vítimas se comprometendo a repassar todos os seus bens bloqueados pela Justiça para a Associação das Vítimas do Palace 2.
Segundo o advogado de Naya, Wilson Campos de Miranda Filho, o patrimônio do empresário, que era de cerca de R$ 400 milhões na época do desabamento do prédio, hoje não passa de R$ 100 milhões. No total, as vítimas receberam até hoje cerca de R$ 30 milhões, segundo o advogado da Associação de Moradores das Vítimas.
No acordo, o empresário e seus advogados garantem ainda não mais contestar leilões das propriedades de Naya, o que atrasou a liberação de muitos deles. Só em um caso, um terreno de Naya em São Paulo já foi cinco vezes a leilão, mas ainda não conseguiu ser arrematado por impedimento dos advogados do empresário. Eles alegam que os arremates têm valores abaixo dos de mercado.
Banco do Brasil
Contribui para a morosidade uma disputa que envolve também o Banco do Brasil. Cerca de R$ 14 milhões, ou um quarto do valor que falta ser pago, está travado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) desde 2005, depois que um outro terreno de Naya na Barra da Tijuca, do qual o Banco do Brasil era credor, foi leiloado. O BB, que havia feito um empréstimo à Sersan para a construção de um shopping na área, foi ao STJ alegando crédito privilegiado de hipoteca e exigindo que a dívida fosse quitada antes do pagamento das indenizações aos moradores do Palace 2. O prédio, que foi arrematado por uma rede de supermercados, está com as construções abandonadas.
“Se entrar esse dinheiro, já poderemos indenizar muitas famílias, já dá para aliviar bem a situação”, disse o advogado Nélio Andrade.
O processo está travado desde novembro e, segundo o STJ, não há previsão para ser julgado, já que aguarda em uma fila de 10 mil matérias a serem analisadas pelo ministro Massami Uyeda, que vai decidir sobre o caso. Em nota, Uyeda declarou que pretende analisar o caso ainda no primeiro semestre. Só o STJ tem atualmente cinco processos que envolvem o Palace 2 aguardando julgamento –todos eles também sem previsão de conclusão.
Hotel no lugar de casa
Sérgio Naya passou 106 dias preso acusado de falsidade ideológica e falsificação de documentou públicos. Por causa do desabamento, foram mais 27 dias de prisão, mas o ex-deputado foi considerado inocente do desabamento do prédio.
Naya teve todos os seus bens bloqueados e alguns leiloados. As vítimas reclamam que o longo tempo entre as parcelas torna difícil a compra de uma nova moradia.
“Você recebe R$ 20 mil hoje, daqui a um ano mais R$ 10 mil, daqui a dois anos mais R$ 50 mil e você não compra nada, não consegue refazer a sua vida nem tão pouco seu patrimônio”, diz o advogado de uma das vítimas do desastre, Edurado Lutz.
O terreno baldio do edifício pertence à associação de ex-moradores do Palace 2. Até hoje, 17 famílias ainda vivem nos hotéis nos quais foram acomodados em caráter “provisório” logo após a tragédia.